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JOHN LOCKE

"todos os homens, que, sendo todos iguais e livres, nenhum deve prejudicar o outro, quanto à vida, à saúde, à liberdade, ao próprio bem". E, para que ninguém empreenda ferir os direitos alheios, a natureza autorizou cada um a proteger e conservar o inocente, reprimindo os que fazem o mal, direito natural de punir"

FRIEDRICH HAYEK

“A liberdade individual é inconciliável com a supremacia de um objetivo único ao qual a sociedade inteira tenha de ser subordinada de uma forma completa e permanente”

DEBATES FILOSÓFICOS

"A filosofia nasce do debate, se não existe a liberdade para o pensar, logo impera a ignorância"

A Filosofia é.....

"Viver sem filosofar é o que se chama ter os olhos fechados sem nunca os haver tentado abrir". Descartes

LIBERDADE

"Liberdade, Igualdade , Fraternidade. Sem isso não há filosofia. Sem isso não há existência digna.

"Nós temos um sistema que cobra cada vez mais impostos de quem trabalha e subsidia cada vez mais quem não trabalha"

LUDWING V. MISES

"O socialismo é a Grande Mentira do século XX. Embora prometesse a prosperidade, a igualdade e a segurança, só proporcionou pobreza, penúria e tirania. A igualdade foi alcançada apenas no sentido de que todos eram iguais em sua penúria"

quinta-feira, 7 de abril de 2016

A SOCIEDADE DO COMSUMO

Os lucros da (ir)racionalidade: uma refexão sobre a importância da proteção do consumidor na atual sociedade de consumo

Devo, de em diante, externar algumas reflexões– e notem-se: na condição de estudante a respeito da importância da proteção do consumidor na sociedade globalizada de consumo na qual vivemos. Esse é o foco e meu objetivo único. Considerando que a sociedade de consumo pode ser vista de vários pontos, econômico, filosófico, psicológico, sociológico, político, ético, jurídico, notei que a literatura pertinente trata normalmente das várias faces ao mesmo tempo. Para hoje, além de recolher alguns subsídios nessa literatura, obtive outros – talvez mais relevantes – a partir do diálogo com pessoas do meu convívio, é o caso do genial professor Lucas Saran, aqui presente, do colega Bruno Costa e mesmo do meu querido compadre-irmão Vinícios Cangussu. A partir desses diálogos, quase como que numa maiêutica socrática, extraímos de nós mesmos várias ponderações da sociedade de consumo, porque, afinal, fazemos parte dela. 

Gente... pode acontecer de alguém se sentir desconfortável em razão do que vou falar, mas não pensem vocês que eu também não me senti da mesma forma incomodado quando preparei o que hoje vou lhes dizer. Sou também um consumidor tal como qualquer um aqui, aprendi a gostar de sê-lo, e a não saber ser outra coisa, senão um bom consumidor.


2 Que significa dizer que vivemos numa sociedade de consumo?

Pois bem, que significa dizer que vivemos numa sociedade de consumo? Para responder a essa pergunta, precisamos lembrar da noção de INDÚSTRIA CULTURAL. Quem primeiro lançou-lhe as bases foram Adorno e Horkheimer na obra Dialética do Esclarecimento, obra na qual pela primeira vez empregou-se a expressão “indústria cultural”. Grosso modo, se a indústria é a conjugação do trabalho e do capital para transformar a matéria prima em bens de produção e consumo, então a indústria cultural caracteriza-se, por sua vez, pela produção de bens culturais, disseminados através dos meios de comunicação de massa (mídia), que impõem formas homogêneas de comportamento e consumo.

A sociedade de consumo teve seu marco inicial com a Revolução Industrial no final do século XVIII. Adorno e Horkheimer consideram a indústria cultural um estágio da cultura contemporânea que confere a tudo “um ar de semelhança” (ADORNO, p.1). Estamos, pois, que as necessidades passam a ser padronizadas na indústria cultural. Não há espaço para o personalíssimo. Também os produtos – à semelhança das necessidades e dos próprios consumidores – são padronizados. Os sistemas de produção, consumo e publicidade tornaram-se tão homogêneos, que virtualmente toda mercadoria apenas reafirma, com alguma variação, o poder de uns poucos princípios de sua efetividade. Gostaria de lembrar a letra de uma das músicas do grupo Engenheiros do Hawaii, de composição de Humberto Gessinger e Paulinho Galvão, chamada Fusão a Frio: ninguém sabe como serão os filhos desse casamento indústria da informação + indústria do entretenimento promessas de fusão à frio(sic), desvio de comportamento
(...)
promessas de fusão à frio, diversão e conhecimento
a única escolha que temos é a forma de pagamento
(...)
De fato, o capitalismo de consumo impôs: “[...]educar as massas na cultura do consumo, criando nelas o desejo de melhores coisas, mesmo quando elas não queriam ou não podiam mais comprar...”(Marcondes Filho, apud Severiano, 2001). Hoje em dia, diz o sociólogo polonês Bauman: A maneira como a sociedade atual molda seus membros é ditada, primeiro e acima de tudo, pelo dever de desempenhar o papel de consumidor. A norma que nossa sociedade coloca para seus membros é a da capacidade e vontade de desempenhar esse papel (p. 87-88).

Ao não comprar, descumpre-se aquele dever de consumo imposto aos participantes desta sociedade. Lembremos o que reiterou o Presidente Lula na última crise internacional: Lula volta a incentivar população a não parar de consumir .Segundo ele, paralisia do mercado interno pode gerar desemprego. Presidente afirmou que programas sociais não sofrerão cortes. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a incentivar nesta terça-feira (25) as pessoas a continuar consumindo bens e serviços apesar da crise. Segundo ele, se o trabalhador deixar de fazer compras, corre o risco de perder o emprego em razão da diminuição da atividade econômica.
(...)
Segundo ele, o país entrou numa fase de crescimento que não pode ser abandonada e, por isso, a manutenção do consumo interno é fundamental..
(...)
Segundo o presidente, isso afeta o mercado. "O trabalhador pensa assim: 'Eu não vou fazer a compra da minha televisão, da minha geladeira, do meu carro(...)porque eu tenho medo de perder o emprego'. Ele corre o risco de perder o emprego se não comprar, porque daí o comércio não encomenda para a indústria que não produz e aí não tem emprego”, argumentou o presidente.
(G1, Notícia 25/11/08 - 17h26 - Atualizado em 25/11/08 - 17h34 Disponível em http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MRP875484-9356,00.html)
A crescente globalização das sociedades contemporâneas acelera a proliferação de todos os tipos de produtos no mercado, advindos de todas as partes do mundo. E, pois, vivemos hoje, portanto, em uma forma social na qual o consumo tornou-se o ato social por excelência. É a “sociedade do goza”, que leva cada um ao prazer de um consumo ilimitado, conforme nos diz um interessante artigo cujo título é “O TRABALHO DA ILUSÃO: PRODUÇÃO CONSUMO E SUBJETIVIDADE NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA”, da psicóloga Dra. Isleide Arruda Fontenelle da USP.

O consumo não é um ato como outro qualquer, mas princípio organizador de toda a vida social atual. Trata-se, portanto, de pensar a cultura contemporânea como uma cultura orientada para o consumo. A Jurisprudência não olvidou da importância do crédito numa sociedade de consumo:
(...)Em uma sociedade de consumo massificada como a nossa [UMA DAS PREMISSAS!], a inscrição em órgãos restritivos de crédito, tornada pública, é suficiente para gerar uma série de transtornos e constrangimentos, fato perceptível pela experiência comum. (AC 200372050001846, VÂNIA HACK DE ALMEIDA, TRF4 - TERCEIRA TURMA, 29/03/2006)
O consumo, segundo a lógica capitalista, deveria responder sempre a uma necessidade, gerando procura (demanda) e determinando a partir daí o valor as coisas. Não é o que ocorre hoje em dia. Hoje compramos por dever e por compulsão. A compulsão está presente sempre que uma ação, pensamento ou uma seqüência complexa de comportamentos, quando não realizados, acarreta um aumento da angústia.

