1. Biográfia
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O
último dos antigos e o primeiro dos modernos, santo Agostinho foi o primeiro
filósofo a refletir sobre o sentido da história, mas tornou-se acima de tudo o
arquiteto do projeto intelectual da Igreja Católica. Aurélio Agostinho, em
latim Aurelius Augustinus, nasceu em Tagaste, atualmente Suk Ahras, na Argélia,
em 13 de novembro de 354, filho de Patrício, homem pagão e de posses, que no
final da vida se converteu, e da cristã Mônica, mais tarde canonizada.
Agostinho estudou retórica em Cartago, onde aos 17 anos passou a viver com uma
concubina, da qual teve um filho, Adeodato. A leitura do Hortensius, de Cícero,
despertou-o para a filosofia. Aderiu, nessa época, ao maniqueísmo, doutrina de
que logo se afastou. Em 384 começou a ensinar retórica em Milão, onde conheceu
santo Ambrósio, bispo da cidade.
Cada
vez mais interessado pelo cristianismo, Agostinho viveu longo conflito
interior, voltou-se para o estudo dos filósofos neoplatônicos, renunciou aos
prazeres físicos e em 387 foi batizado por santo Ambrósio, junto com o filho
Adeodato. Tomado pelo ideal da ascese, decidiu fundar um mosteiro em Tagasta,
onde nascera. Nessa época perdeu a mãe e, pouco depois, o filho. Ordenado padre
em Hipona (391), pequeno porto do Mediterrâneo, também na atual Argélia, em 395
tornou-se bispo-coadjutor de Hipona, passando a titular com a morte do bispo
diocesano Valério. Não tardou para que fundasse uma comunidade ascética nas
dependências da catedral.
Em
sua vida e em sua obra, santo Agostinho testemunha acontecimentos decisivos da
história universal, com o fim do Império Romano e da antiguidade clássica. O
poderoso estado que durante meio milênio dominara a Europa estava a
esfacelar-se em lutas internas e sob o ataque dos bárbaros. Em 410 santo
Agostinho viu a invasão de Roma pelos visigodos e, pouco antes de morrer,
presenciou o cerco de Hipona pelo rei dos vândalos, Genserico. Nesse clima, em
que os cismas e as heresias eram das poucas coisas a prosperar, ele estudou,
ensinou e escreveu suas obras.
Pensamento.
As obras mais importantes de santo Agostinho são De Trinitate (Da Trindade),
sistematização da teologia e filosofia cristãs, divulgada de 400 a 416 em 15
volumes; De civitate Dei (Da cidade de Deus), divulgada de 413 a 426, em que
são discutidas as questões do bem e do mal, da vida espiritual e material, e a
teologia da história; Confessiones (Confissões), sua autobiografia, divulgada
por volta de 400; e muitos trabalhos de polêmica (contra as heresias de seu
tempo), de catequese e de uso didático, além dos sermões e cartas, em que
interpreta minuciosamente passagens das Escrituras.
No
pensamento de santo Agostinho, o ponto de partida é a defesa dos dogmas (pontos
de fé indiscutíveis) do cristianismo, principalmente na luta contra os pagãos,
com as armas intelectuais disponíveis que provêm da filosofia
helenístico-romana, em especial dos neoplatônicos como Plotino. Para pregar o
novo Evangelho, é indispensável conhecer a fundo as Escrituras, que só podem
ser bem interpretadas através da fé, pois apenas esta sabe ver ali a revelação
de verdades divinas. Compreender para crer e crer para compreender, tal é a
regra a seguir.
Baseado
em Plotino, santo Agostinho acha que o homem é uma alma que faz uso de um
corpo. Até naquele conhecimento que se adquire pelos sentidos, a alma se mantém
em atividade e ultrapassa o corpo. Os sentidos só mostram o imediato e
particular, enquanto a alma chega ao universal e ao que é de pura compreensão,
como os enunciados matemáticos. Mas se não é através dos sentidos, por qual via
a alma consegue alcançar as verdades eternas? Será através do sujeito
particular e contingente, ou seja, o homem que muda, adoece e morre?
Tudo
indica que, se o homem mutável, destrutível, é capaz de atingir verdades
eternas, sua razão deve ter algo que vai além dela mesma, não se origina no
homem nem no mundo externo, mas em Deus. Portanto, Deus faz parte do pensamento
e o supera o tempo todo. Desse modo só pode ser achado e conhecido no fundo de
cada um, no percurso que se faz de fora para dentro e das coisas inferiores
para as coisas superiores. Ele não pode ser dito ou definido: é o que é, em
todos os tempos e em qualquer lugar (é clara, nessa concepção, a influência de
Platão, que santo Agostinho assume em vários pontos de sua obra).
