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JOHN LOCKE

"todos os homens, que, sendo todos iguais e livres, nenhum deve prejudicar o outro, quanto à vida, à saúde, à liberdade, ao próprio bem". E, para que ninguém empreenda ferir os direitos alheios, a natureza autorizou cada um a proteger e conservar o inocente, reprimindo os que fazem o mal, direito natural de punir"

FRIEDRICH HAYEK

“A liberdade individual é inconciliável com a supremacia de um objetivo único ao qual a sociedade inteira tenha de ser subordinada de uma forma completa e permanente”

DEBATES FILOSÓFICOS

"A filosofia nasce do debate, se não existe a liberdade para o pensar, logo impera a ignorância"

A Filosofia é.....

"Viver sem filosofar é o que se chama ter os olhos fechados sem nunca os haver tentado abrir". Descartes

LIBERDADE

"Liberdade, Igualdade , Fraternidade. Sem isso não há filosofia. Sem isso não há existência digna.

"Nós temos um sistema que cobra cada vez mais impostos de quem trabalha e subsidia cada vez mais quem não trabalha"

LUDWING V. MISES

"O socialismo é a Grande Mentira do século XX. Embora prometesse a prosperidade, a igualdade e a segurança, só proporcionou pobreza, penúria e tirania. A igualdade foi alcançada apenas no sentido de que todos eram iguais em sua penúria"

segunda-feira, 30 de maio de 2016

ÉTICA E VONTADE EM SANTO AGOSTINHO

1. Biográfia

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O último dos antigos e o primeiro dos modernos, santo Agostinho foi o primeiro filósofo a refletir sobre o sentido da história, mas tornou-se acima de tudo o arquiteto do projeto intelectual da Igreja Católica. Aurélio Agostinho, em latim Aurelius Augustinus, nasceu em Tagaste, atualmente Suk Ahras, na Argélia, em 13 de novembro de 354, filho de Patrício, homem pagão e de posses, que no final da vida se converteu, e da cristã Mônica, mais tarde canonizada. Agostinho estudou retórica em Cartago, onde aos 17 anos passou a viver com uma concubina, da qual teve um filho, Adeodato. A leitura do Hortensius, de Cícero, despertou-o para a filosofia. Aderiu, nessa época, ao maniqueísmo, doutrina de que logo se afastou. Em 384 começou a ensinar retórica em Milão, onde conheceu santo Ambrósio, bispo da cidade.
Cada vez mais interessado pelo cristianismo, Agostinho viveu longo conflito interior, voltou-se para o estudo dos filósofos neoplatônicos, renunciou aos prazeres físicos e em 387 foi batizado por santo Ambrósio, junto com o filho Adeodato. Tomado pelo ideal da ascese, decidiu fundar um mosteiro em Tagasta, onde nascera. Nessa época perdeu a mãe e, pouco depois, o filho. Ordenado padre em Hipona (391), pequeno porto do Mediterrâneo, também na atual Argélia, em 395 tornou-se bispo-coadjutor de Hipona, passando a titular com a morte do bispo diocesano Valério. Não tardou para que fundasse uma comunidade ascética nas dependências da catedral.
Em sua vida e em sua obra, santo Agostinho testemunha acontecimentos decisivos da história universal, com o fim do Império Romano e da antiguidade clássica. O poderoso estado que durante meio milênio dominara a Europa estava a esfacelar-se em lutas internas e sob o ataque dos bárbaros. Em 410 santo Agostinho viu a invasão de Roma pelos visigodos e, pouco antes de morrer, presenciou o cerco de Hipona pelo rei dos vândalos, Genserico. Nesse clima, em que os cismas e as heresias eram das poucas coisas a prosperar, ele estudou, ensinou e escreveu suas obras.
Pensamento. As obras mais importantes de santo Agostinho são De Trinitate (Da Trindade), sistematização da teologia e filosofia cristãs, divulgada de 400 a 416 em 15 volumes; De civitate Dei (Da cidade de Deus), divulgada de 413 a 426, em que são discutidas as questões do bem e do mal, da vida espiritual e material, e a teologia da história; Confessiones (Confissões), sua autobiografia, divulgada por volta de 400; e muitos trabalhos de polêmica (contra as heresias de seu tempo), de catequese e de uso didático, além dos sermões e cartas, em que interpreta minuciosamente passagens das Escrituras.
No pensamento de santo Agostinho, o ponto de partida é a defesa dos dogmas (pontos de fé indiscutíveis) do cristianismo, principalmente na luta contra os pagãos, com as armas intelectuais disponíveis que provêm da filosofia helenístico-romana, em especial dos neoplatônicos como Plotino. Para pregar o novo Evangelho, é indispensável conhecer a fundo as Escrituras, que só podem ser bem interpretadas através da fé, pois apenas esta sabe ver ali a revelação de verdades divinas. Compreender para crer e crer para compreender, tal é a regra a seguir.
Baseado em Plotino, santo Agostinho acha que o homem é uma alma que faz uso de um corpo. Até naquele conhecimento que se adquire pelos sentidos, a alma se mantém em atividade e ultrapassa o corpo. Os sentidos só mostram o imediato e particular, enquanto a alma chega ao universal e ao que é de pura compreensão, como os enunciados matemáticos. Mas se não é através dos sentidos, por qual via a alma consegue alcançar as verdades eternas? Será através do sujeito particular e contingente, ou seja, o homem que muda, adoece e morre?
Tudo indica que, se o homem mutável, destrutível, é capaz de atingir verdades eternas, sua razão deve ter algo que vai além dela mesma, não se origina no homem nem no mundo externo, mas em Deus. Portanto, Deus faz parte do pensamento e o supera o tempo todo. Desse modo só pode ser achado e conhecido no fundo de cada um, no percurso que se faz de fora para dentro e das coisas inferiores para as coisas superiores. Ele não pode ser dito ou definido: é o que é, em todos os tempos e em qualquer lugar (é clara, nessa concepção, a influência de Platão, que santo Agostinho assume em vários pontos de sua obra).
Outra contribuição decisiva é sua doutrina sobre a Santíssima Trindade. Para Agostinho a unidade das três pessoas é perfeita: não se podem separar, nem uma se subordina à outra, como defenderam Orígenes e Tertuliano, mas a natureza divina seria anterior ao aparecimento das três pessoas; estas se apresentam como os três modos de se revelar o mistério de Deus. A alma, para santo Agostinho, se confunde com o pensamento, e sua expressão, sua manifestação é o conhecimento: por meio deste a alma -- ou o pensamento -- se ama a si mesma. Assim, o homem recompõe nele próprio o mistério da Trindade e se vê feito à imagem e semelhança de Deus: se ele ama e se conhece dessa maneira, ele conhece e ama a Deus, conseqüentemente mais interior ao ser humano do que este mesmo.
O famoso cogito de Descartes ("Penso, logo existo"), em que a evidência do eu resiste a toda dúvida, é genialmente antecipado por santo Agostinho em seu "Se me engano, sou; quem não é não pode enganar-se". Ele valoriza, pois, a pessoa humana individual até quando erra (o que, neste aspecto, não a torna diferente da que acerta). Talvez por isso dê o mesmo peso à parte humana e à parte divina no que diz respeito à encarnação do Cristo.
A salvação do homem, na teologia agostiniana, é algo completamente imerecido e que depende tão só da graça de Deus; graça que, no entanto, se manifesta aos homens por meio dos sacramentos da igreja visível, católica. Importantes para a salvação, esses sacramentos compreendem todos os símbolos sagrados, como o exorcismo e o incenso, embora a eucaristia e o batismo sejam os principais para ele.
Da mesma forma que concebe a natureza divina, santo Agostinho concebe a criação, idéia pouco tratada pelos gregos e característica dos cristãos. As coisas se originaram em Deus, que a partir do nada as criou. Pois o que muda e se move, o que é relativo e passa ou desaparece requer o imutável e o absoluto, essência do próprio Deus, que criou as coisas segundo modelos eternos como ele mesmo. Assim, o que o platonismo chamava de lugar do céu passa a ser, no pensamento agostiniano, a presença de Deus. Tudo o que existe no mundo foi criado ao mesmo tempo, em estado de germe e de semente. Como estes existem desde o início, a história do mundo evolui continuamente, mas nada de novo se cria. Entre os seres da criação existe uma hierarquia, em que o homem ocupa o segundo lugar, depois dos anjos.
Santo Agostinho afirma-se incapaz de solucionar a questão da origem da alma e, embora tão influenciado por Platão, não acha a matéria por si mesma condenável, assim como não encara como castigo a união da alma com o corpo. Não seria este, como se disse tanto, a prisão da alma: o que faz do homem prisioneiro da matéria é o pecado, do qual deve libertar-se pela vida moral, pelas virtudes cristãs. O pecado leva o corpo a dominar a alma; a religião, porém, é o contrário do pecado, é a dominação do corpo pela alma, que se orienta livremente para Deus, assistida pela graça.
Uma das mais belas concepções de santo Agostinho é a da cidade de Deus. Amando-se uns aos outros no amor a Deus, os cristãos, embora vivam nas cidades temporais, constituem os habitantes da eterna cidade de Deus. Na aparência, ela se confunde com as outras, como o povo cristão com os outros povos, mas o sentido da história e sua razão de ser é a construção da cidade de Deus, em toda parte e todo tempo. A obra de santo Agostinho, em si mesma imensa, de extraordinária riqueza, antecipa, além disso, o cartesianismo e a filosofia da existência; funda a filosofia da história e domina todo o pensamento ocidental até o século XIII, quando dá lugar ao tomismo e à influência aristotélica. Voltando à cena com os teólogos protestantes (Lutero e, sobretudo, Calvino), hoje é um dos alicerces da teologia dialética. Santo Agostinho morreu em Hipona, em 28 de agosto de 430. E nessa data, 28 de agosto, é festejado como doutor da igreja.

2. ÉTICA E VONTADE EM SANTO AGOSTINHO

A teoria da Vontade é uma categoria de extrema originalidade na ética de Santo Agostinho, tendo como parâmetro a obra “O Livre-Arbítrio”, sendo verificada a questão da Vontade em face à liberdade do Sujeito. Destarte, a Vontade é conditio sine qua non do pensamento ético Agostiniano e se reflete na liberdade do sujeito, pois uma vez o ser humano caído por causa do pecado, que é a desassimilação de Deus; pode retornar, frente à fuga das paixões e da acomodação, em busca de sua origem em Deus, o “thelos” – no caso a perfeita ordenação dos seres no Amor.