Essa ação, pensamento ou seqüência complexa de comportamentos na sociedade de consumo é o desejo socialmente expandido da aquisição “do supérfluo”, do excedente, do luxo. Esse desejo é constante e insaciável, uma necessidade preliminarmente satisfeita gera quase automaticamente outra necessidade, num ciclo que não se esgota, num continuum onde o final do ato consumista é o próprio desejo de consumo, como bem averbou o sociólogo Professor da Universidade Federal de Campina Grande Anderson Moebus Retondar em excelente artigo denominado “A (re)construção do indivíduo: a sociedade de consumo como ‘contexto social’ de produção de subjetividades”.

No consumo é que se busca a resolução (ou melhor a fuga) de nossos rotineiros problemas: o tédio, a inveja, a competição, a depressão, a solidão e outros tantos. O “remédio” do nosso século tem sido o consumo. O consumo não mais está ligado propriamente a uma necessidade, hoje em dia está ligado a emoções. Porém, o consumo, quando associado ao prazer, deixa um vazio sentimental, uma sensação de insatisfação. Liga-se, ainda, à imagem que fazemos de nós mesmos. Quanto maior for a posse de bens de um indivíduo, maior será seu prestígio social. O indivíduo, inclusive, expressa a si mesmo através de suas posses (BAUMAN et al., 2001).

Certa vez, determinado amigo reclamava das dificuldades financeiras a que passava. Conversa vai, conversa vem, reclama daqui, reclama dali, percebi que ele havia comprado uma moto nova. Perguntei o valor que havia “pago”, disse-me então o valor, o qual não me lembro bem, mas girava em torno de R$65.000,00, creio que é um valor razoável para a moto que vi. Dito o valor, logo ele me justificou: “Financiei 100%. É a única forma de ajuntar algum patrimônio. Eu pago as prestações e, se não agüentar, vendo depois e fico com o dinheiro”. Vejam vocês: não sei se ficou claro, mas, nos primórdios do capitalismo, a forma mais racional de acumular patrimônio era economizando, isto é, não gastando; agora, na sociedade de consumo, você gasta para economizar! A racionalidade se subverteu (daí parte do título: “Os lucros da (ir)racionalidade”).
Uma das mais conhecidas compulsões é a compulsividade alimentar.

Cabe aqui relembrar o filme documentário do diretor americano Morgan Spurlock, divulgado em 2004, “Super size me”. Nesse filme, em linhas gerais, Spurlock propõe-se a fazer uma dieta a base de três refeições diárias dos produtos da rede McDonald´s durante um mês. Ao final, a conclusão é óbvia: AS GRANDES CORPORAÇÕES NÃO SÃO FIÉIS AO CONSUMIDOR, MAS AOS SEUS ACIONISTAS. CLARO! Sobre o problema da compulsão alimentícia o filme chama atenção para um paradoxo. Se socialmente é tolerável uma dura crítica a um fumante, como “Você não vê como é ridículo acabar com sua saúde fumando esse cigarro?”, então por que não é uma crítica análoga contra compulsivos alimentares: “Você não vê como é ridículo acabar com sua saúde comendo esse big-mac?”. Poderíamos ainda estender o paradoxo para, vendo alguém no Catuaí fazendo compulsivamente compras, dizer-lhe: “Você não vê como é ridículo acabar com sua saúde financeira comprando tanta coisa que nem será usada?”
O ponto comum entre a indústria de cigarros, bebidas, alimentos ou de qualquer outra coisa é que eles podem contar com a indústria cultural para imprimir comportamentos, gostos, hábitos e até valores sociais para estimular o quanto mais possível o consumo desses produtos, independente da saúde física, psíquica ou financeira do consumidor. Mas não é só. Ainda há mais: O CONSUMISMO INFANTIL Numa sociedade de consumo, crianças e adolescentes são vistos como potenciais consumidores, transformando-se numa fatia de mercado que envolve bilhões de reais. Algumas estratégias de marketing são comumente utilizadas:


a)associar o consumo ao divertimento.


O McDonalds, por exemplo, oferece, no consumo do Mc lanche feliz brindes colecionáveis. Outro exemplo Kinder Ovo. No filme “Super size me” são expostos os “Playground” para as crianças exatamente como há no nosso McDonald’s de Londrina na Av. Tiradentes.


b) estratégias com as embalagens e suas cores:

A maior parte dos produtos destinados às crianças estampa personagens da indústria do entretenimento, sejam produtos de higiene, como pasta de dente ou xampu, sejam peças do vestuário, seja o material escolar, sejam estampas de alimentos (ou mesmo um desenho da Disney impresso em um biscoito). Contando com a imaginação das crianças e o mundo de fantasias, próprio da idade, as propagandas associam certas marcas de produtos a determinadas qualidades: coragem, força, poder e status social.


3 A necessária proteção do consumidor

Daí porque a proteção do consumidor foi erigida como direito fundamental do homem. A despeito de ninguém acreditar hoje em dia ser o consumidor totalmente livre para decidir soberanamente sobre o que comprar ou não comprar em virtude dos influxos do marketing, da publicidade, da moda, dos métodos agressivos e sentimentais à disposição dos fornecedores numa sociedade de consumo, é preciso que o Estado garanta ao cidadão a idéia de que ele não é um ser passivo, mas sim suficientemente ativo para determinar na medida do possível aquilo que ele realmente quer. Eis porque contamos com a proteção do consumidor desde o altiplano das normas constitucionais.

Nossa belíssima Constituição, a conhecida Constituição Cidadã de 1988, garante proteção ao homem indivíduo – direitos individuais – 5º; ao homem social – direitos sociais – 6º - 193 e ss; ao homem nacional – direito à nacionalidade – 12 e ao homem cidadão –direitos políticos –14, reservando ao homem enquanto participante de uma coletividade, os direitos coletivos – 5º, a proteção dos direitos do homem enquanto consumidor 5º, XXXII e 170, V. Diz o Texto Maior:
Art.5º: XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V - defesa do consumidor.

A proteção do consumidor, a partir do reconhecimento de sua vulnerabilidade frente o fornecedor, é uma necessidade dado o poderio da sociedade de consumo em que vivemos. Na visão dos autores do anteprojeto do CDC, “Almeja-se uma proteção integral, sistemática e dinâmica. E tal requer o regramento de todos os aspectos da relação de consumo, sejam aqueles pertinentes aos próprios produtos e serviços, sejam outros que se manifestam como verdadeiros instrumentos fundamentais para a produção e circulação destes mesmos bens: o crédito e o marketing” (Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelo autores do anteprojeto. 8ªed. São Paulo: Forense, 2005, p.7).


3.1 EXECUTIVO: PODER DE POLÍCIA – IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO DO PROCON

Não sei se consegui atingi-lo, mas o objetivo final da minha fala foi modesto e um só: apenas e tão somente deixar dentro de vocês, bem marcada, a razão pela qual é, hoje em dia, tão importante e imprescindível uma eficaz proteção do consumidor, mais nada além disso. Vamos sair hoje daqui e continuar consumindo como fazemos diuturnamente todos os dias da nossa existência. E viva o consumo! Obrigado!

Autor: Comunicação realizada por Rogério na Unifil.