Outra
contribuição decisiva é sua doutrina sobre a Santíssima Trindade. Para
Agostinho a unidade das três pessoas é perfeita: não se podem separar, nem uma
se subordina à outra, como defenderam Orígenes e Tertuliano, mas a natureza
divina seria anterior ao aparecimento das três pessoas; estas se apresentam
como os três modos de se revelar o mistério de Deus. A alma, para santo
Agostinho, se confunde com o pensamento, e sua expressão, sua manifestação é o
conhecimento: por meio deste a alma -- ou o pensamento -- se ama a si mesma. Assim,
o homem recompõe nele próprio o mistério da Trindade e se vê feito à imagem e
semelhança de Deus: se ele ama e se conhece dessa maneira, ele conhece e ama a
Deus, conseqüentemente mais interior ao ser humano do que este mesmo.
O
famoso cogito de Descartes ("Penso, logo existo"), em que a evidência
do eu resiste a toda dúvida, é genialmente antecipado por santo Agostinho em
seu "Se me engano, sou; quem não é não pode enganar-se". Ele
valoriza, pois, a pessoa humana individual até quando erra (o que, neste
aspecto, não a torna diferente da que acerta). Talvez por isso dê o mesmo peso
à parte humana e à parte divina no que diz respeito à encarnação do Cristo.
A
salvação do homem, na teologia agostiniana, é algo completamente imerecido e
que depende tão só da graça de Deus; graça que, no entanto, se manifesta aos
homens por meio dos sacramentos da igreja visível, católica. Importantes para a
salvação, esses sacramentos compreendem todos os símbolos sagrados, como o
exorcismo e o incenso, embora a eucaristia e o batismo sejam os principais para
ele.
Da
mesma forma que concebe a natureza divina, santo Agostinho concebe a criação,
idéia pouco tratada pelos gregos e característica dos cristãos. As coisas se
originaram em Deus, que a partir do nada as criou. Pois o que muda e se move, o
que é relativo e passa ou desaparece requer o imutável e o absoluto, essência
do próprio Deus, que criou as coisas segundo modelos eternos como ele mesmo.
Assim, o que o platonismo chamava de lugar do céu passa a ser, no pensamento agostiniano,
a presença de Deus. Tudo o que existe no mundo foi criado ao mesmo tempo, em
estado de germe e de semente. Como estes existem desde o início, a história do
mundo evolui continuamente, mas nada de novo se cria. Entre os seres da criação
existe uma hierarquia, em que o homem ocupa o segundo lugar, depois dos anjos.
Santo
Agostinho afirma-se incapaz de solucionar a questão da origem da alma e, embora
tão influenciado por Platão, não acha a matéria por si mesma condenável, assim
como não encara como castigo a união da alma com o corpo. Não seria este, como
se disse tanto, a prisão da alma: o que faz do homem prisioneiro da matéria é o
pecado, do qual deve libertar-se pela vida moral, pelas virtudes cristãs. O
pecado leva o corpo a dominar a alma; a religião, porém, é o contrário do
pecado, é a dominação do corpo pela alma, que se orienta livremente para Deus,
assistida pela graça.
Uma
das mais belas concepções de santo Agostinho é a da cidade de Deus. Amando-se
uns aos outros no amor a Deus, os cristãos, embora vivam nas cidades temporais,
constituem os habitantes da eterna cidade de Deus. Na aparência, ela se
confunde com as outras, como o povo cristão com os outros povos, mas o sentido
da história e sua razão de ser é a construção da cidade de Deus, em toda parte
e todo tempo. A obra de santo Agostinho, em si mesma imensa, de extraordinária
riqueza, antecipa, além disso, o cartesianismo e a filosofia da existência;
funda a filosofia da história e domina todo o pensamento ocidental até o século
XIII, quando dá lugar ao tomismo e à influência aristotélica. Voltando à cena
com os teólogos protestantes (Lutero e, sobretudo, Calvino), hoje é um dos
alicerces da teologia dialética. Santo Agostinho morreu em Hipona, em 28 de
agosto de 430. E nessa data, 28 de agosto, é festejado como doutor da igreja.
