É argumentável que a filosofia
nasce com o primeiro ser capaz de elaborar uma linguagem e raciocínios
complexos. Como só conhecemos a espécie humana capaz de fazer tal coisa,
podemos dizer, por enquanto – ao menos até descobrirmos algum outro ser capaz
de tais tipos de raciocínios -, que a filosofia nasce com o ser humano. Pode
parecer um pouco presunçosa essa afirmação, mas não é. Aparentemente a
filosofia nasce quando o primeiro problema filosófico é formulado. Mas qual a
natureza dos problemas filosóficos? Bom, podemos compreender os problemas
filosóficos de dois modos.
O primeiro modo é entender que
problemas filosóficos são aqueles que nós não temos a capacidade, na época que
se pensa sobre esse problema, de oferecer uma resposta definitiva, uma resposta
tal que sejamos capazes de averiguar se ela é verdadeira ou falsa. A peça chave
para compreendermos esse modo de ver os problemas filosóficos é: um problema
filosófico depende do período em que é formulado. Por exemplo, antigamente os
seres humanos não tinham um método para averiguar respostas para perguntas como
“como água cai do céu?”, “o que é um relâmpago e um trovão no meio de uma
tempestade?”, “como as plantas saem da terra?”, etc. Esses tipos de perguntas
eram importantes para os primeiros seres humanos. Eles não sabiam responder
tais perguntas haja vista que eles não tinham métodos científicos que dispomos
hoje.
Desse modo, nos primórdios dos seres
humanos, tais perguntas podem ser vistas como perguntas filosóficas. Eles
careciam de um método para averiguar se possíveis respostas a essas perguntas
eram verdadeiras ou falsas. Hoje, por outro lado, temos métodos capazes de
explicar tais fenômenos e averiguar a veracidade dessas explicações. Desta
forma esses problemas deixaram o campo filosófico, tornando campos separados da
filosofia, que hoje chamamos de “ciência”. Esse modo de encarar os problemas
filosóficos permite imaginarmos que alguns dos problemas que temos hoje na
filosofia podem, em um futuro, deixar de serem tratados pela filosofia. Talvez
consigamos um método para averiguar a resposta de certos problemas filosóficos,
tornando essas perguntas problemas centrais de outras áreas do conhecimento. Ou
seja, talvez problemas atuais que temos na filosofia se tornem, no futuro, a
semente de novas ciências.
Por outro lado, podemos entender os
problemas filosóficos como problemas que não permitem, seja em que época for, a
utilização de um método experimental para averiguarmos suas respostas. Seria da
natureza dos problemas filosóficos não permitir um método experimental para
respondê-los. Desse modo uma pergunta do tipo “como água cai do céu?” não era,
mesmo antigamente, um problema filosófico. Tal problema permite a utilização de
um método experimental para averiguarmos suas respostas. Não naquela época,
pois eles não tinham, mas a natureza dessa pergunta permite tal método
experimental. E é por conta da natureza da pergunta que ela não é filosófica,
de acordo com essa interpretação.Homens pré-históricos já esboçaram o
que entendemos hoje por religião. Esse é um forte indício da existência de
perguntas filosóficas naquela época.
Deixando essa discussão aparte, nos
centremos no por que a filosofia existe desde os primórdios dos seres humanos.
Os primeiros registros que temos dos seres humanos os vemos criando sistemas
religiosos, ou mesmo se questionando sobre a própria existência. A existência
da religião em sociedades primitivas nos fornece um forte indício de que esses
homens faziam perguntas filosóficas. Por que existimos? Há alguma coisa que
rege o universo? Há alguma estrutura no universo além do que vemos? Esse tipo
de pergunta é essencialmente filosófica. São perguntas que tanto carecem, seja
naquela época ou mesmo hoje, de métodos experimentais para averiguarmos as
respostas. Como eles não tinham boas respostas para tais perguntas, postular a
existência de seres divinos era uma alternativa viável. Solucionava os
problemas, à primeira vista. Assim nasceram as religiões, como uma explicação
para problemas filosóficos.
Grécia antiga, o berço da filosofia
ocidental.