SOBRE VERDADE E MENTIRA NO SENTIDO EXTRA MORAL

A questão colocada por Nietzsche no texto “Sobre verdade e mentira no sentido extra moral” se da sobre as perguntas: O que aconteceria  se a verdade dos enunciados fosse apenas um engano ? E se a condição da verdade fosse a mesma  da mentira  ? Isso iria mostrar  tão somente  o caráter  dissimulador  do intelecto  humano e da fragilidade das condições  absolutas  de verdade. É justamente a essa conclusão que Nietzsche quer nos esclarecer.  Com esta fábula, Nietzsche pretende nos mostrar o quão sem importância e pequenos nós somos diante da existência. Acreditamos que por nosso intelecto somos seres superiores. Ficamos cegos pela própria luz que pensamos emanarComo não possuímos atributos corporais naturais para lutarmos pela nossa existência tivemos que procurar um meio alternativo. A natureza negou aos homens meios físicos naturais para lutar pela vida, e deu-lhe em compensação o intelecto.
Porém, mesmo com estratagemas o homem precisava lutar. Portanto, assim como os outros animais o homem também recebeu os sentimentos básicos de preservação da espécie, os instintos. Quando, para sobreviver, elaborávamos algum artifício enganador e astucioso, eram estes sentimentos primordiais que nos moviam. Enquanto que nos outros animais, naturalmente paramentados para a luta, tais fatores encontram diretamente uma exteriorização no próprio corpo, no homem tal processo não ocorre sem antes passar pelo intelecto. Segundo Nietzsche o homem é o criador  dos valores, mas esquece sua própria  criação e vê neles algo de transcendental  de eterno  e verdadeiro, quando os valores  não  são mais  que  algo humano e demasiadamente  humano. 
 homem em sua vaidade acredita andar com as próprias pernas, sem perceber, entretanto, que seus movimentos são ditados por forças primitivas, das quais não se dá conta. Nietzsche apresenta uma oportunidade para abrirmos os olhos para outra realidade.  Ele nos coloca a questão mais fundamental: como podemos esperar ouvir a verdade do mestre da mentira sem que mintamos para nós mesmos? A mentira efetiva-se ao expressar alguma coisa diferente do que percebe e sente como realidade. Porém, o homem só será punido em consideração aos seus fins e objetivos. Por si só, a verdade e a mentira nada significam de bem ou de mal. 
A verdade é uma designação, tomada universalmente como válida, dada à expressão do que uma pessoa percebe e sente como realidade. Logo, a verdade está submetida às convenções da linguagem. Mas, por mais rigorosas que possam ser tais convenções, toda expressão é expressão de um sujeito. Assim, acontece com os nossos conceitos. No dicionário Aurélio, encontramos a seguinte definição para conceito: representação dum objeto pelo pensamento por meio de suas características gerais. O intelecto é imanente ao homem e não lhe cabe nada que não seja inteiramente humano.
O que compreendemos não são as “coisas em si”, diretamente. Enxergamos relações entre elas e entre elas e nós mesmos. O que designamos como coisas e objetos são na verdade conjuntos de relações antropomórficas. Interagimos com o mundo mediado por uma teia de relacionamentos herdada, que compõe a nossa bagagem cultural. Quando enxergamos algo, o vemos de um ponto de vista legitimamente humano.  De acordo com Nietzsche a  verdade nasce desta obrigação impingida por pacto social. O mentiroso é mal visto, castigado e excluído pelos outros membros da comunidade. Para ser respeitado é necessário orientar-se sempre pela verdade. Mas esta verdade nada mais é do que uma convenção social com o objetivo de regular os inter-relacionamentos humanos e possibilitar a formação de uma comunidade. 
Em nossa busca cega pela verdade, somos incapazes de perceber a completa falta de sentido deste empreendimento. Somos homens e, como tais, tudo o que nos cabe ser, viver e experimentar é inexoravelmente humano. Tudo que possamos ver e compreender serão feito a partir de uma perspectiva humana e não passará de uma representação de nós mesmos.

posicionamento de Nietzsche  nos mostra que não existe  um sentido  original, pois as próprias palavras não passam  de interpretações, antes mesmo de serem  signos. As palavras segundo Nietzsche, sempre  foram  inventadas pelas classes superiores, e assim não indicam  um significado, mas impelem uma  interpretação. O trabalho do filósofo (Etmologista), portanto deve centralizar-se no problema de saber o que existe para   ser interpretado  na medida  em que  tudo  é mascara, interpretação avaliação, fazer isso é avaliar o que vive é dançar e criar.          

O ABORTO NA PERSPECTIVA DA ÉTICA DO DEVER

      1.1.1 Kant e a lei moral

Para compreensão da constituição do sujeito kantiano, a filosofia moral e antropológica de Kant, parte-se da existência de uma lei objetiva como algo já dado, que Kant a chama de lei moral. A qual todos os seres racionais sensíveis (SRS) homens chegam ao seu conhecimento não pela experiência, mas sim pela razão, pois “para derivar as ações da lei moral é necessário a razão” (FMC, II § 12, p. 123).
Desta forma, ao analisar a constituição do sujeito parte-se da moral a priori como algo já dado em uma perspectiva ontológica do eu penso[1] de validade universal para todos os seres racionais. Assim, argumentarei como diz Kant que “todos os conceitos morais têm a sua sede e origem completamente a priori na razão” (FMC, II §10, p.122). Uma vez que a moral deste sujeito kantiano é extraída da razão pura, Kant na FMC apresenta uma filosofia moral totalmente livre de estímulos exteriores.
Assim sendo, a ação moral do sujeito kantiano oriunda da razão a priori apresentada por Kant na FMC investiga a idéia da ação moral em total respeito à lei moral, e não nas ações e condições do querer humano. Pois conforme Kant afirma “a razão por si mesma é independente de todos os fenômenos e ordena o que deve acontecer” (FMC, II § 10). Uma vez que a razão é independente de todos os fenômenos e ordena o que deve acontecer, podemos inferir ainda que de forma muito introdutória, que a razão tem a capacidade de dar leis objetivas aos SRS, dando a estes condições para realizar ações morais.
Em conformidade com o exposto acima, a moralidade do sujeito kantiano teria sua origem naquilo que é comum a todos os seres racionais, a saber: na lei moral, sejam eles SRS ou seres racionais perfeitos (SRP) Deus. Para os SRP a lei moral é a expressão de seu ser. Para os SRS esta mesma lei moral se expressa na noção de dever. Os SRS que determinam suas ações em necessidade da noção do dever são identificados por Kant de sujeitos autônomos, suas ações estão determinadas pelo imperativo categórico o qual Kant identifica na FMC de imperativo da moralidade (FMC, II § 22, p.126).
Assim sendo, a ação moral do sujeito kantiano proposta por Kant na FMC através do imperativo categórico, não se constitui meramente de uma conformidade com o dever. A conformidade com o dever demonstrará apenas a legalidade da ação. Para que a ação seja moral na perspectiva de Kant, a ação deve ser determinada pelo conceito de dever “que contém em si o de boa vontade” (FMC, I § 8, p. 112). Desta referida proposição citada, o que se pode inferir é que o valor moral não pode ser constatado na ação, mas somente em seu fundamento determinante do querer.
Mas, para que o fundamento determinante do querer determine uma vontade autônoma, a vontade não deve provir de uma fonte externa, mas da própria razão a priori. Kant entende por a priori um “tal conhecimento independe da experiência e mesmo de todas as impressões dos sentidos” (CRP, 22B/22). As verdades conhecidas pela razão pura são a priori, e, “Elas incluem as leis lógicas e algumas outras verdades, acerca do mundo estabelecido na Critica da Razão Pura. Elas incluem também a lei moral”(WALKER,1999 p.8).
Do aduzido, compreende-se que a forma com a qual Kant trata a moral na FMC deduz que uma ação moral não deve ser pressuposta como fundamento da lei moral, mas deve ser deduzido da lei moral. Em que, o objeto da vontade deve ser determinado pela vontade em si, antes que a vontade pelo objeto. Portanto inferimos, ainda que de forma tímida, que a partir dos pressupostos da FMC que a existência de uma lei objetiva como algo já dado, e a obediência a essa lei pelo dever é o fundamento da construção do sujeito kantiano.

1.2 A VISÃO DE KANT

1.2.1 Uma filosofia deontológica

Uma filosofia deontológica. Ao abordar a filosofia moral kantiana somos impelidos a concepção moral do “Dever ser”. Segundo Kant todos os seres racionais estão sujeitos á lei universal, mas só os seres humanos experimentam essa sujeição na forma de um imperativo. Essa forma de sujeição é necessária porque os seres humanos possuem não só uma vontade pura, mas também inclinações que conflitam contra ela. A tensão entre vontade pura e motivos sensíveis que impregna o querer humano, que a relação da vontade humana com a lei seja uma relação de dependência sob o nome de obrigação, o que subentende uma restrição da ação. A essa restrição chama-se dever, cito Kant:
Uma ação praticada por dever tem o seu valor moral, não no propósito que com ela se quer atingir, mas na máxima que a determina; não depende, portanto da realidade do objeto da ação, mas somente do princípio do querer segundo o qual a ação, abstraindo todos os objetos da faculdade de desejar [...] por puro respeito a lei prática, e por conseguinte a máxima que manda obedecer a essa lei, mesmo com prejuízos de todas as minhas inclinações. (FMC, I § 15, p.114).