2. ÉTICA E
VONTADE EM SANTO AGOSTINHO
A
teoria da Vontade é uma categoria de extrema originalidade na ética de Santo Agostinho,
tendo como parâmetro a obra “O Livre-Arbítrio”, sendo verificada a questão da Vontade
em face à liberdade do Sujeito. Destarte, a Vontade é conditio sine qua non do pensamento ético Agostiniano e se reflete
na liberdade do sujeito, pois uma vez o ser humano caído por causa do pecado,
que é a desassimilação de Deus; pode retornar, frente à fuga das paixões e da
acomodação, em busca de sua origem em Deus, o “thelos” – no caso a perfeita ordenação
dos seres no Amor.
INTRODUÇÃO
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A
idéia de Vontade no pensamento ético de Aurélio Agostinho é uma temática inovadora
para a filosofia daquele período (séc. IV d.C.), tendo em vista que os
pensadores gregos, sobretudo Sócrates e Platão não haviam desenvolvido
reflexões nesta categoria como matéria da ética. Para se compreender a temática
anunciada, afirma-se sua gênese no interior do cristianismo neotestamentário e
seu desaguar sistemático e científico nas obras do douto doutrinador da era
patrística. Conforme Vásquez a ética consiste em “investigar o modo pelo qual a
responsabilidade moral se relaciona com a liberdade e com o determinismo a qual
nossos atos
estão
sujeitos” (VÁSQUEZ, 1997, pg. 8). Deste postulado pode-se entender que o
caráter ético é norteado por uma investigação sobre o agir do homem no mundo.
Sendo assim, neste trabalho aquilo que parece ser fruto da apriorística, na
verdade, resulta de uma observação reflexiva densa no interior da ética
agostiniana. Abeberando-se na eticidade
do Bispo de Assim sendo, analisaremos a categoria de vontade no pensamento
ético de Agostinho, em sua obra “O Livre-Arbítrio”. A vontade constitui-se
enquanto uma inovação do bispo de Hipona naquele período, caracterizando-se
como conditio sine qua non do pensamento
deste autor. Temática esta que favorece ao indivíduo a opção de escolha de determinadas
ações, pois o indivíduo, segundo Agostinho, age de acordo com a sua intenção, este
aspecto que será de importante necessidade para a compreensão da eticidade
agostiniana. Destarte, o mal e o bem não são essências ontológicas, em que o
bem liga-se com a instância “espiritual” e o bem à materialidade, mas, na
verdade, todas as coisas são boas – destacandose a influência das sagradas
escrituras da tradição judaico-cristã – mas sim somente há o bem, o que
qualificaria o mal, na verdade, seria a intenção do ser humano que estaria em
desacordo com um querer universal. A vontade do indivíduo sofre por um processo
de assimilação com a Vontade Divina, caracterizando esta identidade a
beatitude, ou seja, a santidade do ser humano. Desta forma, na beatitude
subentende-se o “fazer a vontade de Deus”, de um ser universal, do amor.
1. A
INTER-RELAÇÃO ENTRE FÉ E RAZÃO
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A
estrutura do pensamento do “Doctor Magnum” fundamenta-se nas Sagradas Escrituras
da tradição judaico-cristã, de um modo especial, nas cartas paulinas; de onde
se percebe a presença de um Deus onisciente, onipotente, onipresente e,
sobretudo, de um Deus amor. Como também, teve certa influência da filosofia em
sua estrutura de pensar o absoluto ancorado no Ser de Platão: imutável, eterno,
perfeito. Utilizando-se desta para dar sustentáculo à primeira, visando uma
sistematização lógica do discurso, a fim de torná-lo compreensível a outrem.
Desta forma, percebe-se que Santo Agostinho em suas explicações parte
do dado da fé, da revelação, em função de uma sistematização, em sua maior
parte para a
catequese, mas, também, exigindo-se o caráter apologético.
A
partir do dado da fé, o Bispo de Hipona se esforçará para obter um embasamento
lógico-racional. Inaugurando o pensamento que irá perpassar por toda a Idade Média,
sendo que utiliza as categorias da razão para dar embasamento à fé, visando a
fuga de um simples fideísmo, tendo em vista a compreensão da revelação divina
(“credo ut intelligam”) e a razão buscando apoiar-se na fé, a fim de que não
caia em uma busca pelo absurdo, mas perseguindo um fim desejado (“intelligo ut
credam”). Fato este que não ocasiona uma submissão, mas uma inter-relação de
formação mútua. O que Agostinho põe em relevo é uma interação entre a fé e a
razão. De um lado, para crer é preciso perceber de algum modo que se deve crer
e que aquilo que se crê, pelo menos não é absurdo. Para crer, é preciso de
algum modo entender aquilo que nos é proposto como objeto de fé:
“entende – minha palavra – para
crer”. De outro lado, o mistério da fé não é de modo nenhum para Agostinho o impenetrável
e incompreensível, o inassimilável. Uma vez aceito pela fé, podemos procurar
analogias que o iluminam e esclarecem de algum modo para nós. Isto quer dizer
que, entre a pura aceitação na fé e a visão dos mistérios só acessível na contemplação
dos bem-aventurados, podemos adquirir sempre novas luzes na fé que procura
compreender: “crê – a palavra de Deus – para entender” (NASCIMENTO, 2004, pg.