INTRODUÇÃO

Pg. 02

A idéia de Vontade no pensamento ético de Aurélio Agostinho é uma temática inovadora para a filosofia daquele período (séc. IV d.C.), tendo em vista que os pensadores gregos, sobretudo Sócrates e Platão não haviam desenvolvido reflexões nesta categoria como matéria da ética. Para se compreender a temática anunciada, afirma-se sua gênese no interior do cristianismo neotestamentário e seu desaguar sistemático e científico nas obras do douto doutrinador da era patrística. Conforme Vásquez a ética consiste em “investigar o modo pelo qual a responsabilidade moral se relaciona com a liberdade e com o determinismo a qual nossos atos
estão sujeitos” (VÁSQUEZ, 1997, pg. 8). Deste postulado pode-se entender que o caráter ético é norteado por uma investigação sobre o agir do homem no mundo. Sendo assim, neste trabalho aquilo que parece ser fruto da apriorística, na verdade, resulta de uma observação reflexiva densa no interior da ética agostiniana.  Abeberando-se na eticidade do Bispo de Assim sendo, analisaremos a categoria de vontade no pensamento ético de Agostinho, em sua obra “O Livre-Arbítrio”. A vontade constitui-se enquanto uma inovação do bispo de Hipona naquele período, caracterizando-se como conditio sine qua non do pensamento deste autor. Temática esta que favorece ao indivíduo a opção de escolha de determinadas ações, pois o indivíduo, segundo Agostinho, age de acordo com a sua intenção, este aspecto que será de importante necessidade para a compreensão da eticidade agostiniana. Destarte, o mal e o bem não são essências ontológicas, em que o bem liga-se com a instância “espiritual” e o bem à materialidade, mas, na verdade, todas as coisas são boas – destacandose a influência das sagradas escrituras da tradição judaico-cristã – mas sim somente há o bem, o que qualificaria o mal, na verdade, seria a intenção do ser humano que estaria em desacordo com um querer universal. A vontade do indivíduo sofre por um processo de assimilação com a Vontade Divina, caracterizando esta identidade a beatitude, ou seja, a santidade do ser humano. Desta forma, na beatitude subentende-se o “fazer a vontade de Deus”, de um ser universal, do amor.

1. A INTER-RELAÇÃO ENTRE FÉ E RAZÃO

Pg. 03

A estrutura do pensamento do “Doctor Magnum” fundamenta-se nas Sagradas Escrituras da tradição judaico-cristã, de um modo especial, nas cartas paulinas; de onde se percebe a presença de um Deus onisciente, onipotente, onipresente e, sobretudo, de um Deus amor. Como também, teve certa influência da filosofia em sua estrutura de pensar o absoluto ancorado no Ser de Platão: imutável, eterno, perfeito. Utilizando-se desta para dar sustentáculo à primeira, visando uma sistematização lógica do discurso, a fim de torná-lo compreensível a outrem. Desta forma, percebe-se que Santo Agostinho em suas explicações parte do dado da fé, da revelação, em função de uma sistematização, em sua maior parte para a catequese, mas, também, exigindo-se o caráter apologético.
A partir do dado da fé, o Bispo de Hipona se esforçará para obter um embasamento lógico-racional. Inaugurando o pensamento que irá perpassar por toda a Idade Média, sendo que utiliza as categorias da razão para dar embasamento à fé, visando a fuga de um simples fideísmo, tendo em vista a compreensão da revelação divina (“credo ut intelligam”) e a razão buscando apoiar-se na fé, a fim de que não caia em uma busca pelo absurdo, mas perseguindo um fim desejado (“intelligo ut credam”). Fato este que não ocasiona uma submissão, mas uma inter-relação de formação mútua. O que Agostinho põe em relevo é uma interação entre a fé e a razão. De um lado, para crer é preciso perceber de algum modo que se deve crer e que aquilo que se crê, pelo menos não é absurdo. Para crer, é preciso de algum modo entender aquilo que nos é proposto como objeto de fé:

“entende – minha palavra – para crer”. De outro lado, o mistério da fé não é de modo nenhum para Agostinho o impenetrável e incompreensível, o inassimilável. Uma vez aceito pela fé, podemos procurar analogias que o iluminam e esclarecem de algum modo para nós. Isto quer dizer que, entre a pura aceitação na fé e a visão dos mistérios só acessível na contemplação dos bem-aventurados, podemos adquirir sempre novas luzes na fé que procura compreender: “crê – a palavra de Deus – para entender” (NASCIMENTO, 2004, pg. 17)

Agostinho destaca em seu pensamento ético a importância do autoconhecimento do sujeito, visando o conhecimento com a verdade revelada. Desta forma, como se verá no decorrer, deste capítulo, Agostinho sob a influência platônica e cristã revela a importância subjetiva da pessoa humana, sendo assim, pode-se verificar o caráter ético do pensamento agostiniano em sua célebre declaração nas Confissões:

Todos te consultam sobre o que querem, mas nem todos ouvem sempre o que querem. Servo fiel é aquele que não espera ouvir de ti o que desejaria ouvir, mas antes deseja aquilo que ouve de ti. Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora! Eu, disforme, lançavame sobre as belas formas das tuas criaturas. Estavas comigo, mas eu não estava contigo. Retinham-me longe de ti as tuas criaturas, que não existiriam se em ti não existissem. Tu me chamaste, e teu grito rompeu a minha surdez. (...) Eu te Saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tu me tocaste, e agora estou ardendo no desejo de tua paz. (AGOSTINHO, 2004, pg. 295).

Como no pensamento judaico-cristão também recairá sobre Agostinho o ideal do homem enquanto “imago Dei”, onde O homem viveria para conhecer, amar e servir a Deus, diretamente em seus irmãos. O lema socrático do ‘conhece-te a ti mesmo’ volta à tona, em Santo Agostinho, que agora ensina que ‘Deus nos é mais íntimo que o nosso próprio íntimo’. (VALLS, 1993, pg. 44). O ser humano, na mesma constância que conhece o seu interior, aproxima-se de Deus. Deus é o princípio de todas as coisas, de onde tudo provém e deve retornar. Sendo assim, a especulação sobre Deus, torna-se uma especulação sobre o humano, especulação enquanto essência, sobre o que ele realmente é, enquanto fora criado à “imagem e semelhança” (Gn 1, 26) daquele. A partir da consciência deste ser absoluto ser eterno, imutável, infinito, o Sumo Bem, criador de todas as coisas, o homem passa a conhecer-se em sua subjetividade, enquanto ser criado e que possui sua essência em Deus. Conforme Vaz:

A unidade do homem é pensada não numa perspectiva ontológica, mas soteriológica, e ela se desdobra em três momentos que se articulam como momentos de uma história ou de um itinerário salvífico. Trata-se, pois, da unidade de um desígnio de salvação que da parte de Deus é dom ou oferecimento e da parte do homem é resposta ou aceitação, a recusa do dom implicando justamente a perda da unidade ou a cisão irremediável do seu ser por parte do homem. (Vaz, 1998, pg. 60)

Diferentemente de Sócrates o conhecimento não se situa no fato da inteligibilidade da essência ontológica enquanto tal, mas na verdade um conhecimento enquanto “telos”, ou seja, em vista a salvação que ocorre por meio da beatitude. Não é uma atividade meramente racional, mas, sobretudo, da vontade do ser humano. De acordo com o bispo de Hipona: (...) o Pai, o Filho e o Espírito Santo fazem o homem à imagem do Pai, do Filho e do Espírito Santo, para que assim ele tornasse imagem de Deus. Ora, Deus é Trindade. Mas pelo fato de que não foi feita aquela imagem de Deus como dele nascida, mas foi por ele criada, para mostrar esse sentido, a imagem não é para ser imagem igual, mas se aproximará dele por certa semelhança. Aproximamo-nos, pois, de Deus não mediante intervalos de tempo, mas pela semelhança com Deus, assim como dele nos afastamos pela dessemelhança. (AGOSTINHO, 1994, pg. 257)

2. RELAÇÃO ENTRE ÉTICA E VONTADE

Pg. 04

A fundamentação primeira da ética encontra-se na questão do agir do homem no mundo, desta forma, faz-se necessário uma primeira abordagem a respeito de como se dá o conhecimento, o que em Platão seria por “reminiscência”, aqui o sujeito conhece a partir da “iluminatio Dei”: Deus que se faz presente a fim de que o homem, por meio da razão, passe a ter conhecimento da verdade, esta eterna e imutável. Desta forma, caracteriza-se o homem, enquanto ser racional que busca conhecer, onde a razão não é luz, mas sim, dádiva divina, ou seja, “reflexo da luz”. Deus ilumina o conhecimento humano, a fim de que possa chegar ao conhecimento, contudo, é dever do sujeito cognoscente conhecer-se a si mesmo e, conseqüentemente, chegar ao entendimento da verdade eterna e imutável. Deus é inteligível  e também inteligíveis são as proposições das ciências, porém, diferem em muito. Pois a terra é visível, como também o é a luz; mas a terra não pode ser vista se não for iluminada pela luz. Por isso, as coisas que alguém entende, que são ensinadas nas ciências, sem dúvida alguma ele as admite como verdadeiras, mas deve-se crer que elas não podem ser entendidas se não forem esclarecidas por outro, como que por um sol (AGOSTINHO, 1998, pg.34).
Com essa demonstração, percebe-se a dicotomia platônica entre os seres presentes no pensamento agostiniano, pois as coisas criadas – matéria – não possuem “luz própria”, são imperfeitas, por si só o indivíduo vaga na “escuridão” chegando a recair em paixões, erros e concupiscência. Mas de onde provêm as coisas materiais? Tais coisas materiais são seres criados por Deus, tendo em vista que este “tirou tudo do nada” (AGOSTINHO, 1995, pg. 29). Desta forma, pode-se notar que a criatura é causada pela ação do Ser no não-Ser, no caso o nada; fator este que explica o seu caráter mutável, um devir existente na matéria que gera a imperfeição, pois a matéria nunca é Ser. De acordo com Gilson:

As criaturas, ao contrário, só existem por ele, mas não são dele. Se fossem dele, elas seriam idênticas a ele, ou seja, não mais seriam criatura. A origem delas, sabemos, é totalmente outra. Criadas, elas foram tiradas do nada por ele. Ora, o que vem do nada não participa somente do ser, mas do não ser. Logo, nas criaturas há um tipo de falta original que, por sua vez, engendra a necessidade de adquirir e, conseqüentemente, de mudar. (GILSON, 2006, pg. 272).