Nota-se que Kant ele caminha para uma moral do rigor para discutir as ações humanas. Desta forma, na perspectiva que abordamos o aborto em Kant é estritamente imoral, onde o dever é o fim último da ação, destituindo toda a possibilidade de pensar uma ação como um meio para algo (utilitaristas). Nem mesmo para a felicidade, visto que para Kant felicidade não é um ideal da razão, mas da imaginação. O homem é feliz quando se faz moral, mais tal ordem não segue necessariamente, pois o homem pode ser moral e infeliz, pois o dever me faz agir mesmo com prejuízos das minhas inclinações, “máxima que manda obedecer a essa lei, mesmo com prejuízos de todas as minhas inclinações”  (FMC, I § 15, p.114). Isso acontece, pois de acordo com Höffe o “dever é a moralidade na forma de mandamento de um imperativo, de forma que só faz sentido falar em dever para aqueles em que junto com a lei moral existam impulsos e desejos concorrentes, como no caso de seres racionais impuros” (HÖFFE. 2005, p. 193).

1.2.2 O conceito de vida

Sobre o termo vida em Kant ele usa o termo Gumüt do alemão que tem dois significado. Primeiro Gumüt esta ligado ao termo indole  e indole significa propensão natural, tendencia especial.  Por isso, que  Kant no primeiro  § da  Crítica da Faculdade do Juízo  diz que a vida  é  “produto da lei  da natureza”. Ou seja; a vida não é ação provocada pelo homem ela segue uma determinação da natureza, não cabendo interferencia humana. O segundo significado de vida através do termo Gumüt significa ânimo que corresponde a energia vital, para toda  a realização do sujeito enquanto ser racional.

1.2.3 O conceito de vida humana

Sentido psicologico: Consite  em uma complexa relação  entre corpo, o mundo exteriror e o Gumüt (ânimo); onde os sentimentos  de vida, possuindo pelo sujeito o leva  a um estado de prazer ou desprazer.
Sentido biológico: O  que  constitui uma vida humana seria as composições  da estrutura humana  que pode ser determinado cientificamente, mediante um exame da natureza dos cromossomos das células dos organismo vivos.

1.2.4 A concepção ontológica do “eu penso”

É complicado querer falar de ontologia em Kant. Para tentar responder tal questão, é preciso estabelecer o quê estamos entendendo por ontologia aqui. Na verdade, adoto uma visão bem tradicional: “ontós” o ser (por definição o ser é aquilo que é) e “logos” o estudo. Logo, ontologia seria fundamentalmente o estudo do ser, o estudo daquilo que numa realidade última é absoluta. Desta forma, a ontologia tradicional procura estabelecer a identificação de qualidade e propriedades do ser.Torna-se complicado falar de ontologia em Kant, visto que na (CPR) no capítulo Analítica Transcendental, Kant refere-se explicitamente a substituição da orgulhosa ontologia da escola wolffiana, que tinha pretensão de oferecer em forma de doutrina sistemática um conhecimento sintético a priori das coisas em si. Ou seja, na analítica transcendental, o que Kant estabelece é a impossibilidade de conhecer as coisas em si, ou seja, a impossibilidade da ontologia como estudo e demarcação do ser, e da sua incapacidade de orientar nossas ações.
Assim, Kant abandona a ontologia tradicional, e na Analítica Transcendental Kant estabelece a “mera analítica do entendimento”, com isso, Kant quer dizer que os princípios da analítica transcendental são “meramente regras para exposição de aparências”, e não se ocupa da compreensão das coisas em si, como é objeto da ontologia. Mas Kant ocupa-se tão-só dos objetos da experiência, ou seja dos fenômenos. Na obra (VPM) “Quais são os verdadeiros progressos da metafísica desde os tempos de Leibniz e Wolff ?” a ontologia é descrita por Kant como “a ciência que compreende um sistema de todos os conceitos e princípios do entendimento, mas somente na medida de em que abrangem objetos dados pelos sentidos e podem ser, portanto, justificados pela experiência (VPM. p. 260, p53) ou que contêm “os elementos de um conhecimento humano a priori, conceitos e princípios fundamentais” (p.315, p.161).
Desta forma, muitos estudiosos e especialistas defendem a noção que a ontologia em Kant é uma ontologia voltada para o “eu penso”, focada na definição de uma realidade que é necessariamente do conhecimento na medida em que abarca tudo aquilo que existe para um sujeito, tudo aquilo que é para ele e nada mais.Com isso, Kant abandona essa busca pela essência e de apreensão e compreensão do ser, e das coisas em si típicos da ontologia; estabelecendo a revolução copernicana, em que o sujeito agora é o centro, onde através das categorias e da experiências, o sujeito da sentido ao mundo. Por isso, Kant enfatiza que o mundo não tem sentido nenhum, a não ser o sentido que damos a ele.
Não podendo fundamentar em Kant um valor ontológico do conceito de pessoa, pode-se conceber a idéia de uma espécie de valor ontológico para a razão, como princípio determinante para a fixação do conceito de pessoa. Kant enfatiza que o homem é um ser racional por natureza, desta forma, poderia pensar essa racionalidade numa perspectiva ontológica, que faz parte intrinsecamente da construção do sujeito kantiano, que possibilita fixar um valor de pessoa. Por isso, que tanto a ontologia tradicional como a filosofia kantiana, estabelece o valor para o conceito de pessoa, com uma diferença: que na ontologia o valor da pessoa é ontológico, é um valor “em si mesmo”, que independe daquilo que o ser humano realize, ao passo que em Kant, o valor da pessoa esta no uso da racionalidade.
 Desta forma, o conceito de pessoa em Kant e Peter Singer se assemelha. Kant enfatiza na CRP que uma pessoa é: “o que tem consciência da identidade numérica de si própria em tempos diferentes” (CRP. 361/B). Piter Singer: “pessoa no sentido de um ser racional e autoconsciente” (SINGER. 2002 pg. 96). Desta forma, acredito ser possível realizar essa contraposição entre empírico-psicológico em Dworkin, e perspectiva ontológica do “eu penso” em Kant. Do aduzido, podemos pensar uma ontologia voltada para o “eu penso” onde Kant através da racionalidade atribui o valor essencial do ser humano.

1.2.5 O Conceito de Pessoa

Kant na (CRP) define uma pessoa como “ o que tem consciência da identidade numérica de si próprio em tempos diferentes” ( CRP. 361/B). Não o bastante o conceito da pessoa “ é necessário e suficiente para o uso pratico” ( CRP. 365/B). A tese central da FMC órbita em torno da liberdade instalada na subjetividade humana. Por entender todo ser humano como um ser de liberdade, Kant o desenha como um fim em si mesmo e prende todas as ramificações morais e filosóficas (essencialistas e existencialistas) em um único argumento, a saber: a pessoa como um ser humano, de racionalidade e dignidade.
 Impossível negá-lo, isso seria renunciar à própria humanidade e dessignificar a própria existência significada enquanto essencialmente humana. Pode-se afirmar que, no indivíduo o embate entre paixão e razão, liberdade e natureza, tem como resultado característica de uma pessoa, de um ser que é capaz de criar e se submeter às regras, que se concentra no reconhecimento da pertença da consciência.