17)
Agostinho
destaca em seu pensamento ético a importância do autoconhecimento do sujeito,
visando o conhecimento com a verdade revelada. Desta forma, como se verá no decorrer,
deste capítulo, Agostinho sob a influência platônica e cristã revela a
importância subjetiva da pessoa humana, sendo assim, pode-se verificar o
caráter ético do pensamento agostiniano em sua célebre declaração nas
Confissões:
Todos te consultam sobre o que
querem, mas nem todos ouvem sempre o que querem. Servo fiel é aquele que não
espera ouvir de ti o que desejaria ouvir, mas antes deseja aquilo que ouve de
ti. Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis
que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora! Eu, disforme,
lançavame sobre as belas formas das tuas criaturas. Estavas comigo, mas eu não
estava contigo. Retinham-me longe de ti as tuas criaturas, que não existiriam
se em ti não existissem. Tu me chamaste, e teu grito rompeu a minha surdez.
(...) Eu te Saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tu me tocaste, e agora
estou ardendo no desejo de tua paz. (AGOSTINHO, 2004, pg. 295).
Como
no pensamento judaico-cristão também recairá sobre Agostinho o ideal do homem
enquanto “imago Dei”, onde O homem viveria para conhecer, amar e servir a Deus,
diretamente em seus irmãos. O lema socrático do ‘conhece-te a ti mesmo’ volta à
tona, em Santo Agostinho, que agora ensina que ‘Deus nos é mais íntimo que o
nosso próprio íntimo’. (VALLS, 1993, pg. 44). O ser humano, na mesma constância
que conhece o seu interior, aproxima-se de Deus. Deus é o princípio de todas as
coisas, de onde tudo provém e deve retornar. Sendo assim, a especulação sobre
Deus, torna-se uma especulação sobre o humano, especulação enquanto essência,
sobre o que ele realmente é, enquanto fora criado à “imagem e semelhança” (Gn
1, 26) daquele. A partir da consciência deste ser absoluto ser eterno, imutável,
infinito, o Sumo Bem, criador de todas as coisas, o homem passa a conhecer-se
em sua subjetividade, enquanto ser criado e que possui sua essência em Deus.
Conforme Vaz:
A unidade do homem é pensada não
numa perspectiva ontológica, mas soteriológica, e ela se desdobra em três
momentos que se articulam como momentos de uma história ou de um itinerário
salvífico. Trata-se, pois, da unidade de um desígnio de salvação que da parte
de Deus é dom ou oferecimento e da parte do homem é resposta ou aceitação, a
recusa do dom implicando justamente a perda da unidade ou a cisão irremediável
do seu ser por parte do homem. (Vaz, 1998, pg. 60)
Diferentemente
de Sócrates o conhecimento não se situa no fato da inteligibilidade da essência
ontológica enquanto tal, mas na verdade um conhecimento enquanto “telos”, ou seja,
em vista a salvação que ocorre por meio da beatitude. Não é uma atividade
meramente racional, mas, sobretudo, da vontade do ser humano. De acordo com o
bispo de Hipona: (...) o Pai, o Filho e o Espírito Santo fazem o homem à imagem
do Pai, do Filho e do Espírito Santo, para que assim ele tornasse imagem de
Deus. Ora, Deus é Trindade. Mas pelo fato de que não foi feita aquela imagem de
Deus como dele nascida, mas foi por ele criada, para mostrar esse sentido, a
imagem não é para ser imagem igual, mas se aproximará dele por certa
semelhança. Aproximamo-nos, pois, de Deus não mediante intervalos de tempo, mas
pela semelhança com Deus, assim como dele nos afastamos pela dessemelhança.