Enquanto objeto criado, contudo, a matéria deve ser utilizada como meio de descobrimento do Ser, em descobrir a essência, pois ela é “iluminada”. O homem, por meio do contato com o plano material, deve ascender para um plano supra-sensível, ou seja, não pode se deter simplesmente no conhecimento sensível, pois o mesmo não traz uma verdade segura e confiável devido à sua multiplicidade, desta forma, tal conhecimento é marcado pela efemeridade. Mas a busca deve ser incessante por causas que se encontram além dos sentidos,
ou seja, no plano da metafísica – a priori do contato com a matéria – trazendo para o sujeito
Cognoscível um conhecimento seguro e universal – uno. Todo aquele que reflete sobre a verdadeira noção da unidade constata que ela não pode ser captada pelos sentidos corporais. Porque todo objeto atingido por um de nossos sentidos, seja ele qual for, não é constituído pela unidade, mas sim pela pluralidade que o forma. Com efeito, por ser um corpo, por aí mesmo, possui inúmeras partes (AGOSTINHO, 1995, pg. 102). Para tanto, o ser humano, em sua plenitude, deve estar subordinado à sua razão diferentemente dos demais sentidos, tais como a visão e audição que são capazes de perceber apenas os aspectos formais do objeto, garantindo ao sujeito o conhecimento de uma representação deste, tendo em vista que a razão conhece tudo, inclusive a si mesma, conforme se percebe em Agostinho: “Creio ser também evidente que esse sentido interior não somente sente as impressões que recebe dos cinco sentidos externos, mas percebe igualmente os mesmos sentidos” (AGOSTINHO, 1995, pg. 87).
A questão da vontade entrelaça-se neste ponto, pois o sujeito da ação necessita conhecer para saber se ele, de fato, quer agir de determinada maneira, ou seja, ele deve chegar a um conhecimento confiável, assim como fora visto no pensamento socrático e platônico a  fim de que o mesmo possa agir, sendo que em Agostinho o sujeito deve ser consciente da ação e manifestar a sua vontade diante dos objetos. Deste modo, o indivíduo deve focar seu entendimento no que transcende a materialidade e a multiplicidade dos objetos sensíveis, caso contrário, a sua vontade será determinada como múltipla e efêmera. O sujeito deve possuir uma vontade que transcenda estas postas, que o faça buscar uma unidade e universalidade do conhecimento e, conseqüentemente, do seu agir. Para compreensão da categoria de vontade, faz-se necessário o entendimento a respeito da temática da liberdade em Agostinho, pois uma sugere a outra. Só é possível falar em vontade, querer, caso haja a instância da liberdade do sujeito, caso contrário, ocorreria um querer direcionado não prevalecendo o querer do sujeito a respeito de suas escolhas particulares. Neste ponto a ética agostiniana se diverge da ética intelectiva socrático-platônica, pois conforme Reale:


A liberdade é própria da vontade, não da razão, no sentido em que a entendiam os gregos. E assim se resolve o antigo paradoxo socrático de que é impossível conhecer o bem e fazer o mal. A razão pode conhecer o bem e a vontade pode rejeitá-lo, porque, embora pertencendo ao espírito humano, a vontade é uma faculdade diferente da razão, tendo uma autonomia própria em relação à razão, embora seja a ela ligada. A razão conhece e a vontade escolhe, podendo escolher inclusive o irracional, ou seja, aquilo que não está em conformidade com a reta razão (REALE, 1990, pg. 457).


 3. VONTADE E LIBERDADE CONDIÇÕES DA ÉTICA EM AGOSTINHO

Pg. 05

Abordando a temática da liberdade é necessário uma introspecção a respeito do livre arbítrio, ou seja, da liberdade de escolha das ações, sejam boas ou más. Desta forma, abordando estas temáticas, elas servirão para compreensão do motivo que a vontade desaguar no campo da ética agostiniana. Desta forma, faz-se necessária a abordagem por meio dos juízos de valores, tais como dizer se algo é bom ou ruim. Os juízos não dependem única e exclusivamente da matéria, mas sim da vontade do sujeito, da intenção que o ser humano possui naquele determinado fato, se caso ele está sendo guiado por uma má ou boa vontade, tendo em vista que esta influenciará na ação do sujeito criando uma relação existente entre conhecimento-vontade-agir, onde ambos devem estar concatenados para se visar um bem, caso contrário nem mesmo se a ação for garantida como boa pelo conhecimento, se ela não houver o querer do ser humano, tal ação não será bem realizada, conforme enfatiza Agostinho:  “Contra a vontade ninguém procede bem, ainda que a ação em si mesma seja boa” (AGOSTINHO, 1984, pg. 31). A problemática, desta forma, diferentemente do pensamento maniqueísta, toma um outro viés: a matéria não é presença do mal mas sim a intenção que o homem possui diante de tal matéria. De acordo com Vaz: A influência neoplatônica se fará sentir, sobretudo, na elaboração agostiniana do tema da estrutura do “homem interior” coroada pela mens (equivalente ao noûs da antropologia neoplatônica) e na qual Deus está presente como interior e superior (VAZ, 1998, pg. 64).
A instância do agir humano deve partir no íntimo de cada ser, sendo que ele deve ser consciente de tal ação e não desenvolvê-la pelo simples hábito ou conveniência, cada ação deve ser ato intencional e fruto da vontade do próprio sujeito. Em suma, “(...) lei do pecado é
a violência do hábito pela qual mesmo a alma, mesmo contrafeita, é arrastada e presa, porém merecidamente, porque se deixa livremente escorregar” (Agostinho, 1984, pg. 212). Tanto o hábito quanto a má vontade são reflexos pecaminosos, pois não analisam o objeto pelo que ele
é, mas já visando o objeto com inclinação:

Se o sistema agostiniano de idéias avalia hábitos (consuetudo) como sendo fatores consistentemente negativos na vida humana, já que são a fonte de obstáculos a superar na busca por Deus, por que as convenções seriam diferentes? As convenções podem ser ainda mais perniciosas; formam hábitos, outorgando-lhes legitimidade social, e não deveriam ser necessariamente acatadas. Na melhor das hipóteses, as convenções suprem as condições para a formação de signos e são basicamente os pontos de partida da comunicação humana. A totalidade do significado tem que ser algo completamente diferente das convenções e, no entanto, se as convenções formam signos lingüísticos é porque seu ser formado possui uma forma prévia e antecedente. (NEIVA, 2009, pg.192)


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Sendo que a boa vontade caracteriza-se pelo desejo de assimilação com o Ser, que é uno, tal é o ato de beatitude, que visa não uma felicidade efêmera e passageira, mas sim a verdadeira felicidade, esta caracterizada pela perfeita ordem existente entre os seres. Destarte, tal querer tem que se transparecer por meio da práxis, não adiantando no pensamento ético agostiniano o ato deliberativo da vontade do sujeito, sem a existência da capacidade de escolha. Em suma, segundo Agostinho: É a vontade pela qual desejamos viver com retidão e honestidade, para atingirmos o cume da sabedoria. Considera agora, se não desejas levar uma vida reta e honesta, ou se não queres ardentemente te tornar sábio (AGOSTINHO, 1995, pg. 56). Já a má vontade está associada aos prazeres ligados à matéria, pois estes desembocam no vício e nas paixões, desta forma, não dando liberdade ao indivíduo para que o mesmo seja livre em suas escolhas, pois a “libido” direciona o agir do sujeito, um agir sempre condicionado não permitindo que ele se encontre na ação visando a beatitude – a vida feliz – mas, tão somente o benefício próprio. Tal processo é reconhecido pela desassimilação, em que o sujeito de ação torna-se cada vez mais divergente de sua essência, no caso Deus, diferenciando-se do princípio ordenador, criando uma dificuldade na relação dos seres. Tão logo isso ocorre quando se dá o mau uso da matéria, quando o seu conhecimento estende-se apenas ao plano sensível. Conforme Gilson:

Transgressão à lei divina, o pecado original teve por conseqüência a rebelião do corpo contra a alma, de onde vêm a concupiscência e a ignorância. A alma foi criada por Deus para reger seu corpo, mas eis que é, ao contrário, regida por ele. Voltada desde então para a matéria, ela se farta com o sensível e, como é de si mesma que se extrai as sensações e as imagens, esgota-se com fornecê-las (GILSON, 1995, pg.
154)


Desta forma, com o conhecimento das para que o Homem possa realizar boas ações deve passar a conhecer. O conhecimento ocorre por meio da instrução, a fim de que se possa despertar “em nós a ciência” (AGOSTINHO, 1995, pg. 26) – ou seja, a sabedoria; que é boa. Sendo assim, tanto o conhecimento quanto a instrução são bons por visarem o que os transcende. Conforme Gilson, “Conhecer é apreender pelo pensamento um objeto que não muda e que sua própria estabilidade permite manter sob o olhar do espírito” (GILSON, 2001,
pg. 146). O objeto do conhecimento é o bem, a chegada neste objetivo só ocorre por meio de
uma ascese do sujeito que acontece por utilização de uma correta instrução, tendo por finalidade a de educar a inteligência humana para tal busca, tornando-se, desta forma, algo incessante. Contudo, a carência, a deficiência no ato de instruir possibilita o sujeito à propensão ao mal agir; como também, a instrução depende diretamente da capacidade humana
do uso da inteligência, que é dádiva divina e deve estar em constante ascese. se toda a inteligência é boa, e quem não usa da inteligência não aprende, segue-se que todo aquele que aprende procede bem. Com efeito, todo aquele que aprende usa da inteligência e todo aquele que usa da inteligência procede bem. Assim, procurar o autor de nossa instrução, sem dúvida, é procurar o autor de nossas boas ações
(Ibidem, pg. 27).
A necessidade de abordagem das supracitadas correntes temáticas ocorre pelo fato da liberdade humana, como também a vontade, utilizando-se do livre-arbítrio, ser uma categoria da ética. A vontade que pouco embasamento possuiu na eticidade platônica. Portanto, requer uma análise a respeito da historicidade da problemática levantada: o aparecimento e desenvolvimento da discussão a respeito da ética, afim de que se compreenda como se deu dentro das estruturas de pensamento platônicas, para se chegar ao entendimento do conceito de vontade na perspectiva ética agostiniana. Sendo assim, a análise presente toma as correntes filosóficas com seus determinados representantes supracitados obedecendo à cronologia dos pensadores. O “Grande Doutor” procura, em sua obra intitulada “De Libero Arbítrio”, discutir
acerca de temas como: a liberdade humana e o mal. Sendo que, acaba por gerar um tratado sobre a ética cristã. Nesta obra, Agostinho procura, primeiramente, saber em que contexto a palavra “mal” é utilizada, o que designa para que, posteriormente, possa-se discutir sobre a possibilidade, ou não, de existência do mal. Segundo o Bispo de Hipona, o mal revela-se como uma ação que é praticada e/ou sofrida. Certamente, pois o mal não poderia ser cometido sem ter algum autor. Mas caso me perguntes quem seja o autor, não o poderia dizer. Com efeito, não existe um único e só um autor. Pois cada pessoa que ao cometê-lo é o autor de sua má ação. Se duvidas, reflete no que já dissemos acima: as más ações são punidas pela justiça de Deus. Ora, elas não seriam punidas em justiça, se não praticadas de modo voluntário (AGOSTINHO, 1995, pg. 25).