1.2.6  O feto como ser humano

O feto é um ser humano? É uma pessoa constitucional ? Tal pergunta é crucial neste tipo de debates. Partindo da premissa que o feto é um ser humano, logo o aborto seria uma ação imoral. Tal proposição só é suficiente para a religião, mas para um diálogo mais aprofundado, a mesma não é suficiente, principalmente para aqueles que são a favor de descriminar o aborto. Pois, para os tais não cabe saber se o feto é apenas um ser humano, infere-se o questionamento se o feto é uma pessoa constitucional.
E para tal desenvolvimento reforçamos a definição já citada de Kant sobre o conceito de pessoas. Na questão se o feto é uma pessoa, inferimos aqui o conceito de Kant que enfatiza na (CRP) que uma pessoa é “o que tem consciência da identidade numérica de si próprio em tempos diferentes” ( CRP. 361/B). Diante da definição kantina reforçamos ainda com definição de Pitter Singer:
A palavra “pessoa” tem sua origem no termo latino que remete a uma máscara usada por um ator no teatro clássico. Ao usarem uma mascara, os atores davam a entender que estavam representado um papel. Com o passar do tempo, “pessoa” passou a designar aquele que desempenha um papel na vida, alguém que é um agente. Segundo o dicionário Oxford, um dos significados correntes do termo [pessoa] é o de “ser autoconsciente ou racional” ( Ibid, pg 97)
            Desta forma, como já citado na filosofia prática kantiana o conceito de pessoa esta relacionada à autoconsciência e no uso racionalidade. Nesta perspectiva, concordamos com Kant e conseqüentemente com Dworkin, que o feto não pode constituir-se como uma pessoa institucional no sentido estrito do direito.
A partir desta proposição de Kant e de Dworkin, infere-se que o feto não constitui uma pessoa. Mas tal proposição levanta outra questão: A falta de consciência de si próprio, fator determinante na constituição de uma pessoas, pode anular o predicado “Vida” que feto carrega ? Mesmo que feto não se enquadre dentro desta concepção de pessoa, teria a condição de descriminalizar o aborto sem implicações morais? Kant quando usa o exemplo do suícida, ele não argumenta que o suícida não pode se matar porque ele é uma pessoa, mas argumenta que ele não pode se matar, porque a preservação da vida é um dever, cito Kant:
Destruir a vida [...] cujo objetivo é suscitar a sua conservação, se contraria a si mesma [e portanto não existiria como natureza]. Por conseguinte, tal máxima não poderia de forma alguma dar-se como lei universal da natureza, e portanto é absolutamente contrária ao princípio supremo de todo o dever. ( FMC. II § 35. Pg 130)
Desta forma, em uma escala de valores, perguntar-se-ia: é o conceito de pessoa que gera a vida ? não seria ao contrário: em que, primeiro adquire a vida, para que haja na sequência a possibilidade de constituir uma pessoa ? A vida[2] humana precede a constituição de pessoa? Para ser pessoa é necessário primeiro ter vida humana. Nenhum sujeito se constitui como pessoas, sem antes não se constituir primeiro como vida humana.
Desta forma, embora o feto não se constitua como uma pessoa no sentido estrito do direito constitucional, isso não poderá desconstruir a constituição do feto como portador da vida, pois os conceitos legislativos do direito, não possuem condições de anular a estrutura biológica do feto. Assim, apesar do feto não ser uma pessoa no sentido filosófico e legislativo é um ser humnao.
Na questão se o feto é um ser humano, não se encontra muito dificuldade para inferir veracidade a tal proposição, a nota a seguir creio ser suficiente para legitimação que o feto é um ser humano. Cito Piter Singer:
É possível atribuir um significado preciso a “ser humano”. Podemos usar essas palavras como sinônimo de “ membro da espécie Homo sapiens”. O fato de um indivíduo pertencer ou não a uma determinada espécie é algo que pode ser determinado cientificamente, mediante um exame da natureza dos cromossomos das células do organismo vivos. Neste sentido, não há dúvida de que, desde os primeiros momentos de sua existência, um embrião concebido do esperma e dos óvulos humanos é um ser humano; e o mesmo pode se dizer do ser humano com as mais profundas e irreparáveis deficiências mentais, até mesmo de um bebê que nasceu anencefálico literalmente, sem celebro. ( SINGER. 2002, pg. 96).

1.3  O CONCEITO DE DIGNIDADE

1.3.1 A questão da dignidade na FMC

Kant com a FMC preocupou-se em demonstrar como os princípios morais, ditados pela razão, devem ser de tal modo valorizado que possam assumir o papel de leis universais. Ao mesmo tempo, Kant valorizou a vida humana e evidenciou que o ser humano deve ser considerado como fim sem si mesmo, e jamais como instrumento de submissão a outrem, sob pena de seus princípios morais não servirem como leis universais. Veja-se, a propósito, o seguinte trecho da aludida obra em que o imperativo moral do dever também pode exprimir-se da seguinte forma: “Age como se a máxima de tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza” (FMC, II, 130 / BA 52). Com essa proposição Kant reafirma inda mais o conceito de dignidade, em que extrai os deveres para conosco e deveres para com os outros.
Cito Kant:
Uma pessoa, por uma série de desgraças, chegou as desespero e sente tédio da vida, mas está ainda bastante em posse da razão para poder perguntar a si mesma se não será talvez contrário ao dever para consigo mesma atentar contra a própria vida. E procura agora saber se máxima de sua ação se poderia tornar em lei universal. A sua máxima, porém, é a seguinte: Por amor de mim mesmo, admito como principio que, se a vida, prolongando-se, me ameaça mais com desgraças do que me promete alegrias, devo encurtá-la. Mas pergunta-se agora se este principio de amor de si mesmo se pode tornar El lei universal da natureza. Vê-se então em breve que uma natureza, cuja lei fosse destruir a vida em virtude do mesmo e, portanto existiria como natureza. Por conseguinte aquela máxima não poderia de forma alguma dar-se como lei universal da natureza, e, portanto é absolutamente contaria ao principio supremo de todo dever. ( FMC, II § 35, p. 130)
Mais adiante, Kant reafirmou a precedência do ser humano: Admitindo, porém que haja alguma coisa cuja existência em si mesma tenha um valor absoluto e que, como fim em si mesmo, possa ser a base de leis determinadas, nessa coisa e só nela é que estará a base de um possível imperativo categórico, quer dizer, de uma lei prática.Ora, digo eu: - O homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existente como fim em si mesmo, não como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente com um fim [...] Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm, contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres regionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte,limita nessa medida todo o árbitro. (FMC. II § 48-49, p134/135)
Em seguida, como fim em si mesmo, Kant assim enunciou o imperativo prático, para em seguida buscar relacionar a idéia de lei moral universal e do ser humano através da terceira formulação do imperativo categórico: “Age de tal maneira que tu uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na de qualquer outro, sempre e simultaneamente como um fim e nunca simplesmente como meio” (FMC, II, 135 / BA 66-67). Desta forma a conservação da vida humana é fundamental, pois o homem deve ser considerado como um fim em si mesmo:
Segundo o conceito do dever necessário para consigo mesmo, o homem que anda pensando em se suicidar-se perguntará a si mesmo se a sua ação pode estar de acordo com a idéia da humanidade como fim em si mesma. Se, para escapar a uma situação penosa, se destrói a si mesmo, serve-se ele de uma pessoa como de um simples meio para conservar até ao fim da vida uma situação tolerável. Mas o homem não é uma coisa; não é, portanto, um objeto passível de ser utilizado como simplesmente meio, mas, pelo contrário, deve ser considerado sempre em todas as suas ações como fim em si mesmo. Não posso, pois, dispor do homem em minha pessoa para o mutilar, degradar ou matar.(FMC, II § 54, p.136).
Na seqüência da formulação deste princípio, Kant insiste na idéia de lei universal que refuta a utilização do homem como meio para outro fim que não seja ele mesmo: Os seres racionais estão, pois, submetidos a essa lei que ordena que cada um deles jamais se trate a si mesmo ou aos outros simplesmente como meios, mas sempre simultaneamente como fins em si. .(FMC, II § 63, p.139). Mais uma vez segundo Kant: “No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode-se ser por em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa esta acima de todo o preço, e, portanto não permite equivalência, então tem ela dignidade (FMC, II § 68, p.140). Por isso, a moralidade e a humanidade enquanto capaz de moralidade são as únicas coisas providas de dignidade.
Em síntese na FMC Kant buscou demonstrar que a dignidade da pessoa humana adviria da soma da autonomia do sujeito racional para a formulação de princípios morais universais, com o fato de o ser humano não ter preço, eis que deve existir enquanto fim em si mesmo e jamais como instrumento para a satisfação dos interesses de outrem. Nesta perspectiva, o feto é um ser humano? É uma pessoa ? aborto seria uma boa vontade, seria um fim em si mesmo? Seria uma máxima que poderia ser universalizada? Seria uma ação desinteressada?.