(AGOSTINHO, 1994, pg. 257)
2. RELAÇÃO ENTRE
ÉTICA E VONTADE
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A
fundamentação primeira da ética encontra-se na questão do agir do homem no mundo,
desta forma, faz-se necessário uma primeira abordagem a respeito de como se dá
o conhecimento, o que em Platão seria por “reminiscência”, aqui o sujeito
conhece a partir da “iluminatio Dei”: Deus que se faz presente a fim de que o
homem, por meio da razão, passe a ter conhecimento da verdade, esta eterna e
imutável. Desta forma, caracteriza-se o homem, enquanto ser racional que busca
conhecer, onde a razão não é luz, mas sim, dádiva divina, ou seja, “reflexo da
luz”. Deus ilumina o conhecimento humano, a fim de que possa chegar ao conhecimento,
contudo, é dever do sujeito cognoscente conhecer-se a si mesmo e, conseqüentemente,
chegar ao entendimento da verdade eterna e imutável. Deus é inteligível e também inteligíveis são as proposições das
ciências, porém, diferem em muito. Pois a terra é visível, como também o é a
luz; mas a terra não pode ser vista se não for iluminada pela luz. Por isso, as
coisas que alguém entende, que são ensinadas nas ciências, sem dúvida alguma
ele as admite como verdadeiras, mas deve-se crer que elas não podem ser
entendidas se não forem esclarecidas por outro, como que por um sol (AGOSTINHO,
1998, pg.34).
Com
essa demonstração, percebe-se a dicotomia platônica entre os seres presentes no
pensamento agostiniano, pois as coisas criadas – matéria – não possuem “luz
própria”, são imperfeitas, por si só o indivíduo vaga na “escuridão” chegando a
recair em paixões, erros e concupiscência. Mas de onde provêm as coisas
materiais? Tais coisas materiais são seres criados por Deus, tendo em vista que
este “tirou tudo do nada” (AGOSTINHO, 1995, pg. 29). Desta forma, pode-se notar
que a criatura é causada pela ação do Ser no não-Ser, no caso o nada; fator
este que explica o seu caráter mutável, um devir existente na matéria que gera
a imperfeição, pois a matéria nunca é Ser. De acordo com Gilson:
As criaturas, ao contrário, só
existem por ele, mas não são dele. Se fossem dele, elas seriam idênticas a ele,
ou seja, não mais seriam criatura. A origem delas, sabemos, é totalmente outra.
Criadas, elas foram tiradas do nada por ele. Ora, o que vem do nada não
participa somente do ser, mas do não ser. Logo, nas criaturas há um tipo de falta
original que, por sua vez, engendra a necessidade de adquirir e, conseqüentemente,
de mudar. (GILSON, 2006, pg. 272).
Enquanto
objeto criado, contudo, a matéria deve ser utilizada como meio de descobrimento
do Ser, em descobrir a essência, pois ela é “iluminada”. O homem, por meio do
contato com o plano material, deve ascender para um plano supra-sensível, ou
seja, não pode se deter simplesmente no conhecimento sensível, pois o mesmo não
traz uma verdade segura e confiável devido à sua multiplicidade, desta forma,
tal conhecimento é marcado pela efemeridade. Mas a busca deve ser incessante
por causas que se encontram além dos sentidos,
ou
seja, no plano da metafísica – a priori do contato com a matéria – trazendo
para o sujeito
Cognoscível
um conhecimento seguro e universal – uno. Todo aquele que reflete sobre a
verdadeira noção da unidade constata que ela não pode ser captada pelos
sentidos corporais. Porque todo objeto atingido por um de nossos sentidos, seja
ele qual for, não é constituído pela unidade, mas sim pela pluralidade que o
forma. Com efeito, por ser um corpo, por aí mesmo, possui inúmeras partes
(AGOSTINHO, 1995, pg. 102). Para tanto, o ser humano, em sua plenitude, deve
estar subordinado à sua razão diferentemente dos demais sentidos, tais como a
visão e audição que são capazes de perceber apenas os aspectos formais do
objeto, garantindo ao sujeito o conhecimento de uma representação deste, tendo
em vista que a razão conhece tudo, inclusive a si mesma, conforme se percebe em
Agostinho: “Creio ser também evidente que esse sentido interior não somente sente
as impressões que recebe dos cinco sentidos externos, mas percebe igualmente os
mesmos sentidos” (AGOSTINHO, 1995, pg. 87).
A
questão da vontade entrelaça-se neste ponto, pois o sujeito da ação necessita conhecer
para saber se ele, de fato, quer agir de determinada maneira, ou seja, ele deve
chegar a um conhecimento confiável, assim como fora visto no pensamento
socrático e platônico a fim de que o
mesmo possa agir, sendo que em Agostinho o sujeito deve ser consciente da ação
e manifestar a sua vontade diante dos objetos. Deste modo, o indivíduo deve
focar seu entendimento no que transcende a materialidade e a multiplicidade dos
objetos sensíveis, caso contrário, a sua vontade será determinada como múltipla
e efêmera. O sujeito deve possuir uma vontade que transcenda estas postas, que
o faça buscar uma unidade e universalidade do conhecimento e, conseqüentemente,
do seu agir. Para compreensão da categoria de vontade, faz-se necessário o
entendimento a respeito da temática da liberdade em Agostinho, pois uma sugere
a outra. Só é possível falar em vontade, querer, caso haja a instância da
liberdade do sujeito, caso contrário, ocorreria um querer direcionado não
prevalecendo o querer do sujeito a respeito de suas escolhas particulares.