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Neste ponto percebe-se onde se diverge o pensamento agostiniano da gnose maniquéia, enquanto esta visava que mal e o bem seriam entidades ontológicas e que o ser humano não teria responsabilidade por seus atos, pois estes seriam por determinação de tais entidade; sendo que o bem relaciona-se com a parte imaterial e o mal com a matéria. Já Agostinho vem divergir desta teoria na medida em que mostra que o mal, enquanto entidade ontológica não existe, mas sim é uma escolha individual que está em desacordo com uma ordem universal; sendo que para prática desta lei, não requer somente a capacidade intelectual do sujeito, mas também faz-se necessária a categoria de vontade. O ser humano é ser de ação, ser de escolhas, cabe a ele saber agir de modo consciente. Como supracitado, Deus não é o autor do mal, nem tampouco, há um único autor para determinada ação; pois cada pessoa, que utiliza-se do seu livre-arbítrio, enquanto sendo responsável pela sua própria ação, pode optar pala escolha de boas ou más ações. Tal ação, para que o ser humano seja responsável pela mesma, deve ser realizada de forma autônoma e voluntária: livre de inclinações; que é o contrário das más ações, pois, estas são determinações, limitações do sujeito. Sendo assim, veremos que seria errôneo das demais pessoas fazerem julgamentos de um determinado ato, pois seria parcial, limitado. Somente Deus, em sua justiça, conhece os verdadeiros interesses, as motivações do sujeito, nem mesmo o próprio sabe ao certo quais foram suas verdadeiras inclinações que o incentivaram a realizar tal ato. Conforme Agostinho, (...) muitas ações que aos homens pareciam reprováveis, na realidade são aprovadas por ti, enquanto outras que os homens elogiam, tu as condenas. De fato, sucede muitas vezes que a aparência de um ato não corresponde à intenção de quem o pratica ou às circunstâncias desconhecidas no momento (AGOSTINHO, 1984, pg. 77).
A primeira ação do ser humano é, enquanto ser livre, a “busca pela verdade” (AGOSTINHO, 1995, pg. 28): a busca pelo autor das boas ações. Sendo que enquanto o Homem não se decide por esta busca, o mesmo continua aprisionado à limitação dos objetos sensíveis, desta forma, não podendo chegar à uma ascese do conhecimento.  Com essa breve explanação, o Bispo de Hipona irá buscar compreender a origem do mal. Importante ressaltar que, sempre quando Agostinho trata sobre o mal, toma como referencial uma ação. O conceito de maldade e/ou bondade não pode ser derivado de julgamentos humanos, porque, de acordo com que foi supracitado, somente Deus conhece o ser humano plenamente e sabe de nossas inclinações: o julgamento do ser humano é movido pela paixão. O agir mal está ligado quando o sujeito faz com que a paixão domine a razão, desta forma, o Homem não será livre na escolha de tal ação. O realizador do ato não identifica-se, não se vê em sua ação, pois age de forma involuntariamente ordenada. Evódio, desta forma, nos transmite com clareza este pensamento: “As ações más unicamente são más por casa da paixão que são praticadas, isto é, por desejo culpável” (AGOSTINHO, 1995, pg. 34).
Tendo em vista que as paixões limitam e controlam a vontade do ser humano, pois impossibilita o encontro com a verdade: a primeira busca. Limitando-se, somente, ao plano dos objetos materiais, que são imperfeitos e mutáveis; sendo assim, não nos garantem a certeza. Com isso, vemos que a concupiscência e o medo estão diretamente ligados a estes objetos materiais, detendo-se apenas nestes, quando o verdadeiro objetivo deve ser a busca pela verdade. Mas quando o Homem age de forma imediatista, visando apenas o prazer momentâneo, permite que a paixão domine sobre a razão: ato de desumanizar-se, negação da Santo Agostinho trata a respeito da lei da consciência, mas tal le só pode ser validada quando o sujeito humano está livre das inclinações ocasionadas pelas paixões, caso contrário, tal lei não terá relevância em seu existir. Somente livres que possuímos plena consciência de nossas ações: “lei da consciência: “não fazer aos outros o que não queremos que os outros nos façam”.” (AGOSTINHO, 1984, pg. 40) própria humanidade.
 Desta forma, passa a ser distinguido dos homens bons, como diz Agostinho: (...) os bons o desejam renunciando ao amor daquelas coisas que não se podem possuir sem perigo de perdê-las. Os maus, ao contrário, desejam uma vida sem temor, para gozar plena e seguramente de tais coisas, e para isso esforçam-se de qualquer modo para afastar todos os obstáculos que o impeçam. Levam então uma vida criminosa e perversa – vida que deveria antes ser chamada de morte (Ibidem) A única forma de nos libertarmos deste aprisionamento é pela sabedoria, pois visa o que está além dos objetos materiais: a verdade; por isso que ela liberta, liberta de todas as paixões, inclinações, afim de que se possa chegar plenamente à liberdade. A espécie humana é mutável e sujeita ao fluxo do tempo: “(...) na lei temporal dos homens nada existe de justo e legítimo que não tenha sido tirado da lei eterna” (AGOSTINHO, 1995, pg. 41). Sendo assim, também se tornam mutáveis suas leis, paixões, pensamentos; ambos agem de acordo com a necessidade vigente, de acordo com as circunstâncias do tempo. Sendo assim, devemos buscar uma “razão suprema de tudo” (AGOSTINHO, 1995, pg. 41), de onde se derivam as leis humanas.
Tal razão ordena todas as coisas a fim de que tudo sirva para a compreensão do ser humano. O exercício da boa vontade implica na vivência das quatro virtudes  cardeais, no caso: prudência, fortaleza, temperança e justiça. Sendo que no bispo de Hipona tais virtudes também são acompanhadas das teologais, a saber: fé, esperança e amor; sobretudo o amor. O homem virtuoso deve ser aquele que ama as coisas que devem ser amadas, não os que se atentam aos vícios e à concupiscência desencadeada pela matéria. Segundo Agostinho: (...) se o amor daquelas realidades o tornava inconstante, fortificar-se-á por esse amor ao Ser que sempre é. E caso se desesperar amando coisas passageiras, firmarse-á amando o Ser que é permanente. Fixar-se-á e obterá aquele mesmo Ser que desejava quando temia deixar de existir e não podia se fixar, arrastado pelo amor das coisas fugazes. (AGOSTINHO, 1995, pg. 173)

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O verdadeiro amor não se encontra nas coisas sensíveis e mutáveis, mas encontra-se na eternidade, lugar também onde o ser humano é livre. Pois a matéria por seu aspecto corruptível gera paixões no ser humano, o condicionando para as paixões e o não prevalecimento de sua vontade. A vontade sofre dependência do conhecimento, como já fora dito, como também só se pode amar o que se conhece. Portanto, este conhecimento não deve  O termo “virtude” na linguagem latina ganha uma outra conotação, pois no grego, ela era a “areté”, elemento natural constituído no homem, já na linguagem latina, tal palavra designa de “virtus” que, por sua vez, possui raiz na palavra “vir”, que significa homem. Destarte, a virtude aqui empregada terá uma significância de força, atitude própria do humano, pois é o único ser que faz uso da razão. Permanecer somente no campo da “doxa” – como já falou Platão – mas sim, no plano do entendimento epistemológico, um conhecimento verdadeiro e seguro, a fim de que o ser humano possa da mesma forma que conhece, amar e querer algo que seja universal. Caso contrário, ocorreria a alienação do querer humano, condicionado pelas coisas materiais, conforme Gilson:  

De fato, o amor do homem jamais repousa; o que produz pode ser bom ou mau, mas sempre produz algo. Crimes, adultérios, homicídios, luxúrias, é o amor que causa tudo isso, bem como os atos de caridade pura e heroísmo. Tanto no bem como no mal sua fecundidade, e é, para o homem que ele conduz, uma fonte inesgotável de movimento (...) O problema necessário se coloca não é, portanto, saber se é necessário amar, mas o que é necessário amar (GILSON, 2006, pg. 258).

A vontade, desta forma, caracteriza-se como conditio sine qua non do pensamento ético agostiniano, contudo, não é algo que está fora do indivíduo, tendo em vista que ele a encontra no conhecimento de seu Ser, ou melhor, a vontade é algo íntimo ao sujeito da ação. Por meio do contato com o divino e Sua vontade, o homem livre percebe e conjuga o seu querer particular com uma vontade universal, o ser humano não nega a sua, mas faz sua a vontade de Deus. A razão ética da vontade encontra-se no ato racional do indivíduo compreender e aceitar que tal agir é o que deve ser feito. Conforme Bento XVI: A história de amor entre Deus e o ser humano consiste, precisamente, no fato de que essa comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e de sentimento e, assim, o nosso querer e a vontade de Deus coincidem cada vez mais: a vontade de Deus deixa de ser, para mim, uma vontade estranha que me impõe de fora os mandamentos, mas é a minha própria vontade, baseada na experiência de que realmente Deus é mais íntimo a mim mesmo de quanto o seja eu próprio. (BENTO XVI, 2006, pg. 32).
Por meio de assimilação de vontade (homem - Deus) é que o ser humano encontra a verdadeira paz, pois o mesmo encontra a “ordo amoris”, ou seja, o fim último desejado pelo homem depende de seu reto agir, que ocorre por meio de sua consciência moral. Onde depende do ser humano, mas não única e exclusivamente, pois o homem é dependente da ação
salvífica de Deus que ocorre por meio da Graça; a fim de que o homem auxilie o homem decaído pelo pecado a se configurar plenamente com o Ser-Uno, ou seja, o Sumo Bem. Logo, não te entristeças, mas ao contrário te alegres e muito, pelo fato de que prefiras existir, mesmo infeliz, deixar de ser infeliz, por não mais existires. Com efeito, se a partir desse "querer-ser" inicial cresces, mais e mais, no amor ao ser, elevarás o templo de tua alma em direção ao Ser supremo. Assim, tu te preservarás de toda queda, pela qual passam à não existência os seres inferiores, os quais existem apenas para voltar ao nada, levando em sua ruína as forças e o ser de quem ama tais coisas. (AGOSTINHO, 1995, pg. 173)