1.3.2 Vida humana e vida humana digna

Na filosofia moral kantiana a dignidade do sujeito encontra-se na autoconsciência e no uso da racionalidade. A autoconsciência e o uso da racionalidade determinam a vida humana digna do sujeito. Desta forma, infere-se categoricamente que a dignidade do sujeito kantiano fundamenta-se literalmente na autoconsciência e no uso de racionalidade.
Nesta perspectiva, o sujeito kantiano que não faz uso consciente de sua racionalidade a exemplo como: feto, recém nascido e doentes metais, não são possuem vida humana digna. Outra vez parafraseio o que foi dito mais acima, neste caso tal estado de não dignidade, não implica na possibilidade de retirar a vida em nome da dignidade. Visto que, embora o sujeito não tenha uma vida humana digna, a ausência de dignidade, não deverá anular o predicado de vida humana, ou seja, o estado de indignidade por falta da autoconsciência e o não uso da racionalidade, necessariamente não anula o estado de vida humana.
Se parto desta inferência de que o feto não possui vida humana digna, e por isso posso conseqüentemente realizar o aborto logo, infere-se que o recém nascido e os doentes metais também podem ser executados, pois qual seria diferença de um feto e um doente metal? Ainda nesta perspectiva, se o feto não tem dignidade, porque não tem consciência de sua racionalidade, logo os animais também não são dignos, pois são irracionais.
 Mais o feto é os animais tem uma relação e uma diferença ao mesmo tempo. A relação está na no fato, de que o feto e animal possuem vida. A diferença se dá em que o animal esta determinado a ser irracional, ao passo que o feto não é irracional por tempo indeterminado, pois é racional por natureza, e se der a esse feto condições para seguir o curso da lei natural, e na seqüência proporcionar educação e disciplina ele [ feto] alcançará uma vida humana digna. 
Desta forma, o ser humano mesmo não sendo portador de uma vida humana digna, não infere o direto de não viver. Pois a vida humana necessariamente não teria um valor ontológico? Vida humana não teria um valor independente de fazer ou deixar de fazer? A vida humana não teria um valor em si mesmo? Desta maneira, ainda que de forma introdutória diante da proposição, de que á vida tem um valor “em si mesmo”, infere-se, que através da lei moral que é, um dever preservar a própria vida e a vida do outro.
Compreende-se, que nem todos os seres humanos alcançarão autoconsciência e o uso da racionalidade, e conseqüentemente a autonomia. Contudo possuem vida humana, e pelo dever, que é “a necessidade de uma ação por respeito à lei” (FMC. I § 15, pg.114) impele o sujeito agir em favor da vida, por respeito à lei moral e não contra a vida humana.
Preservar a vida humana é uma lei moral; porque possui necessidade e universalidade. Ao passo que tirar a própria vida ou a vida de outro, não implica na necessidade e muito menos em universalidade.
Do aduzido, pode-se pensar o aborto como a possibilidade de uma ação imoral. Visto que o aborto, não constitui uma “boa vontade”; pois a boa vontade tem um valor em si mesmo, (FMC. I § 3, pg.110) destituída de qualquer finalidade, ao passo que o aborto, parece não ter uma finalidade em si mesmo, uma vez que o aborto pressupõe sempre ter uma finalidade estabelecida, seja para evitar a dor o provocar o prazer.
 Mas ambas as finalidades (para evitar a dor o provocar o prazer) busca alcançar a felicidade, ao passo que para Kant a “felicidade não é um ideal da razão, mas da imaginação” ( FMC. II § 25, pg.128), uma vez que na filosofia moral kantiana por ser moral o sujeito é feliz. Mas tal ordem não se segue necessariamente, visto que o sujeito pode ser moral e infeliz, como o exemplo do suicida[3].
Desta forma, conseqüentemente o aborto não seria uma ação por dever. Por quê?
Primeiro que o dever é uma ação em respeito à lei moral, que obedece ao mandamento de preservar a vida.
 E segundo que o dever contém em si o de boa vontade, (FMC. I § 8, pg, 112), portanto se o aborto não sendo uma boa vontade, logo não implica um agir por dever.
Por último, o aborto não seria um imperativo categórico, uma vez que o imperativo categórico se constitui por: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (FMC. II § 30, pg. 129). Logo, o aborto não se constituiu um imperativo categórico, porque não posso universalizar a máxima de uma ação contra a vida humana.
Desta forma, o aborto seria determinado pelo imperativo hipotético o qual se pauta na heteronomia da vontade devido aos juízos empíricos. Segundo Kant os “princípios empíricos nunca servem para sobre eles fundar leis morais” (FMC. III § 82, pg145). Assim, o aborto na filosofia moral kantiana a principio apresenta uma possibilidade de ser pensada como uma ação imoral.

1.3.3 O modelo personalista – aporte para um diálogo kantiano

Bioética é uma área que busca combinar o conhecimento biológico com o conhecimento dos valores humanos, ou seja, é uma ponte entre: conhecimento científico e o conhecimento humanístico. A bioética tem como objetivo indicar os limites e as finalidades da intervenção do homem sobre a vida, identificar os valores de referência racionalmente e denunciar os riscos das possíveis aplicações. Para o modelo personalista o cenário cultural de nosso tempo é composto por
Individualismo: típico da ética liberal em que resume tudo na reivindicação da liberdade. Autonomia: [não no sentido kantiano] mas livre escolha do sujeito que não aceita nem obrigações nem limites à própria liberdade. Vivendo um autonomia/liberdade de forma irresponsável que fere a dignidade de si mesmo e a do outro. Hedonismo: A supressão da dor e a extensão do prazer constituiriam o sentido do agir moral, numa perspectiva terrena e utópica ao mesmo tempo. Utilitarismo: Faz-se uma correlação entre custos e benefícios, o respeito e a composição dos interesses constituiriam resumidamente a finalidade da ética pragmática de decisão. Para harmonizar as liberdades muitas vezes em litígio entre elas faz-se necessário um pacto ético, um contrato, que se torna o fundamento da eticidade.
Para o método personalista todas estas posições faltam uma perspectiva metafísica sobre o ser, falta à confiança na verdade sobre o significado profundo da realidade e, sobretudo sobre a realidade do homem (SGRECCIA: 2000). O Personalismo ontologicamente considera a pessoa humana em sua essência, em sua natureza, em sua verdade, a fundamentação ética do personalismo é a pessoa humana. A pessoa humana é unidade de espírito e corpo. A pessoa é, antes de tudo, um corpo espiritualizado, um espírito encarnado, que vale por aquilo que é e não somente pelas escolhas que faz. (SGRECCIA: 1988)
No método personalista diante da vida humana assume a seguinte posição biológica. No exato momento da fecundação (união dos gametas: óvulo + espermatozóide) surge uma nova vida humana (embrião humano), uma que geneticamente é única (identidade genética). A partir do momento em que o óvulo é fecundado, inaugura-se uma nova vida que não é a do pai nem a da mãe, mas sim a de um novo ser humano que se desenvolve por conta própria. Nunca mais se tornaria humana, se não o fosse já desde então. Nesta perspectiva a dimensão moral implica que cada ser humano tem uma responsabilidade a respeito da própria vida. Essa concepção do modelo personalista permite inferir com a perspectiva kantiana. Pois para o modelo personalista cada ser humano tem uma responsabilidade a respeito da própria vida. Na FMC Kant enfatiza que “Conservar cada uma a sua vida é um dever” (FMC. I § 10 pg.112).