Neste ponto a ética agostiniana se diverge da ética intelectiva
socrático-platônica, pois conforme Reale:
A liberdade é própria da vontade,
não da razão, no sentido em que a entendiam os gregos. E assim se resolve o
antigo paradoxo socrático de que é impossível conhecer o bem e fazer o mal. A
razão pode conhecer o bem e a vontade pode rejeitá-lo, porque, embora
pertencendo ao espírito humano, a vontade é uma faculdade diferente da razão,
tendo uma autonomia própria em relação à razão, embora seja a ela ligada. A
razão conhece e a vontade escolhe, podendo escolher inclusive o irracional, ou
seja, aquilo que não está em conformidade com a reta razão (REALE, 1990, pg.
457).
3. VONTADE E
LIBERDADE CONDIÇÕES DA ÉTICA EM AGOSTINHO
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Abordando
a temática da liberdade é necessário uma introspecção a respeito do livre arbítrio,
ou seja, da liberdade de escolha das ações, sejam boas ou más. Desta forma, abordando
estas temáticas, elas servirão para compreensão do motivo que a vontade
desaguar no campo da ética agostiniana. Desta forma, faz-se necessária a
abordagem por meio dos juízos de valores, tais como dizer se algo é bom ou
ruim. Os juízos não dependem única e exclusivamente da matéria, mas sim da
vontade do sujeito, da intenção que o ser humano possui naquele determinado
fato, se caso ele está sendo guiado por uma má ou boa vontade, tendo em vista
que esta influenciará na ação do sujeito criando uma relação existente entre conhecimento-vontade-agir,
onde ambos devem estar concatenados para se visar um bem, caso contrário nem
mesmo se a ação for garantida como boa pelo conhecimento, se ela não houver o
querer do ser humano, tal ação não será bem realizada, conforme enfatiza Agostinho:
“Contra a vontade ninguém procede bem,
ainda que a ação em si mesma seja boa” (AGOSTINHO, 1984, pg. 31). A
problemática, desta forma, diferentemente do pensamento maniqueísta, toma um
outro viés: a matéria não é presença do mal mas sim a intenção que o homem
possui diante de tal matéria. De acordo com Vaz: A influência neoplatônica se
fará sentir, sobretudo, na elaboração agostiniana do tema da estrutura do
“homem interior” coroada pela mens (equivalente ao noûs da antropologia
neoplatônica) e na qual Deus está presente como interior e superior (VAZ, 1998,
pg. 64).
A
instância do agir humano deve partir no íntimo de cada ser, sendo que ele deve
ser consciente de tal ação e não desenvolvê-la pelo simples hábito ou
conveniência, cada ação deve ser ato intencional e fruto da vontade do próprio
sujeito. Em suma, “(...) lei do pecado é
a
violência do hábito pela qual mesmo a alma, mesmo contrafeita, é arrastada e
presa, porém merecidamente, porque se deixa livremente escorregar” (Agostinho,
1984, pg. 212). Tanto o hábito quanto a má vontade são reflexos pecaminosos,
pois não analisam o objeto pelo que ele
é,
mas já visando o objeto com inclinação:
Se o sistema agostiniano de
idéias avalia hábitos (consuetudo) como sendo fatores consistentemente
negativos na vida humana, já que são a fonte de obstáculos a superar na busca
por Deus, por que as convenções seriam diferentes? As convenções podem ser
ainda mais perniciosas; formam hábitos, outorgando-lhes legitimidade social, e
não deveriam ser necessariamente acatadas. Na melhor das hipóteses, as convenções
suprem as condições para a formação de signos e são basicamente os pontos de
partida da comunicação humana. A totalidade do significado tem que ser algo
completamente diferente das convenções e, no entanto, se as convenções formam
signos lingüísticos é porque seu ser formado possui uma forma prévia e antecedente.