CONCLUSÃO

A Vontade é elemento essencial para a compreensão da ética, de acordo com Agostinho uma “livre determinação” (AGOSTINHO, 1984, pg. 173) do sujeito. Destarte, com a referida categoria, Agostinho vem postar que o agir ético do homem reside em sua intenção perante o objeto ou fato. Os objetos criados são bons, tendo em vista que em sua essência trazem este aspecto, contudo, a noção de efemeridade permanece nele, pois ele é material, ou seja, relação do ser no não-ser. Em suma, os objetos em si devem contribuir para a ascese do Indivíduo para o seu fim último. O que vem gerar os juízos de valores, ou seja, se algo (ação ou objeto) é boa ou ruim dirige-se ao enlace das intenção que o ser humano possui diante de tal, melhor dizendo, depende de sua vontade. Caso seja uma má vontade, passa a amar as coisas efêmeras, tal amor que gera os vícios e paixões, pois estas não trazem uma verdade universalmente válida; portanto, anula-se o aspecto da liberdade do ser humano. Já a boa vontade é quando a pessoa passa a “amar o que deve ser amado”; nesta instância o amor é visto em seu ápice, pois aqui o ser humano aparece livre, livre do aprisionamento material e, portanto, é capaz de determinar livremente o seu querer associando-o a um querer universal, não ocorrendo aqui uma anulação, mas uma concatenação.
 Desta forma, fazendo-se necessária a abordagem do conhecimento e da  vontade, em suma o homem deve saber e ter consciência diante de tal possibilidade de ação. Tal processo é o de assimilação, em que o ser humano converge para suas origens enquanto humano – “imago Dei” – para sua essência, no caso Deus, visando um “Telos”. Desta forma, esta temática até hoje se mostra atual em nossa sociedade, pois diante de tanta miséria e desolação da sociedade onde o homem corrompe e se “apropria” do outro. Em busca de vanglórias o ser humano desvia-se de seu verdadeiro caminho, pois busca satisfazer-se apenas a si próprio, deixando de lado a sociedade em que está inserido. O homem é ser de ação e deve possuir consciência de seus atos, portanto se possui esta categoria então há a responsabilidade perante tais fatos, não direcioná-los a esferas metafísicas (o que seria muito adequado às esferas humanas, pois acusaria uma não responsabilidade).
Somente por meio da conversão autêntica que o humano pode voltar-se ao Ser, este UNO, eterno e imutável, não sujeitando-se, porém, à pluralidade da matéria. Por meio desta conversão que o ser humano pode assimilar-se a Deus, assimilação esta que é necessária desde a “queda” gerada pelo pecado por causa da má vontade humana. Tal processo de assimilação vem caracterizar não somente uma categoria do humano em sua pluralidade, mas
a ação desta pluralidade na Unidade em Deus. Tal processo do ser humano deve acontecer por meio do amor, ou seja, deve “estar” no amor, sendo assim, enquanto humano que sabe que ama e o que ama, busca o bem comum para todos da “pólis”, um bem comum que se concretiza na “felicidade”, ou seja, o perfeito ordenamento das coisas. Em suma, o humano quer o que deve querer e amar o que deve ser amado, desta forma o homem deve transcender, em função de chegar ao reto agir.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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________________. Confissões. Tradução de Maria Luíza Jardim Amarante. 17ª ed. São Paulo: Paulus, 1984.
________________.Solilóquios. Tradução de Adaury Fiorotti. São Paulo: Paulus, 1998 BENTO XVI, Papa. Deus Caritas Est. São Paulo: Paulinas, 2006.
GILSON, Etienne. A filosofia na Idade Média. Tradução de Eduardo Brandão. 1ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
______________. Introdução ao estudo de Santo Agostinho. Tradução de Cristiane Negreiros Abbud Ayoub. São Paulo: Discurso, 2006.
NASCIMENTO, Carlos Arthur. O que é filosofia medieval. São Paulo: Brasiliense, 2004. NEIVA, Eduardo. Vontade e contrato social em Agostinho. 2006. Fonte Disponível em: http://74.125.47.132/search?q=cache:ITn2DooGXFcJ:publique.rdc.pucrio.br/revistaalceu/media/alceu_n12_Neiva.pdf+vontade+e+contrato&cd=4&hl=ptBR&ct=clnk&gl=br Acesso em 01 de junho de 2009.
REALE, Giovanni; DARIO, Antiseri. História da Filosofia: Antigüidade e Idade Média. São
Paulo: Paulus, 1990.
VALLS, M. L. Álvaro. O que é ética. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1993.
VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. Tradução de João Dell’Anna. 17ª ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1997.

VAZ, Henrique C. de Lima. Antropologia Filosófica I. 4ª ed. São Paulo: Loyola, 1998.

sábado, 28 de maio de 2016

AGOSTINHO DE HIPONA: A NATUREZA DO BEM


          
Um dos grandes questionamentos do ser humano diante da existência é compreender a si e o cosmo. Desde os pré-socráticos até ao início da modernidade  tal compreensão   se deu  através da “filosofia essencialista ”; que  terá por base a metafísica , que por sua vez buscará as causas primeiras para a compreensão do ser e conseqüentemente do cosmo. Através do método essencialista buscou-se compreender “O Ser ” fazendo a pergunta: “o que é o ser”?  O que é a natureza, qual é a essências das coisas que estão no mundo? Ainda dentro do contexto filosófico essencialista surge à doutrina do “Maniqueísmo ”. O maniqueísmo  desenvolve uma doutrina  simplista de mundo. Em que o mundo é visto numa visão dualista radical. 
           Segundo a qual o mundo está dividido em duas forças: o Bem [luz] e o Mal [trevas] como entidades antagônicas e perpétuas. No sistema maniqueísta o bem e o  mal não são figuras retóricas, são representações  ontológicas e  concretas do Bem e do Mal.  Agostinho de Hipóna contemporâneo da doutrina maniqueísta na obra o “Livre Arbítrio”  desenvolve um tratado de identificação sobre a  causa  do  bem e do mal buscando compreender;  o que é o bem e o que é mal.     Agostinho enfatiza, em que sentido uma coisa se pode  ser  “BOA”;  e  de onde vem o “MAL”?.   O bem é o mal estão impressos nas coisas?  Ou se encontram apenas no intelecto humano, como meros conceitos hermenêuticos da linguagem?.  Hoje há idéia de que o bem e o mal são relativos. Mas, a angustiosa presença do mal no mundo “físico, moral e existencial” nos mostra  que a questão  está longe de ser resolvida.
Agostinho afirma na obra “A Natureza do Bem”: “(...) que  toda a natureza é BOA) . Desta forma  para algo ser bom é necessário antes de tudo existir.  Assim para algo ser bom é necessário antes  de tudo ser; pois do não ser, não há nada que seja bom  . Agostinho traz uma mudança a respeito do conceito de  “BEM e MAL”. Nesta concepção Agostinho desconstrói  o conceito  de  mal ontológico. Para Agostinho  o homem é autor de sua conduta;  e é responsável  por ela. O  “Mal” é  conseqüência  antropológica do mau uso do  livre-arbítrio. [Assim Deus é o criador de todas as coisas boas. Por isso, não pode criar o mal que é  oposto a sua essência].  E o mal  não é nada de positivo, mas a  privação do bem. Por isso;  é pelo livre-arbítrio da vontade que o homem se aproxima do “BEM” [que é Deus] é também pelo livre-arbítrio da vontade que ele se afasta, tendo assim a mal,  como ausência do bem.]
Para Agostinho, o mal não é propriamente uma natureza, mas a corrupção dela. Uma natureza má seria uma natureza corrompida, mas não seria má enquanto  natureza, e sim naquilo que o degenerou; porque o mal é sempre inerente ao sujeito.  Com afirmação    da premissa maior “(...)de que toda a natureza é boa”. Além de apresentar um otimismo [cristão] ontológico,  Agostinho se opõe  definitivamente ao maniqueísmo, que demonizava a matéria  e fazia do homem um ser dualístico em permanente crise; odiando o próprio corpo, como um cárcere privado da alma.  Agostinho resgata a natureza literalmente como algo “BOM”.   Através da premissa de que toda a “Natureza é Boa em si mesma”; Agostinho  atribui  o conceito de “BOM” para esfera da “antropologia”  que representa o homem; e para esfera da “Cosmologia” que representa  o mundo/natureza. 
Na esfera da cosmologia; a astronomia mostrou-se como um elemento fundamental para a premissa de Agostinho; “(...) de que toda a natureza é boa”. Pois a través da astronomia Agostinho observou os movimentos perfeito das estrelas; a ordem do universo, e a perfeita harmonia das suas estruturas matemáticas. Em face disso, não era possível a existência do princípio dualista de “bem e mal” como atribuía a doutrina maniqueísta. Se o universo expressava a estrutura das formas matemáticas regulares, harmoniosas e possíveis de cálculo; onde achar os efeitos do mal na natureza [criação do mundo?].  As estruturas básicas presentes na natureza [criação do mundo] são boas; foi o que Agostinho aprendeu com a Astronomia. Usava-se dessa mesma maneira, a idéia grega pitagórica do cosmos. E os princípios da forma e da harmonia expressos na matemática. A harmonia cósmica da natureza foi elemento determinante na sistematização teológica e filosófica de Agostinho. Segundo Paul Tillich, o abandono do maniqueísmo por Agostinho, foi decorrente da sua visão de natureza, influenciado sobre tudo pela astronomia.  
Desta forma, Agostinho supera o dualismo e a negatividade do Oriente. Assim, a separação de Agostinho da filosofia maniqueísta não foi apenas um evento simbólico. Significava a libertação da ciência natural moderna, da matemática e da tecnologia, do pessimismo dualista e da negação da realidade na Ásia. Esse fato foi muito importante para o futuro da Europa. Os filósofos e teólogos agostinianos, do último período da Idade Média, deram sempre ênfase à matemática e à astronomia. A ciência natural moderna nasceu como o platonismo e o agostinianismo, na base da crença do cosmos harmonioso, determinado por regras matemáticas . 
Já na esfera da antropologia “BOA” Agostinho resgata as origens estabelecidas na tradição judaico-cristã que, desde os primórdios da civilização, havia reservado ao homem um lugar destacado na obra da criação, colocando-o acima dos demais seres vivos. Desse contexto é possível afirmar que a visão harmoniosa do universo e da natureza trazida pelos antigos e preservada pelos medievais evidencia a importância de que a matemática aliada às formas geométricas teve na composição estética do mundo, como algo estritamente bom. Certamente a teologia se beneficiou dessa visão positiva da natureza não apenas para assegurar a sua beleza, mas para sustentar a bondade e a perfeição da natureza [do Criador]. Portanto, a relação homem e natureza no conceito de Agostinho proporcionam uma analise da atualidade para os dilemas ambientais contemporâneos.
 A natureza para Agostinho e conseqüentemente para o homem medieval representava antes de tudo a personificação do bem [a obra do Criador] e a  manifestação estética da beleza [de Deus]. Devendo ser vista primeiramente como objeto de contemplação  do que propriamente algo a ser transformado pela ação humana. A natureza ou cosmos já era desde a antiguidade grega contemplada em sua forma harmoniosa, porém, muito mais pelo olhar das formas geométricas e matemáticas; do que teológica . Nesse contexto, o homem mantinha do ponto de vista utilitário uma postura de indiferença para com a natureza. Ele se sustentava dela, fazendo-se da mesma parte integral .  Mas, a transição da Idade Média para a Idade Moderna alterou significativamente a maneira de o homem relacionar-se com a natureza . Desta forma, a dimensão ecológica já não faz parte integrante do homem e a natureza começa a ser agredia e destruída. O que implica, portanto em um ato contra a natureza [criação]. 
O homem moderno aspira um sentimento de ser superior relação à criação, em que a mesma se tornou apenas objeto do antropocêntrico, que tem  como única finalidade servir apenas os caprichos egoístas do homem. Essa proposição pode ser legitimada quando se analisa o conceito de natureza através da história principalmente depois dos  tempos modernos   com  a  Revolução Industrial.  A qual contribuiu para o advento exacerbado do “Capitalismo Selvagem” do “Consumismo” e da  “Exploração dos Recursos Naturais”  para suprir o desejo consumista. Trouxe conseqüência terrível causadas pela a industrialização  e a tecnologia sobre a natureza. 
O progresso técnico da civilização mecanicista acelerou e intensificou a devastação cada vez maior da natureza. A produção desenfreada; o consumismo compulsivo, e os impactos sobre a natureza [criação] passaram ameaçar o equilíbrio; da vida ; contribuindo assim para os efeitos negativos como chuvas acidam; efeitos estufas, morte dos oceanos, contaminação dos alimentos e poluição, do ar, etc. Segundo  Friedrich Engels: “O homem está como parte da  natureza e não como dono; não pode  dominar a natureza  como um conquistador de  um povo estrangeiro, como alguém  situado fora da natureza; mas sim que  pertence, como nossa carne, nosso sangue, nosso celebro” .
  Segundo Jeam Luand  “O mundo contemporâneo é prodigo em exemplos que parecem corroborar a visão niilista” , pois hoje assistimos  ao formidável  espetáculo tanto no “âmbito privado ou publico”  em que entram em  choque com as  vontades desgovernadas, sem parâmetro de bem e de Mal” .  Mas para G.Reale: os valores de bem e de mal destituídos pelo niilismo; “São  justamente  os grandes  valores  que  nas eras antigas, medieval  e primórdios  da modernidade eram pontos  de referência essenciais;  e, em ampla medida, irrenunciáveis  para a vida social”  .
Segundo Leonardo Boff o sintonia mais doloroso já  constado há décadas por sérios  analista e pensadores contemporâneo, é um difuso mal estar da civilização. Aparece sob o fenômeno de descuido, do descaso e do abandono, numa palavra, a falta de cuidado com o mundo . Disse o filósofo que melhor viu a importância essencial do cuidado, Heidegger (1889-1976) em seu famoso “Ser e Tempo” enfatiza: “Do ponto de vista existencial, o cuidado se acha a priori, antes de toda atitude e situação do ser humano, o que significa dizer que ele se acha em toda a situação de fato”. Quer dizer; o cuidado se encontra na raiz primeira do ser humano, antes que ele faça alguma coisa. E, se fizer, ele sempre vem acompanho de cuidado. Significa reconhecer o cuidado com modo de ser essencial sempre  presente e irredutível á   existência.
Hoje o maior desafio ao tratar de questões ambientais está em assegurar o equilíbrio entre meio ambiente e economia, sem perder o foco da discussão em uma plataforma ética e política. São aparentemente dois universos distintos, porém, com a mesma raiz etimológica derivada do radical grego oikos (casa). Economia significa em termos gerais, organização da casa, do lugar onde se vive. E meio ambiente vem associado ao termo ecologia que significa o estudo da casa enquanto local de existência. 
Tal direito ambiental se vê ligado às outras esferas da sociedade, que dele exige manter vínculos com os diversos ramos do direito e também com o conhecimento produzido pelas ciências em geral, sobretudo, com a filosofia. Desde o seu nascimento na década de 1960, o direito ambiental, com a sua função primordialmente voltada à proteção do meio ambiente, se vê forçosamente ; diante de um descuido e um descaso de cuidar de nossa casa comum, o planeta terra. Pois como afirmou a Agostinho; “toda a natureza é boa”.



