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quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A CRÍTICA DE VON MISES AO INTERVENCIONISMO ESTATAL


Diz uma frase famosa, muito citada: “O melhor governo é o que  menos governa”. Esta não me parece uma caracterização adequada  das funções de um bom governo.   Compete a ele fazer todas as coisas para as quais ele é necessário e para as quais foi instituído.  Tem  o dever de proteger as pessoas dentro do país contra as investidas violentas e fraudulentas de bandidos, bem como de defender o país  contra  inimigos  externos.  São  estas  as  funções  do  governo  num  sistema livre, no sistema da economia de mercado.  No socialismo, obviamente, o governo é totalitário, nada escapando à sua esfera e sua jurisdição.  Mas na economia de mercado, a principal incumbência do governo é proteger o funcionamento harmônico  desta economia contra a fraude ou a violência originadas dentro ou fora do país.  Os que discordam desta definição das funções do governo poderão dizer: “Este homem abomina o governo”. Nada poderia estar mais longe da verdade.  Se digo que a gasolina é um líquido de grande serventia, útil para muitos propósitos, mas que, não obstante, eu não a beberia, por não me parecer esse o uso próprio para o produto, não me converto por isso num inimigo da gasolina, nem se poderia dizer que odeio a gasolina.  Digo apenas que ela é muito útil para determinados fins, mas inadequada para outros.  Se digo que é dever do
governo prender assassinos e demais criminosos, mas que não é seu dever abrir estradas ou gastar dinheiro em inutilidades, não quer dizer que eu odeie o governo apenas por afirmar que ele está qualificado para fazer determinadas coisas, mas não o está para outras.

Que é o intervencionismo? O intervencionismo significa a não restrição, por parte do governo, de sua atividade, em relação à preservação da ordem, ou – como se costumava dizer cem anos atrás – em relação à “produção da segurança”.  O intervencionismo revela um governo desejoso de fazer mais.  Desejoso de interferir nos fenômenos de mercado.  Alguém que discorde, afirmando que o governo não deveria intervir nos negócios, poderá ouvir, com muita freqüência, a seguinte resposta: “Mas o governo sempre interfere, necessariamente.  Se há policiais nas ruas, o governo está interferindo.  Interfere quando um assaltante rouba uma loja ou quando evita que alguém furte um automóvel”.  Mas quando falamos de intervencionismo, e definimos o significado do termo, referimo-nos à interferência governamental no mercado.  (Que o governo e a polícia se encarreguem de proteger os cidadãos, e entre eles os homens de negócio e, evidentemente, seus  empregados, contra ataques de bandidos nacionais ou do exterior, é efetivamente uma expectativa normal e necessária, algo a se esperar de qualquer governo.  Essa proteção não constitui uma intervenção, pois a única função legítima do governo é, precisamente, produzir segurança.) Quando falamos de intervencionismo, referimo-nos ao desejo que experimenta o governo de fazer mais que impedir assaltos e fraudes.  O intervencionismo significa que o governo não somente fracassa em proteger o funcionamento harmonioso da economia de mercado, como também interfere em vários fenômenos de mercado: interfere nos preços, nos padrões salariais, nas taxas de juro e de lucro.

O governo quer interferir com a finalidade de obrigar os homens de negócio a conduzir suas atividades de maneira diversa da que escolheriam caso tivessem de obedecer apenas aos consumidores.  Assim, todas as medidas de intervencionismo governamental têm por objetivo restringir a supremacia do consumidor.  O  governo  quer  arrogar  a  si  mesmo  o  poder  –  ou  pelo  menos parte do poder – que, na economia de mercado livre, pertence aos consumidores.  Consideremos um exemplo de intervencionismo bastante  conhecido  em  muitos  países  e  experimentado,  vezes
sem conta, por inúmeros governos, especialmente em tempos de inflação.  Refiro-me ao controle de preços.  Em geral, os governos recorrem ao controle de preços depois de terem inflacionado a oferta de moeda e de a população ter começado a se queixar do
decorrente aumento dos preços.  Há muitos e famosos exemplos históricos  do  fracasso  de  métodos  de  controle  dos  preços,  mas mencionarei apenas dois, porque em ambos os governos foram, de fato, extremamente enérgicos ao impor, ou tentar impor, seus
controles de preço.



MISES, Von Ludwig. As seis lições. Tradução:  Maria Luisa Borges. São Paulo.Instituto Ludwig  Von Mises.7º Edicção. 2009. ( Trecho – Terceira lição: O intervencionismo, pg. 45)