(NEIVA, 2009, pg.192)
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Sendo que a boa vontade caracteriza-se pelo desejo de assimilação com o Ser, que é uno, tal é o ato de beatitude, que visa não uma felicidade efêmera e passageira, mas sim a verdadeira felicidade, esta caracterizada pela perfeita ordem existente entre os seres. Destarte, tal querer tem que se transparecer por meio da práxis, não adiantando no pensamento ético agostiniano o ato deliberativo da vontade do sujeito, sem a existência da capacidade de escolha. Em suma, segundo Agostinho: É a vontade pela qual desejamos viver com retidão e honestidade, para atingirmos o cume da sabedoria. Considera agora, se não desejas levar uma vida reta e honesta, ou se não queres ardentemente te tornar sábio (AGOSTINHO, 1995, pg. 56). Já a má vontade está associada aos prazeres ligados à matéria, pois estes desembocam no vício e nas paixões, desta forma, não dando liberdade ao indivíduo para que o mesmo seja livre em suas escolhas, pois a “libido” direciona o agir do sujeito, um agir sempre condicionado não permitindo que ele se encontre na ação visando a beatitude – a vida feliz – mas, tão somente o benefício próprio. Tal processo é reconhecido pela desassimilação, em que o sujeito de ação torna-se cada vez mais divergente de sua essência, no caso Deus, diferenciando-se do princípio ordenador, criando uma dificuldade na relação dos seres. Tão logo isso ocorre quando se dá o mau uso da matéria, quando o seu conhecimento estende-se apenas ao plano sensível. Conforme Gilson:
Sendo que a boa vontade caracteriza-se pelo desejo de assimilação com o Ser, que é uno, tal é o ato de beatitude, que visa não uma felicidade efêmera e passageira, mas sim a verdadeira felicidade, esta caracterizada pela perfeita ordem existente entre os seres. Destarte, tal querer tem que se transparecer por meio da práxis, não adiantando no pensamento ético agostiniano o ato deliberativo da vontade do sujeito, sem a existência da capacidade de escolha. Em suma, segundo Agostinho: É a vontade pela qual desejamos viver com retidão e honestidade, para atingirmos o cume da sabedoria. Considera agora, se não desejas levar uma vida reta e honesta, ou se não queres ardentemente te tornar sábio (AGOSTINHO, 1995, pg. 56). Já a má vontade está associada aos prazeres ligados à matéria, pois estes desembocam no vício e nas paixões, desta forma, não dando liberdade ao indivíduo para que o mesmo seja livre em suas escolhas, pois a “libido” direciona o agir do sujeito, um agir sempre condicionado não permitindo que ele se encontre na ação visando a beatitude – a vida feliz – mas, tão somente o benefício próprio. Tal processo é reconhecido pela desassimilação, em que o sujeito de ação torna-se cada vez mais divergente de sua essência, no caso Deus, diferenciando-se do princípio ordenador, criando uma dificuldade na relação dos seres. Tão logo isso ocorre quando se dá o mau uso da matéria, quando o seu conhecimento estende-se apenas ao plano sensível. Conforme Gilson:
Transgressão à lei divina, o
pecado original teve por conseqüência a rebelião do corpo contra a alma, de
onde vêm a concupiscência e a ignorância. A alma foi criada por Deus para reger
seu corpo, mas eis que é, ao contrário, regida por ele. Voltada desde então
para a matéria, ela se farta com o sensível e, como é de si mesma que se extrai
as sensações e as imagens, esgota-se com fornecê-las (GILSON, 1995, pg.
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Desta
forma, com o conhecimento das para que o Homem possa realizar boas ações deve
passar a conhecer. O conhecimento ocorre por meio da instrução, a fim de que se
possa despertar “em nós a ciência” (AGOSTINHO, 1995, pg. 26) – ou seja, a
sabedoria; que é boa. Sendo assim, tanto o conhecimento quanto a instrução são
bons por visarem o que os transcende. Conforme Gilson, “Conhecer é apreender
pelo pensamento um objeto que não muda e que sua própria estabilidade permite
manter sob o olhar do espírito” (GILSON, 2001,
pg.
146). O objeto do conhecimento é o bem, a chegada neste objetivo só ocorre por
meio de
uma
ascese do sujeito que acontece por utilização de uma correta instrução, tendo
por finalidade a de educar a inteligência humana para tal busca, tornando-se,
desta forma, algo incessante. Contudo, a carência, a deficiência no ato de
instruir possibilita o sujeito à propensão ao mal agir; como também, a
instrução depende diretamente da capacidade humana
do
uso da inteligência, que é dádiva divina e deve estar em constante ascese. se
toda a inteligência é boa, e quem não usa da inteligência não aprende, segue-se
que todo aquele que aprende procede bem. Com efeito, todo aquele que aprende
usa da inteligência e todo aquele que usa da inteligência procede bem. Assim,
procurar o autor de nossa instrução, sem dúvida, é procurar o autor de nossas
boas ações
(Ibidem,
pg. 27).