REFERÊNCIAS 


AGOSTINHO. Livre Arbítrio. Rio de Janeiro: Ed. Sétimo Selo. Texto extraído da apresentação do livro por Jean Lauand.  Professor Titular Faculdade de Educação Da Universidade de São Paulo, 1998.
AGOSTINHO. Confissões. Tradução: Ângelo Ricci. São Paulo. Ed: Abril Cultura-Coleção os Pensadores 1º Edição, 1973.
AGOSTINHO. A natureza do bem. Rio  de Janeiro. Ed. Sétimo Selo. 2006.
AGOSTINHO. Livre Arbítrio. Rj. Ed Sétimo Selo. 1998.
BOFF. L. Saber cuidar: Ética do humano- compaixão  pela terra. Petrópolis. RJ. 9º Ed. Editoras Vozes, 2003.p. 20.
ENGELS, Friedrich. A Dialética da Natureza. 3º Ed. RJ. Paz e Terra, 1979.
GILSON, Étiene. Introdução ao estudo de Santo Agostinho. Tradução: Cristiane Negreiros Abbuyd Ayoub. São Paulo. Ed. Paulus, 2007.
Moltmann, Jürgen. O  Espírito da vida. Uma pneumatologia Integral Petrópolis: Vozes, 1999.
 MORENTE, M, GARCIA. Fundamentos de filosofia lições preliminares. Tradução de Guillermo da Cruz Coronado Fonte: Ed. Mestre Jou. 1967.
REALE, Gionanni. Historia da filosofia.   São Paulo: Paulus, 1990.
PROENÇA W. Lara.  O sábado da criação. Londrina. Ed. Descoberta 2005.
TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. Tradução de Jaci Maraschin. São Paulo: ASTE, 1988.

RENÉ DESCARTES: SE PENSO LOGO - EXISTO


O que se pode conceituar nas meditações de Descartes como em toda sua obra é que ele começa por uma dúvida geral sobre as aparências sensíveis. Através da dúvida Descartes tenta remover do caminho preconceitos com a finalidade de estabelecer uma ciência confiável. Por isso a dúvida em suma é um meio para um fim, não um fim em si. Descartes apresentam que sua unica preocupação e o seu objetivo é de levantar dúvidas sistemáticas para eliminar a dúvida e encontrar algo seguro e indubitável. Esta dúvida consiste em despojar-se dos preconceitos. Trata-se de uma eliminação dos edifícios do saber, não do espírito do homem. Podemos duvidar porque todo o nosso conhecimento é passivo de duvida, pois tais conhecimentos provém dos sentidos e pode acontecer de nos enganar. Por está causa é prudente nunca confiar completamente, pois por ter uma vez que já nos enganado. Para Descartes a dúvida é útil para distanciar dos sentidos, pois a dúvida nasce da experiência do erro, e uma vez que os sentidos já nos enganou uma vez, será sempre necessário duvidar.

A relação entre pensamento, dúvida, certeza e idéias nas meditações de Descartes:

O que podemos conceituar desta relação é que para Descartes todo o conhecimento advém dos sentidos e que esses sentidos são passiveis de levar aos equívocos conforme ele mesmo descreve: “Com efeito, tudo o que admiti até agora como verdadeiro, eu o recebi dos conceitos ou pelos sentidos. Ora, notei que os sentidos ás vezes enganam e é prudente nunca completamente nos que, seja uma vez, nos enganam.” . Descartes através de seu método denominado “ A dúvida metódica” decidem conscientemente despojar-se do saber de todas as coisas, por considerá-las toda a inverdade. Através desta decisão de Descartes de colocar em dúvida todo o saber vigente, existe um conceito que não pode negar o qual está explicito que é o “ pensamento” visto que o pensamento é a base que proporciona a devida condição da existência da dúvida. Pois o pensamento precede a dúvida; aqui existe uma condição de lógica, porque mesmo que duvido é evidente que penso. Para Descartes isso se configura em uma certeza a qual ele mesmo a intitula de “certeza absoluta”, a qual é identificada como a base do sistema de Descartes que é: “ Se penso; logo existo”

“A conseqüência do desdobramento desta “certeza de pensar” para Descartes é que existem idéias, idéias a qual Descartes as classifica de duas maneiras “As idéias perfeitas” e as “ idéias imperfeitas”. As idéias perfeitas são classificadas como as idéias que possui em si mesma uma autonomia, uma auto sustentação maior do que o meu pensamento, algo que não pode vir de mim, a qual Descartes a define como “ (...) substância infinita, independente, eterna, imutável, sumamente inteligente e sumamente poderosa (....). Sobre as idéias imperfeitas Descartes descreve que seria toda a idéia e obra da mente e conseqüentemente a natureza dessas idéias e tal que ela não exige por si mesma nenhuma outra realidade formal além do que recebe do pensamento ou de minha mente da qual é uma maneira ou efeito de pensar. O que se pode conceituar e que as idéias imperfeitas são como imagens que facilmente podem ser deficientes da perfeição que está nas coisas de que foram tiradas, mas não podem conter algo maior ou mais perfeito do que essas coisas. Diante disso é seguro que há porém nas idéias imperfeitas uma certa falsidade material, quando elas representam uma coisa, como se coisa fosse. Descartes define “ (....) uma coisa imperfeita, incompleta e dependente de outra coisa aspirando indefinidamente a coisas cada vez maiores e melhores (...)

Caracterização do método de pensamento cartesiano.

O método cartesiano é acima de tudo pré-indutivo, ou seja suas formulações não se constroem depois da intuição das coisas, pelo contrário tem como propósito primeiramente obter a intuição. Por isso, Descartes na busca pela intuição ele vai dividir e investigar em partes todos os objetos que permitam duvida, até que uma dessas partes se constitua um objeto claro e evidente. Ao contrário dos antigos pensadores que partiam da certeza, Descartes parte da “dúvida metódica” que põe em dúvida todas as supostas certezas. O método cartesiano duvidara de tudo quanto admitisse dúvida, somente as proposições que se permanecem em pé diante deste exame criticam seriam validas. Tal método supunha que o elemento necessário ao conhecimento é a certeza que o homem pode alcançar pondo em dúvida todas as proposições que admitem dúvidas, e somente quando estas proposições resistissem a estes testes é que podem ser recebidas como verdade. A dúvida é a possibilidades entre o certo e o errado, podem surgir da preocupação em discutir se os pensamentos correspondem ou não a realidade. Porém, a pessoa não pode duvidar da existência de seus próprios pensamentos, porque eles se confundem com o próprio ser. É o próprio Descartes que diz “Cogito ergo sum”. Eis a certeza da qual não se pode duvidar mesmo que queira.