Por que, então, vemos pessoas falando
que a filosofia nasceu com os gregos? Bom, há melhor explicação para isso é a
seguinte. Aparentemente, problemas filosóficos nasceram com os questionamentos
naturais do homem, de modo que não podemos apontar um lugar onde ela teria
“nascido”. No entanto, a filosofia tal como vemos hoje é fruto de um certo modo
de sistematizar e responder aos problemas filosóficos. Com os gregos os
problemas filosóficos tomaram um corpo sistematizado. Através deles que
começamos a olhar para os problemas e, a partir da natureza de cada tipo de
problema, a dividi-los em grupos. Os gregos que, por exemplo, perceberam que um
problema sobre a natureza da realidade é diferente de um problema sobre o modo
como devemos agir. Além disso, como veremos, com Tales (considerado como o
primeiro grande filósofo grego) a explicação de qual é a natureza última do
universo tomou um caminho de análise tal que se diferenciava das anteriores,
haja vista que não exigia mais uma explicação que recorria a existência de
deuses. Devemos notar que isso não significa que Tales não acreditava em
entidades místicas ou religiosas. Pelo contrário, os primeiros filósofos gregos
tinham teorias extremamente místicas aos olhos de hoje. No entanto, para época
em que eles viveram, dar uma explicação para tais problemas, sem recorrer aos
mitos da época, era uma revolução no modo de se pensar.
Devemos notar, contudo, que há
métodos filosóficos bem particulares em outras regiões do mundo, como no
oriente. Há filósofo orientais anteriores aos filósofos gregos. Todavia, a filosofia
grega adotou um posicionamento e uma sistematização no método filosófico que,
tal como vemos hoje, deu origem a toda tradição filosófica ocidental. Enquanto
isso os filósofo orientais tanto sofreram como também tiveram fortes
influências nos costumes religiosos e tradicionais das suas sociedades. Muitos
deles tratavam a filosofia como um braço da religião. Os gregos, por sua vez,
adotaram uma posição diferente. A religião predominante na Grécia era recheada
de mitos, algo que os primeiros filósofos gregos tentaram rejeitar como
respostas para os problemas filosóficos.
Do Mito ao Logos
A primeira coisa que vemos em
cadernos de história da filosofia é a famosa passagem “do mito ao logos”.
Basicamente o que essa passagem representa é o nascimento da tradição
filosófica ocidental. Como dito anteriormente, os primeiros filósofos começaram
a rejeitar os mitos religiosos como respostas para problemas filosóficos. Os
mitos deixaram de ser respostas plausíveis, dando lugar ao logos,
ou seja, a razão. Mas, o que isso quer dizer? Os primeiros filósofos começaram
a oferecer respostas que visavam ordenar o universo através de princípios
básicos. Tais princípios não recorriam a mitos, no entanto eles tinham, por
vezes, propriedades místicas. Assim todo o universo adquiria ordem, tornava-se
um “Cosmos”, um local organizado por princípios reguladores e, além disso,
previsível.
Logos, do grego, significava em um primeiro momento a palavra escrita ou
falada. No entanto, esse termo adquiriu outro significado com os filósofos.
Assim, entende-se “logos” como a razão, a capacidade de racionalizar.
Cosmos, do grego, significa a totalidade das coisas, o universo, posto de modo
ordenado, organizado e harmônico.
Dizem, por conta disso, que a
filosofia é a mãe de todas as ciências. Essa afirmação não é, vista por esse
ângulo, falsa. Os primeiros filósofos gregos propunham um modo de se observar e
analisar a natureza tal que ela pudesse ser explicada pela razão, e não
recorrendo a mitos religiosos. Esse modo de encarar o mundo foi fundamental no
desenvolvimento de todas as ciências. As primeiras perguntas filosóficas eram
aos olhos de hoje, perguntas que misturavam filosofia e ciência. A primeira
ciência a se desvencilhar da filosofia foi a matemática (a entendendo como uma
ciência “pura”), posteriormente foi a física. Nos tempos modernos temos o
exemplo da química, da biologia e, por fim, a psicologia. No início, lá na
Grécia Antiga, essas áreas eram todas misturadas. Mas, o que toda ciência deve
à filosofia foi o modo como ela nos permitiu encarar a natureza.