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OS PRÉ-SOCRATICOS E A CIÊNCIA

É argumentável que a filosofia nasce com o primeiro ser capaz de elaborar uma linguagem e raciocínios complexos. Como só conhecemos a espécie humana capaz de fazer tal coisa, podemos dizer, por enquanto – ao menos até descobrirmos algum outro ser capaz de tais tipos de raciocínios -, que a filosofia nasce com o ser humano. Pode parecer um pouco presunçosa essa afirmação, mas não é. Aparentemente a filosofia nasce quando o primeiro problema filosófico é formulado. Mas qual a natureza dos problemas filosóficos? Bom, podemos compreender os problemas filosóficos de dois modos.
O primeiro modo é entender que problemas filosóficos são aqueles que nós não temos a capacidade, na época que se pensa sobre esse problema, de oferecer uma resposta definitiva, uma resposta tal que sejamos capazes de averiguar se ela é verdadeira ou falsa. A peça chave para compreendermos esse modo de ver os problemas filosóficos é: um problema filosófico depende do período em que é formulado. Por exemplo, antigamente os seres humanos não tinham um método para averiguar respostas para perguntas como “como água cai do céu?”, “o que é um relâmpago e um trovão no meio de uma tempestade?”, “como as plantas saem da terra?”, etc. Esses tipos de perguntas eram importantes para os primeiros seres humanos. Eles não sabiam responder tais perguntas haja vista que eles não tinham métodos científicos que dispomos hoje.
Desse modo, nos primórdios dos seres humanos, tais perguntas podem ser vistas como perguntas filosóficas. Eles careciam de um método para averiguar se possíveis respostas a essas perguntas eram verdadeiras ou falsas. Hoje, por outro lado, temos métodos capazes de explicar tais fenômenos e averiguar a veracidade dessas explicações. Desta forma esses problemas deixaram o campo filosófico, tornando campos separados da filosofia, que hoje chamamos de “ciência”. Esse modo de encarar os problemas filosóficos permite imaginarmos que alguns dos problemas que temos hoje na filosofia podem, em um futuro, deixar de serem tratados pela filosofia. Talvez consigamos um método para averiguar a resposta de certos problemas filosóficos, tornando essas perguntas problemas centrais de outras áreas do conhecimento. Ou seja, talvez problemas atuais que temos na filosofia se tornem, no futuro, a semente de novas ciências.

Por outro lado, podemos entender os problemas filosóficos como problemas que não permitem, seja em que época for, a utilização de um método experimental para averiguarmos suas respostas. Seria da natureza dos problemas filosóficos não permitir um método experimental para respondê-los. Desse modo uma pergunta do tipo “como água cai do céu?” não era, mesmo antigamente, um problema filosófico. Tal problema permite a utilização de um método experimental para averiguarmos suas respostas. Não naquela época, pois eles não tinham, mas a natureza dessa pergunta permite tal método experimental. E é por conta da natureza da pergunta que ela não é filosófica, de acordo com essa interpretação.Homens pré-históricos já esboçaram o que entendemos hoje por religião. Esse é um forte indício da existência de perguntas filosóficas naquela época.
Deixando essa discussão aparte, nos centremos no por que a filosofia existe desde os primórdios dos seres humanos. Os primeiros registros que temos dos seres humanos os vemos criando sistemas religiosos, ou mesmo se questionando sobre a própria existência. A existência da religião em sociedades primitivas nos fornece um forte indício de que esses homens faziam perguntas filosóficas. Por que existimos? Há alguma coisa que rege o universo? Há alguma estrutura no universo além do que vemos? Esse tipo de pergunta é essencialmente filosófica. São perguntas que tanto carecem, seja naquela época ou mesmo hoje, de métodos experimentais para averiguarmos as respostas. Como eles não tinham boas respostas para tais perguntas, postular a existência de seres divinos era uma alternativa viável. Solucionava os problemas, à primeira vista. Assim nasceram as religiões, como uma explicação para problemas filosóficos.

Grécia antiga, o berço da filosofia ocidental.