A “ontologia” tem parte neste método uma vez que Descartes descreve que não se pode colocar em dúvida a existência de Deus afirma a existência do mundo exterior o qual fazendo uso do “Gênio Maligno” afirma que Deus não haveria de nos enganar fazendo supor que o mesmo existe, quando na verdade não existe; se assim fosse estaria embasada em uma ilusão firmada na percepção dos sentidos. O método cartesiano também afirma a existência da “alma” como uma realidade pessoal baseada da realidade divina através deste conceito de alma o método cartesiano desenvolve a questão do dualismo (corpo-alma). Podemos assim dizer que a caracterização do método cartesiano se da através da dúvida metódica e do método pré-intuitivo pelo qual ficam estabelecidos três princípios fundamentais do conhecimento: Deus, alma e a existência do mundo externo.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

RENÉ DESCARTES – E A CONTRIBUIÇÃO PARA A CIÊNCIA

Descartes, por vezes chamado de o fundador da filosofia moderna e o pai da matemática moderna, é considerado um dos pensadores mais influentes da história humana. Nasceu em La Haye, a cerca de 300 quilômetros de Paris. Seu pai, Joachim Descartes, advogado e juiz, possuía terras e o título de escudeiro, além de ser conselheiro no Parlamento de Rennes, na Bretanha. Com um ano de idade, Descartes perdeu a mãe, Jeanne Brochard, no seu terceiro parto, e foi criado pela avó. Seu pai se casou novamente e chamava o filho de "pequeno filósofo". Mais tarde, aborreceu-se com ele quando não quis exercer o direito, curso que concluiu na universidade de Poitiers em 1616.
Em 1618, Descartes foi para a Holanda e se alistou no exército de Maurício de Nassau. A escola militar era, para ele, uma complementação da sua educação. Nessa época fez amizade com o duque filósofo, doutor e físico Isaac Beeckman, e a ele dedicou o "Compendium Musicae", um pequeno tratado sobre música. Em 1619, viajou para a Dinamarca, Polônia e Alemanha, onde, segundo a tradição, no dia 10 de novembro, teve uma visão em sonho de um novo sistema matemático e científico. Três anos depois retornou a França e passou os anos seguintes em Paris e em outras partes da Europa.
Em 1628, Descartes, incentivado pelo cardeal De Bérulle, escreveu "Regras para a Direção do Espírito". Buscando tranquilidade, partiu para os Países Baixos, onde viveu até 1649. Em 1629 começou a trabalhar em "Tratado do Mundo", uma obra de física. Mas em 1633, quando Galileu foi condenado pela igreja católica, Descartes  não quis publicá-lo. Em 1635 nasceu sua filha ilegítima, Francine, que morreria em 1640.
Em 1637, publicou anonimamente "Discurso sobre o Método para Bem Conduzir a Razão a Buscar a Verdade Através da Ciência". Os três apêndices desta obra foram "A Dióptrica" (um trabalho sobre ótica), "Os Meteoros" (sobre meteorologia), e "A Geometria" (onde introduz o sistema de coordenadas que ficaria conhecido como "cartesianas", em sua homenagem). Seu nome e suas teorias se tornaram conhecidos nos círculos ilustrados e sua afirmação "Penso, logo existo" (Cogito, ergo sum) tornou-se popular.
Em 1641, surgiu sua obra mais conhecida: as "Meditações Sobre a Filosofia Primeira", com os primeiros seis conjuntos de "Objeções e Respostas". Os autores das objeções foram Johan de Kater; Mersene; Thomas Hobbes; Arnauld e Gassendi. A segunda edição das Meditações incluía uma sétima objeção, feita pelo jesuíta Pierre Bourdin. Em 1643, a filosofia cartesiana foi condenada pela Universidade de Utrecht (Holanda) e, acusado de ateísmo, Descartes obteve a proteção do Príncipe de Orange. No ano seguinte, lançou "Princípios de Filosofia", um livro em grande parte dedicado à física, o qual ofereceu à princesa Elizabete da Boêmia, com quem mantinha correspondência.
Uma cópia manuscrita do "Tratado das Paixões" foi enviada para a rainha Cristina da Suécia, através do embaixador francês. Frente a insistentes convites, Descartes foi para Estocolmo em 1649, com o objetivo de instruir a rainha de 23 anos em matemática e filosofia.O horário da aula era às cinco horas da manhã. No clima rigoroso, sua saúde deteriorou. Em fevereiro de 1650, ele contraiu pneumonia e, dez dias depois, morreu. Em 1667, depois de sua morte, a Igreja Católica Romana colocou suas obras no Índice de Livros Proibidos.

René Descartes: O método cartesiano e a revolução na história da filosofia

Certamente você já ouviu a célebre expressão "Penso, logo existo", não ouviu? A origem dessa expressão está na obra do filósofo francês René Descartes (1596-1650). Por essa expressão, no entanto, é difícil avaliar a revolução iniciada por Descartes na história da filosofia. René Descartes foi o maior expoente do chamado racionalismo clássico - movimento que deu ao mundo filósofos tão brilhantes como Francis Bacon, Blaise PascalThomas HobbesBaruch SpinozaJohn Locke e Isaac Newton. O século 17 assistiu a grandes inovações no campo da ciência e do pensamento. Marcado pelo absolutismo monárquico (concentração de todos os poderes nas mãos do rei) e pela Contra-Reforma (reafirmação da doutrina católica em oposição ao crescimento do protestantismo), essa época viu nascer o método experimental e a possibilidade de explicação mecânica e matemática do universo, que deu origem a todas as ciências modernas.

O Discurso do Método e as 4 regras absolutamente essenciais

O "Discurso do Método" foi a obra em que Descartes lançou as bases do pensamento que viria modificar toda a história da filosofia. Alguns anos depois suas ideias foram retomadas nas "Meditações". O filósofo estava disposto a encontrar uma base sólida para servir de alicerce a todo conhecimento. Na época, a filosofia não se distinguia das outras ciências e o livro deveria ser uma introdução para três escritos científicos, voltados para a meteorologia, a geometria, e o estudo do corpo humano. Ao buscar um alicerce novo para a filosofia, Descartes rompeu com a tradição aristotélica e com o pensamento escolástico, que dominou a filosofia no período medieval. A separação entre sujeito e objeto do conhecimento tornou-se fundamental para toda a filosofia moderna. No "Discurso do método", publicado em 1637, Descartes elaborou uma espécie de autobiografia intelectual, em que conta em primeira pessoa os fatos e as reflexões que o fizeram buscar um princípio seguro para edificar as ciências. Descreve também os passos que o levaram à fundação de seu método - o percurso que vai da dúvida sistemática à certeza da existência de um sujeito pensante.
René Descartes nasceu em Haia em 1596. Trabalhava escassas horas e lia pouco. A sua obra terá sido realizada em curtos períodos, de elevada concentração. Foi um filósofo que realizou múltiplas viagens com a intenção de ler o grande livro do mundo.  É interessante mencionar, que Santo Agostinho formulou um argumento similar ao cogito, mas sem que o tivesse desenvolvido – talvez não se tenha apercebido da sua real importância.

1 – A evidência – para aceitarmos alguma coisa por verdadeira, não podemos ter qualquer dúvida sobre a sua veracidade. À evidência opõe-se a conjectura, que é no essencial, dúvida, mesmo que temporária. A evidência é atingida por intermédio da intuição, aqui entendida como um conceito da mente, que no estado de pureza e de atenção, não é atingida por qualquer dúvida objeto do pensamento;

2 – A análise – as questões devem ser observadas no maior número de partes possível, simplificando-as, para que a razão possa ter um entendimento mais perfeito;

3 – A síntese – conduzir a investigação do mais simples para o mais complexo, é regra de ouro;

4 – A enumeração – o investigador deve realizar enumerações exaustivas e revisões gerais, de molde a que tenha a convicção de nada ter omitido.

Descartes duvidam do conhecimento sensível – a dúvida é um conceito universal, neste particular –. Posso, em boa verdade, de tudo duvidar. De Deus, dos astros, do meu próprio corpo, mas não posso duvidar de que o meu pensamento – independentemente de ter sido ou não induzido em erro – é um nada, tal como um nada é a coisa que o pensa. Deste modo, a única proposição absolutamente verdadeira, é o “penso, logo existo”. Eu existo, significa apenas que eu sou uma “coisa” pensante – não posso, no entanto, afirmar que se trate de um corpo.
Entende que a religião é um problema a debater com recurso à fé. A razão é inoperante neste domínio. Com isto, não se diga que quis “matar” Deus, como o fizeram alguns outros pensadores. Limitou-se a afastar do âmbito da filosofia uma problemática naturalmente incognoscível.Deus visto como infinito, eterno, criador, onipotente e onisciente, não pode ter sido idealizado por um ser que não comunga de tal perfeição. A causa de ideia de um Ser com tais atributos, só pode ser fruto de um Ser idêntico e não do homem Descartes, que considera que a simples presença na sua mente da ideia de Deus, demonstra cabalmente a sua existência. Dele, temos uma ideia inata, como Ser sumamente perfeito, um ser que existe por si, é uno, e é uma poderosa e infinita fonte de existência. Esta ideia, é tal como a marca do artífice realizada na sua obra.
Diz-se que o conceito cartesiano de Deus, de religioso nada tem. Pascal acusa-o do seu Deus nada ter a ver com o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, com o Deus do cristianismo. Mas, o Deus de Descartes não será o Deus cristão? Ter-se-á realmente o filósofo libertado dos seus condicionamentos, nomeadamente de uma esmerada educação religiosa e das doutrinas expendidas pelos filósofos cristãos que o precederam? Entre homens e animais, a diferença reside de que naqueles constatamos a existência de uma alma racional.


Dúvida metódica

Para fundamentar o conhecimento, o filósofo deve rejeitar como falso tudo aquilo que possa ser posto em dúvida. A dúvida é, portanto, um momento necessário para a descoberta da substância pensante, da realidade do sujeito que pensa. Através dadúvida metódica, o filósofo chega à descoberta de sua própria existência enquanto substância pensante. A palavra cogito (penso) deriva da expressão latina cogito ergo sum (penso logo existo) e remete à auto-evidência do sujeito pensante . Ocogito é a certeza que o sujeito pensante tem da sua existência enquanto tal. No fragmento abaixo, podemos observar como o filósofo explica o percurso que o levou à descoberta do cogito (a certeza que o sujeito pensante tem de sua própria existência) - base todo seu pensamento filosófico.

“A partir do momento em que desejava dedicar-me exclusivamente à pesquisa da verdade, pensei que deveria rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse supor a menor dúvida, com a intenção de verificar se, depois disso, não restaria algo em minha educação que fosse inteiramente indubitável. Desse modo, considerando que nossos sentidos às vezes nos enganam, quis supor que não existia nada que fosse tal como eles nos fazem imaginar. Por haver homens que se enganam ao raciocinar, mesmo no que se refere às mais simples noções de geometria (...), rejeitei como falsas, julgando que estava sujeito a me enganar como qualquer outro, todas as razões que eu tomara até então por demonstrações. (...) Logo em seguida, porém, percebi que, enquanto eu queria pensar assim que tudo era falso, convinha necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. Ao notar que esta verdade penso, logo existo, era tão sólida e tão correta (...), julguei que podia acatá-la sem escrúpulo como o primeiro princípio da filosofia que eu procurava.”