1.3.4 A questão do feto anencéfalo

Diante de tal questão, retomamos alguns conceitos e definições já citados no corpo deste trabalho para a construção de argumentos. Como já visto existe uma diferença e uma relação entre o animal e o ser humano. A diferença é que o animal é irracional e jamais deixara de ser, pois faz parte de sua natureza. O feto por outro lado tem vida humana, mas não tem vida humana digna por não ser irracional. Mas o feto, ele é um ser irracional, em uma linguagem aristotélica ele [Feto] é uma “potência” que tem a capacidade de assumir outra forma. Para Kant, o ser humano é racional por natureza, ou seja; a racionalidade faz parte da sua natureza.
Desta forma, diferente do animal que nunca será racional, o ser humano tem a razão como algo que faz parte de sua estrutura. Desta forma, se não houver intervenção pelo aborto no curso da lei da natureza deste feto e o possibilitando nascer e oferecendo a educação e disciplina, logo ele alcançara a vida humana digna.
Em relação ao feto anencéfalo, o mesmo não terá condição de ter vida humana digna, e muito menos vida humana, pois morrerá devido o feto anencéfalo vir a óbito logo depois de nascer. Sendo assim, poderia inferi que na perspectiva kantiana a possibilidade de uma ação abortiva do feto anencéfalo, não porque o feto não pode alcançar a vida humana digna, mas porque o feto anencéfalo ele não tem condição de ampliar a vida. Quando olhamos para um feto anencéfalo devemos olhar não para a vida humana e a vida humana digna. Mas sim para a questão de que o feto não terá a condição de desenvolver a vida. Uma vez que está comprovado cientificamente que o feto é anencéfalo, e morrerá logo após seu nascimento, a decisão de não abortar mesmo assim, trará implicações para dignidade da mulher.

1.4 AUTONOMIA DA VONTADE E A QUESTÃO DO ABORTO

1.4.1 O aborto no tribunal da autonomia da vontade – inocente ou culpado?

A filosofia moral kantiana, a moralidade tem sua origem naquilo que é comum a todos os seres racionais, sejam eles perfeitos (Deus) ou imperfeitos (homens), a saber: a lei moral. Está posição fica clara no prefácio da obra FMC, onde Kant (FMC. I § 7, p.111) afirma existir, “a evidência de uma idéia comum de dever e leis morais a todos os seres racionais”, ou seja, afirma a universalidade da lei moral. Enquanto para os seres racionais perfeitos SRP a lei moral é a expressão de seu ser, como no caso de Deus, para seres racionais imperfeitos SRS esta mesma lei se expressa na noção de dever-ser.
De acordo com Kant, a lei moral e tudo que se relaciona com moralidade, nada têm haver com o empírico (experiência), pois desta forma a moralidade ficaria restringida ao particular e com certas limitações. Kant chega a afirmar, que uma ação moral deve ser realizada por dever “necessidade de uma ação por respeito à lei moral” (FMC. I §15, p.114) eliminando totalmente a influência das inclinações na instância decisória. Para Kant, o moralmente bom é ilimitado e universal, ou seja, independente do contexto a moralidade de uma ação, está na conformidade do agir com a lei moral.
Segundo Delamar Dutra a lei moral é estabelecida independentemente de todo desejo (inclinações), e, de toda matéria, ou seja, é estabelecida a partir de sua forma, a universalidade. Sendo que para SRS, a mesma se expressa pelo imperativo categórico: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal” (FMC. II §31, p.129).  Portanto para o SRS, o imperativo categórico, interpretado desta forma, é o dever-ser em conformidade a uma lei universal. Entretanto, o fundamento último da filosofia moral kantiana encontra-se em seu princípio de autonomia, pois é na autolegislação, na condição da possibilidade de agir moralmente, e na capacidade de determinar-se a si mesmo, que se encontra a moralidade em sua forma pura e universal (HOFFE. 2005,p. 216).
O princípio de autonomia kantiano, aplicado à questão do aborto, nos conduz a um paradigma de reflexão que Segre, chama de “ética da reflexão autônoma”. Por reflexão autônoma em Kant, entende-se uma atitude na qual um indivíduo representa leis para si, e as obedece. Sendo que está autonomia do sujeito, é o fundamento da filosofia moral kantiana. O tratamento filosófico que Kant dá a questão da moralidade é relevante para o problema do aborto essencialmente por dois motivos: Primeiro porque, com o advento da tecnologia saber que representa poder, e modifica o que é dado, alterando o sentido da vida. Surge, por conseguinte, uma crise (relativização) de valores sócio-religiosos, que até então eram tidos como absolutos.
Tratar o problema do aborto a partir da filosofia moral kantiana consiste, basicamente em ponderar se a prática aborto pode ser pensada como uma máxima sem contradição com uma lei universal (moral), pois Kant, não é pelas ações propriamente dita que se imputa moralmente, mais sim pelas máximas, que levam às ações (FMC. I § 11, p.113). De acordo com Kant, o modo de testar a possibilidade de universalização de uma máxima, é através do imperativo categórico. Na presente reflexão, se usará o imperativo categórico na sua primeira formulação: “Age como se a máxima de tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza” (FMC. II § 34 p.130).
O mesmo raciocínio, também se aplica ao profissional de saúde que é procurado para tal finalidade. A única diferença é que enquanto o indivíduo que deseja o aborto a partir de uma máxima que não pode ser universalizada, o profissional de saúde que aceita auxiliá-lo, a pessoa e a sociedade nesta prática a toma na pessoa do outro, tornando também a sua máxima de ação imoral. Está interpretação expressa acima está de acordo, com uma passagem da FMC. Cito Kant:
Segundo o conceito de dever necessário para consigo mesmo, o homem que anda pensando em suicidar-se perguntará a si mesmo se a sua situação pode estar de acordo com a idéia da humanidade como fim em si mesma. Se, para escapar a uma situação penosa, se destrói a si mesmo, serve-se ele de uma pessoa como de um simples meio para conservar até o fim da vida situação suportável. Mas o homem não é uma coisa; não é um objeto que pode ser utilizado simplesmente como um meio, mas pelo contrário deve ser considerado sempre e em todas as suas ações como um fim em si mesmo. Portanto não posso dispor do homem na minha pessoa para o mutilar, o degradar ou o matar (FMC. I § 9, p.112)
Portanto, quando um indivíduo obedece à lei moral que por sua vez se expressa para os seres racionais imperfeitos através da noção de dever, decidindo por conservar sua vida, ou a do outro ainda que esta decisão contrarie suas inclinações (desejo), estará agindo moralmente. Destarte que somente a decisão da vontade, que não leva em conta nenhuma inclinação (empírica), cujo móbil é unicamente o respeito à lei moral, pode ser chamada de ação moral e autônoma, ou seja, para Kant um indivíduo autônomo, sempre buscará a conformidade com a lei moral. Autonomia da vontade é aquela sua propriedade graças à qual ela é para si mesma a sua lei (independentemente da natureza dos objetos do querer). O princípio da autonomia é, portanto: não escolher senão de modo a que as máximas da escolha estejam incluídas simultaneamente, no querer mesmo, como lei universal (FMC. II § 30,p.129).
Uma vez que para Kant o princípio de autonomia é o fundamento da moralidade, a atitude de se decidir pelo aborto, aponta para uma ação imoral, pelo fato da mesma se constituir em uma ação heterônoma. Ao comentar, o princípio de autonomia kantiano, Otfried Höffe (2005: 217) afirma, que “todo o agir que é dirigido pela expectativa de prazer ou desprazer (satisfação ou insatisfação) acede à vontade desde fora, dos sentidos, e não dá razão (prática); é sempre empírico”, ou seja, uma ação heterônoma. De modo, que a prática do aborto analisada a partir da perspectiva kantiana, tanto para o indivíduo que deseja, como o profissional que auxilia e para a sociedade que assim quer, pode ser analisada em uma perspectiva de uma prática imoral.