Por que, então, vemos pessoas falando que a filosofia nasceu com os gregos? Bom, há melhor explicação para isso é a seguinte. Aparentemente, problemas filosóficos nasceram com os questionamentos naturais do homem, de modo que não podemos apontar um lugar onde ela teria “nascido”. No entanto, a filosofia tal como vemos hoje é fruto de um certo modo de sistematizar e responder aos problemas filosóficos. Com os gregos os problemas filosóficos tomaram um corpo sistematizado. Através deles que começamos a olhar para os problemas e, a partir da natureza de cada tipo de problema, a dividi-los em grupos. Os gregos que, por exemplo, perceberam que um problema sobre a natureza da realidade é diferente de um problema sobre o modo como devemos agir. Além disso, como veremos, com Tales (considerado como o primeiro grande filósofo grego) a explicação de qual é a natureza última do universo tomou um caminho de análise tal que se diferenciava das anteriores, haja vista que não exigia mais uma explicação que recorria a existência de deuses. Devemos notar que isso não significa que Tales não acreditava em entidades místicas ou religiosas. Pelo contrário, os primeiros filósofos gregos tinham teorias extremamente místicas aos olhos de hoje. No entanto, para época em que eles viveram, dar uma explicação para tais problemas, sem recorrer aos mitos da época, era uma revolução no modo de se pensar.
Devemos notar, contudo, que há métodos filosóficos bem particulares em outras regiões do mundo, como no oriente. Há filósofo orientais anteriores aos filósofos gregos. Todavia, a filosofia grega adotou um posicionamento e uma sistematização no método filosófico que, tal como vemos hoje, deu origem a toda tradição filosófica ocidental. Enquanto isso os filósofo orientais tanto sofreram como também tiveram fortes influências nos costumes religiosos e tradicionais das suas sociedades. Muitos deles tratavam a filosofia como um braço da religião. Os gregos, por sua vez, adotaram uma posição diferente. A religião predominante na Grécia era recheada de mitos, algo que os primeiros filósofos gregos tentaram rejeitar como respostas para os problemas filosóficos.

Do Mito ao Logos

A primeira coisa que vemos em cadernos de história da filosofia é a famosa passagem “do mito ao logos”. Basicamente o que essa passagem representa é o nascimento da tradição filosófica ocidental. Como dito anteriormente, os primeiros filósofos começaram a rejeitar os mitos religiosos como respostas para problemas filosóficos. Os mitos deixaram de ser respostas plausíveis, dando lugar ao logos, ou seja, a razão. Mas, o que isso quer dizer? Os primeiros filósofos começaram a oferecer respostas que visavam ordenar o universo através de princípios básicos. Tais princípios não recorriam a mitos, no entanto eles tinham, por vezes, propriedades místicas. Assim todo o universo adquiria ordem, tornava-se um “Cosmos”, um local organizado por princípios reguladores e, além disso, previsível.


Logos, do grego, significava em um primeiro momento a palavra escrita ou falada. No entanto, esse termo adquiriu outro significado com os filósofos. Assim, entende-se “logos” como a razão, a capacidade de racionalizar.


Cosmos, do grego, significa a totalidade das coisas, o universo, posto de modo ordenado, organizado e harmônico.



Dizem, por conta disso, que a filosofia é a mãe de todas as ciências. Essa afirmação não é, vista por esse ângulo, falsa. Os primeiros filósofos gregos propunham um modo de se observar e analisar a natureza tal que ela pudesse ser explicada pela razão, e não recorrendo a mitos religiosos. Esse modo de encarar o mundo foi fundamental no desenvolvimento de todas as ciências. As primeiras perguntas filosóficas eram aos olhos de hoje, perguntas que misturavam filosofia e ciência. A primeira ciência a se desvencilhar da filosofia foi a matemática (a entendendo como uma ciência “pura”), posteriormente foi a física. Nos tempos modernos temos o exemplo da química, da biologia e, por fim, a psicologia. No início, lá na Grécia Antiga, essas áreas eram todas misturadas. Mas, o que toda ciência deve à filosofia foi o modo como ela nos permitiu encarar a natureza.