Descartes cria a geometria analítica

A importância de Descartes deve-se em essência ao livro "Discurso sobre o Método", publicado em 1637, no qual o filósofo expõe sua crença na caracterização do problema do método como garantia para a obtenção da verdade. Segundo o racionalismo de Descartes, o melhor caminho para a compreensão de um problema é a ordem e a clareza com que processamos nossas reflexões. Um problema sempre será mais bem compreendido se o dividirmos em uma série de pequenos problemas que serão analisados isoladamente do todo.
Com intuito de ilustrar o alcance do método filosófico para o raciocínio e a busca da verdade, Descartes utilizou o terceiro apêndice de sua obra para a descrição de um tratado geométrico com os fundamentos daquilo que conhecemos hoje como geometria analítica. Em essência, a geometria analítica pensada por Descartes seria uma tradução das operações algébricas em linguagem geométrica, e a essa nova forma de proceder segue uma enorme crença do autor no novo método como uma forma organizada e clara de resolver problemas de natureza geométrica.Vejamos como a idéia central do método cartesiano está impregnada nos procedimentos de resolução do seguinte problema geométrico sem uso da fórmula de distância de ponto a reta: determinar a altura relativa ao vértice C do triângulo de vértices A(xa,ya), B(xb,yb) e C(xc,yc). Dividiremos o problema em 5 problemas menores:

Primeira etapa: determinar a equação da reta que passa pelos pontos A e B.
Segunda etapa: encontrar o coeficiente angular de uma reta perpendicular à reta que passa por A e B.
Terceira etapa: determinar a equação da reta que passa por C e tem o coeficiente angular igual ao encontrado na segundo etapa.
Quarta etapa: encontrar o ponto P de intersecção das retas da primeira e terceira etapas.
Quinta etapa: calcular a distância entre os pontos P e C (a altura do triângulo).
Sem dúvida, o projeto filosófico de Descartes trouxe inegáveis contribuições para o desenvolvimento da ciência de modo geral e da matemática em particular, contudo vale ressaltar que a fragmentação do conhecimento que dele decorre é um dos mais sérios problemas a serem enfrentados pelo homem contemporâneo.

O Método como instrumento para a verdade

O método seria um instrumento, que bem manejado levara o homem a verdade, esse método consiste em aceitar apenas aquilo que é certo e irrefutável e conseqüentemente eliminar todo o conhecimento inseguro ou sujeito a controvérsias. O objetivo de Descartes era de abranger numa perspectiva de conjunto unitário e claro, todos os problemas propostos a investigação cientifica.
O fundamento principal da filosofia cartesiana consiste na pesquisa da verdade, com relação a existência dos "objetos", dentro de um universo de coisas reais. O método cartesiano esta fundamentado no principio de jamais acreditar em nada que não tivesse fundamento para provar a verdade. Com essa regra nunca aceitara o falso por verdadeiro e chegará ao verdadeiro conhecimento de tudo. Descartes parte do cogito (pensamento) que faz parte do seu interior, colocando em duvida a sua própria existência para chegar a uma certeza sobre a concepção de homem, o qual faz um novo pensar sobre a problemática (homem) considerando duas principais substancias existentes, que são o corpo e a alma que se unem em uma união fundamental porem distintas entre si.
Suas obras principais são tidas como clássicas são elas: Regras para a orientação do espírito – 1628 (primeiros conceitos do método cartesiano), Geometria – 1637 - (estudos e reflexões sobre a matemática, a física e a geometria), Discurso do Método – 1637 (instruções de como conduzir a razão, como buscar a verdade na ciência), Meditações – 1641 (expande as reflexões do discurso do método cartesiano). O cartesianismo também pode ser definido numa perspectiva de senso comum como a primeira filosofia moderna e acabou estabelecendo as bases da ciência moderna e contemporânea. Sobre esta questão temos na wikipedia a seguinte afirmação: O cartesianismo é um movimento filosófico cuja origem é o pensamento do francês René Descartes, filósofo, físico e matemático (1596-1650). Segundo Bertrand Russell Descartes é considerado o fundador da filosofia moderna e pai da matemática. Descartes foi o responsável pelo racionalismo continental, fazendo oposição ao empirismo. Descartes é considerado o primeiro filósofo "moderno"porem ele mesmo não se considera mestre e sim um estudioso, descobridor e explorador daquilo que encontrou. Sua contribuição à epistemologia é essencial, assim como às ciências naturais por ter estabelecido um método que ajudou o seu desenvolvimento. Descartes criou, em suas obras Discurso sobre o método e Meditações - ambas escritas no vernáculo, ao invés do latim tradicional dos trabalhos de filosofia - as bases da ciência contemporânea.
O método cartesiano põe em dúvida tanto o mundo das coisas sensíveis quanto o das inteligíveis, ou seja, duvidar de tudo, As coisas só podem ser apreendidas por meio das sensações ou do conhecimento intelectual. A evidência da própria existência – o "penso, logo existo" – traz uma primeira certeza. A razão seria a única coisa verdadeira da qual se deve partir para alcançar o conhecimento. Diz Descartes "Eu sou uma coisa que pensa, e só do meu pensamento posso ter certeza ou intuição imediata".
Para reconhecer algo como verdadeiro, ele considera necessário usar a razão, o raciocínio como filtro e decompor esse algo em partes isoladas, em idéias claras e distintas, ou seja, propõe fragmentar, dividir o objeto de estudo a fim de melhor entender, compreender, estudar, questionar, analisar, criticar, o todo, o sistema. Enfim experimentar na esfera da ciência e da razão, isto é estudar cientificamente, historicamente e racionalmente.
Para garantir que a razão não se deixe enganar pela realidade, tomando como evidência o que de fato pode não passar de um erro de pensamento ou ilusão dos sentidos, Descartes formula sua segunda certeza: a existência de Deus. Entre outras provas, usa a idéia de Deus como o ser perfeito. A noção de perfeição não poderia nascer de um ser imperfeito como o homem, mas de outro ser perfeito, argumenta. Logo, se um ser é perfeito, deve ter a perfeição da existência. Caso contrário lhe faltaria algo para ser perfeito. Portanto, Deus existe. Essas conclusões são possíveis a partir da sua metafísica. A metafísica de Descartes é buscar a identidade da matéria e espaço, o mundo tem uma extensão infinita, o mundo é constituído pela mesma matéria em qualquer parte, o vácuo é algo impossível. O pensamento de Descartes é revolucionário para uma sociedade feudalista em que ele nasceu, onde a influência da Igreja ainda era muito forte e quando ainda não existia uma tradição de "produção de conhecimento". Para a sociedade feudal, o conhecimento estava nas mãos da Igreja, onde não havia reflexões em torno da existência e da racionalidade. Descartes viajou muito e viu que sociedades diferentes têm crenças diferentes, mesmo contraditórias. Aquilo que numa região é tido por verdadeiro, é achado como ridículo, disparatado, mentira, nos outros lugares. Descartes viu que os "costumes", a história de um povo, sua tradição "cultural" influenciam a forma como as pessoas pensam, aquilo em que acreditam. Descartes quer acabar com a influência desses "costumes" no pensamento. Como principio fundamental de todo conhecimento coloca o "cogito ergo sum", isto é, a certeza do próprio pensamento e da própria existência.
O objetivo de Descartes é a pesquisa de um método adaptado a conquista do saber, descobre esse método que tem como objetivo a clareza e a distinção, ou seja, com isso quer ser mais objetivo possível, imparcial, quer fundamentar o seu pensamento em verdades claras e distintas. Para isso, de acordo com o seu método, devem ser eliminadas quaisquer influencias de idéias que muitas vezes não são verdadeiras, mas que são tidas como mitológicas e por fim muitas vezes acabamos aceitando tais mitos sem que nunca tenhamos comprovado de fato. Só devemos nos basear em enunciados claros e evidentes.
Essa metafísica cartesiana ou método cartesiano nos diz de que é feito e como é feito o mundo. O método cartesiano revoluciona todos os campos do pensamento de sua época, possibilitando o desenvolvimento da ciência moderna e abrindo caminho para o ser humano dominar a natureza. A realidade das idéias claras e distintas, que Descartes apresentou a partir do método da dúvida e da evidência, transformou o mundo em algo que pode ser quantificado. Com isso, a ciência, que até então se baseava em qualidades obscuras e duvidosas, a partir do início do século XVII torna-se matemática, capaz de reduzir o universo a coisas e mecanismos mensuráveis, que a geometria pode explicar. Descarte propõe uma espécie de ceticismo para as coisas, tudo tem que ser duvidado, experimentado.
O método cartesiano consiste no Ceticismo Metodológico - duvida-se de cada idéia que pode ser duvidada. Ao contrário dos gregos antigos e dos escolásticos, que acreditavam que as coisas existem simplesmente porque precisam existir, ou porque assim deve ser, Descartes institui a dúvida: só se pode dizer que existe aquilo que possa ser provado. Ele mesmo consegue provar a existência do próprio eu (que duvida, portanto, é sujeito de algo - cogito ergo sum, penso logo existo) e de Deus. O ato de duvidar como indubitável. È a metafísica que vai prescrever ao cientista o que ele deve buscar, qual o problema e para tanto é necessário utilizar do método da fragmentação, isto é da redução para buscar a verdade Também consiste o método na realização de quatro tarefas básicas: verificar se existem evidências reais e indubitáveis acerca do fenômeno ou coisa estudada; analisar, ou seja, dividir ao máximo as coisas, em suas unidades de composição, fundamentais, e estudar essas coisas mais simples que aparecem; sintetizar, ou seja, agrupar novamente as unidades estudadas em um todo verdadeiro; e enumerar todas as conclusões e princípios utilizados, a fim de manter a ordem do pensamento.
Descartes dividiu a realidade em res conngitas (consciência e mente) e res extensa (corpo e matéria). Acreditava que Deus criou o universo como um perfeito mecanismo. Em relação à ciência, Descartes desenvolveu uma filosofia que influenciou muitos, até ser passada pela metodologia de Newton. Ele propunha, por exemplo, que o universo era pleno e não poderia haver vácuo, o vácuo é algo impossível. Descartes acreditava que a matéria não possuía qualidades inerentes, mas era simplesmente o material bruto que ocupava o espaço. Descartes propunha a criação de um método para chegar a verdade cientifica, pois a duvida não pode jamais existir, tem que haver certeza, lógica e razão na ciência.

Conclusão

Para Descartes, nem os sentidos, que podem enganar-nos, nem as idéias, que são confusas, podem nos dar certezas e, portanto, nos conduzir ao entendimento da realidade. Por isso, com a finalidade de estabelecer um método de pensamento que permita chegar à verdade, desenvolve um sistema de raciocínio que se baseia na dúvida metódica e não pressupõe certezas e verdades. Com base nisso reconstrói o universo da metafísica clássica com a idéia de que a essência do ser humano esta no pensamento.

Bibliografia

ABAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Ed. Martins Fontes. São Paulo. 1998.
KHUN, Thomas. A Estrutura da revolução cientifica, São paulo, Perspectiva, 1996.
REALE, Giovanni.; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Paulinas. SP 1991.

SILVA, Mauricio Oscar da Rocha. O mito cartesiano e outros ensaios. São Paulo: Hucitec, 1978. 184 p.