1.4.2 O aborto como um crime no código penal brasileiro

O primeiro direito natural de um ser é o direito viver. Direito este que é fundamental, de caráter inviolável. Quando fala-se em aborto, muitas vezes questiona-se se há ou não vida humana no embrião. Até hoje nada é certo, pairando-se uma dúvida jurídico-científica. Sendo assim não pode o Direito Penal deixar de dar tutela à vida de determinado embrião, pelo simples fato da incerteza do mesmo possuir vida ou não. Se há certa ameaça de violação desse direito, já que é admissível a existência da vida, visto que, nada é certo, o Direito Penal tem que dar proteção pela simples ameaça. Logo, sendo a vida um direito inviolável, não pode a mesma estar ameaçada de violação.
O direito à vida não permite exceções, nem privilégios, todos são iguais, não havendo vida menos ou mais importante que outras. Tirar a vida de um ser, pelo aborto, aponta para uma ação imoral e violação dos direitos humanos, especialmente a vida. Bem este que é visto como cláusula constitucional pétrea. No Código Penal brasileiro, o crime de aborto está previsto no capítulo “Dos Crimes contra a Vida”, sendo o foco de tutela, a vida do feto. Tem ele a objetividade jurídica de dar proteção a dignidade relativa do feto, protegendo também a integridade física e psicológica da gestante e conseqüentemente sua vida, no aborto provocado por terceiros. Neste caso o aborto é um crime que pode ser cometido de forma livre, isto é, podendo ser realizado com qualquer comportamento ou ato, chegando a um fim, um determinado resultado.
Os processos utilizados podem ser químicos, orgânicos, físicos ou psíquicos. São substancias que provocam a intoxicação do organismo da gestante e o conseqüente aborto o fósforo, o chumbo, o mercúrio, o arsênico (químicos), e a quinina, a estricnina, o ópio a beladona etc. (orgânicos). Os meios físicos são os mecânicos (traumatismo do ovo com punção, dilatação do colo do útero, curetagem do útero, microcesária), térmicos (bolsas de água quente, escalda-pés etc.) ou elétricos (choque elétrico por maquina estática). Os meios psíquicos ou morais são que agem sobre o psiquismo da mulher (sugestões, susto, terror, choque moral etc.).
É lícito verberar que, conforme dito antes, as condutas tomadas devem ser eficazes de chegar a um resultado, ou seja, o meio tem que ser eficaz de produzir um resultado Dúvida há quanto ao sujeito passivo do crime de aborto. Parte da doutrina, como Damásio de Jesus, considera o sujeito o feto, porém caso haja aborto sem o consentimento da genitora, haverá sim dupla objetividade jurídica, protegendo tanto a vida da mãe quanto a vida do feto. Para outros autores como Mirabete, o sujeito passivo seria o Estado, pois este teria interesse na vida do nascituro, e não o feto, produto da concepção, já que este não é titular de bens jurídicos, embora a lei civil resguarde os direitos do nascituro. O primeiro pensamento deve ser analisado cautelosamente, visto que ao analisar a Constituição Federal, esta garante ao brasileiro o direito a vida a partir do nascimento e não da concepção. Além do mais, a proteção dos direitos do nascituro está fixados no âmbito do Direito Civil, referindo-se apenas às questões patrimoniais. 
O Direito Penal brasileiro pune de forma severa aqueles que praticam o delito do aborto. Não podia ser diferente, já que este trata do bem maior, que é a vida, inviolável conforme visto anteriormente. Não importa se é intra-uterina ou extra-uterina, se durará 10 dias ou 10 anos, o importante é que há uma vida, que deve ser seguida dignamente, enquanto dure nos ditames naturais.

1.4.3 O aborto como um crime em Kant?

Com já enfatizado, preservar a vida humana é uma lei moral; porque possui necessidade e universalidade. Ao passo que tirar a própria vida ou a vida de outro, não implica na necessidade e muito menos em universalidade. Do aduzido, vimos que pode-se pensar o aborto como a possibilidade de uma ação imoral. Desta forma também poderia pensá-lo como um crime em uma perspectiva kantiana ?
Para tal questionamento farei uso de duas citações da obra Metafísica dos Costumes. A primeira sobre o conceito de pessoas e a segunda sobre o conceito de transgressão intencional.
O conceito de pessoas:
Uma pessoa é um sujeito cujas ações lhe podem ser imputadas. A personalidade moral não é, portanto, mais do que a liberdade de um ser racional submetido a leis morais ( enquanto a personalidade psicológica é meramente a faculdade de estar consciente da própria identidade em distintas condições da própria existência). (MC.2003, pg.66)
O conceito de transgressão intencional.
Um transgressão não intencional que ainda é imputável ao agente é chamada de uma mera culpa ( culpa). Uma transgressão intencional isto é, uma transgressão acompanhada da consciência de ser uma transgressão) é chamada de crime ( dolus). O que de acordo com leis externas é chamado de justo (iustum); o que não é, injusto (iniustum). (MC.2003, pg.67)
A transgressão intencional só pode ser realizada por uma pessoa a qual tem consciência de sua racionalidade e cujas ações lhe podem ser imputadas. Neste caso, partindo do aborto como uma ação imoral contra a vida, visto que conservara a vida é um dever. Nesta perspectiva, poderíamos inferir que o aborto aponta para uma transgressão intencional contra a vida, tendo a possibilidade de ser classificada como crime.

2.  CONCLUSÃO

1ª conclusão:       Preservar a vida humana é uma lei moral; porque possui necessidade e universalidade.
2ª conclusão:        Conseqüentemente o aborto não seria uma ação por dever. Por que o dever é uma ação em respeito à lei moral, que obedece ao mandamento de preservar a vida. O dever contém em si o de boa vontade, portanto se o aborto não sendo uma boa vontade, logo não implica um agir por dever.
3ª conclusão:        O aborto não seria uma ação determinada pelo imperativo categórico, uma vez que o imperativo categórico se constitui por: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (FMC. II § 30, p. 129). Logo, o aborto não se constituiu um imperativo categórico, porque não se pode universalizar a máxima de uma ação contra a vida humana.
4ª conclusão:        Uma transgressão intencional isto é, uma transgressão acompanhada da consciência de ser uma transgressão é chamada de crime.

3.  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BELLINO, Francesco. Fundamento da bioética: aspectos antropológicos, ontológicos e morais. Bauru,SP: Edusc, 1997.300p.
DUTRA, Delamar José Volpato. A teoria discursiva da aplicação do direito: o modelo de Habermas. VERITAS. Porto Alegre v. 51 n. 1 Março 2006 p. 18-41.
DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Trad. Jefferson Luiz Camargo. Rev. téc. Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
KANT, Immanuel. (FMC): Fundamentação da metafísica dos costumes. Pensadores. Trad. de Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
____. (MC): Metafísica dos Costumes. São Paulo. Trad. de Edson Bini. Editora Edipro. 1º Ed, 2003.
LAGENEST, J. P. Barruel de. O Aborto Voluntário. São Paulo: Edições Paulinas, 1983.
MARIA, Garcia. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da responsabilidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
SINGER, Peter. Ética Prática: Trad. Jefferson Luis Camargo. 3º Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
 VI, Paulo. A regulação da Natalidade: documentos pontifícios. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1968.



[1] Na obra (VPM) “Quais são os verdadeiros progressos da metafísica desde os tempos de Leibniz e Wolff ?” a ontologia é descrita como “a ciência que compreende um sistema de todos os conceitos e princípios do entendimento, mas somente na medida de em que abrangem objetos dados pelos sentidos e podem ser, portanto, justificados pela experiência (VPM. p. 260, p53) ou que contêm “os elementos de um conhecimento humano a priori, conceitos e princípios fundamentais” (p.315, p.161)
[2] “O princípio da defesa da vida física sanciona o valor fundamental da vida e sua inviolabilidade, sendo a vida o direito primeiro o e o valor primeiro da pessoa; sem a vida todos os outros valores não poderiam ser expressado e manifestados” BELLINO.1997, pg. 200).
[3] Uma pessoa, por uma série de desgraças, chegou as desespero e sente tédio da vida, mas está ainda bastante em posse da razão para poder perguntar a si mesma se não será talvez contrário ao dever para consigo mesma atentar contra a própria vida. E procura agora saber se máxima de sua ação se poderia tornar em lei universal. A sua máxima, porém, é a seguinte: Por amor de mim mesmo, admito como principio que, se a vida, prolongando-se, me ameaça mais com desgraças do que me promete alegrias, devo encurtá-la. Mas pergunta-se agora se este principio de amor de si mesmo se pode tornar El lei universal da natureza. Vê-se então em breve que uma natureza, cuja lei fosse destruir a vida em virtude do mesmo e, portanto existiria como natureza. Por conseguinte aquela máxima não poderia de forma alguma dar-se como lei universal da natureza, e, portanto é absolutamente contaria ao principio supremo de todo dever. ( FMC, II § 35, p. 130)