A
necessidade de abordagem das supracitadas correntes temáticas ocorre pelo fato
da liberdade humana, como também a vontade, utilizando-se do livre-arbítrio,
ser uma categoria da ética. A vontade que pouco embasamento possuiu na
eticidade platônica. Portanto, requer uma análise a respeito da historicidade
da problemática levantada: o aparecimento e desenvolvimento da discussão a
respeito da ética, afim de que se compreenda como se deu dentro das estruturas
de pensamento platônicas, para se chegar ao entendimento do conceito de vontade
na perspectiva ética agostiniana. Sendo assim, a análise presente toma as
correntes filosóficas com seus determinados representantes supracitados
obedecendo à cronologia dos pensadores. O “Grande Doutor” procura, em sua obra
intitulada “De Libero Arbítrio”, discutir
acerca
de temas como: a liberdade humana e o mal. Sendo que, acaba por gerar um
tratado sobre a ética cristã. Nesta obra, Agostinho procura, primeiramente,
saber em que contexto a palavra “mal” é utilizada, o que designa para que,
posteriormente, possa-se discutir sobre a possibilidade, ou não, de existência
do mal. Segundo o Bispo de Hipona, o mal revela-se como uma ação que é
praticada e/ou sofrida. Certamente, pois o mal não poderia ser cometido sem ter
algum autor. Mas caso me perguntes quem seja o autor, não o poderia dizer. Com
efeito, não existe um único e só um autor. Pois cada pessoa que ao cometê-lo é
o autor de sua má ação. Se duvidas, reflete no que já dissemos acima: as más
ações são punidas pela justiça de Deus. Ora, elas não seriam punidas em
justiça, se não praticadas de modo voluntário (AGOSTINHO, 1995, pg. 25).
Pg. 07
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Neste
ponto percebe-se onde se diverge o pensamento agostiniano da gnose maniquéia,
enquanto esta visava que mal e o bem seriam entidades ontológicas e que o ser humano
não teria responsabilidade por seus atos, pois estes seriam por determinação de
tais entidade; sendo que o bem relaciona-se com a parte imaterial e o mal com a
matéria. Já Agostinho vem divergir desta teoria na medida em que mostra que o
mal, enquanto entidade ontológica não existe, mas sim é uma escolha individual
que está em desacordo com uma ordem universal; sendo que para prática desta
lei, não requer somente a capacidade intelectual do sujeito, mas também faz-se
necessária a categoria de vontade. O ser humano é ser de ação, ser de escolhas,
cabe a ele saber agir de modo consciente. Como supracitado, Deus não é o autor
do mal, nem tampouco, há um único autor para determinada ação; pois cada
pessoa, que utiliza-se do seu livre-arbítrio, enquanto sendo responsável pela
sua própria ação, pode optar pala escolha de boas ou más ações. Tal ação, para
que o ser humano seja responsável pela mesma, deve ser realizada de forma
autônoma e voluntária: livre de inclinações; que é o contrário das más ações,
pois, estas são determinações, limitações do sujeito. Sendo assim, veremos que
seria errôneo das demais pessoas fazerem julgamentos de um determinado ato,
pois seria parcial, limitado. Somente Deus, em sua justiça, conhece os verdadeiros
interesses, as motivações do sujeito, nem mesmo o próprio sabe ao certo quais foram
suas verdadeiras inclinações que o incentivaram a realizar tal ato. Conforme
Agostinho, (...) muitas ações que aos homens pareciam reprováveis, na realidade
são aprovadas por ti, enquanto outras que os homens elogiam, tu as condenas. De
fato, sucede muitas vezes que a aparência de um ato não corresponde à intenção
de quem o pratica ou às circunstâncias desconhecidas no momento (AGOSTINHO,
1984, pg. 77).
A
primeira ação do ser humano é, enquanto ser livre, a “busca pela verdade” (AGOSTINHO,
1995, pg. 28): a busca pelo autor das boas ações. Sendo que enquanto o Homem
não se decide por esta busca, o mesmo continua aprisionado à limitação dos
objetos sensíveis, desta forma, não podendo chegar à uma ascese do conhecimento.
Com essa breve explanação, o Bispo de
Hipona irá buscar compreender a origem do mal. Importante ressaltar que, sempre
quando Agostinho trata sobre o mal, toma como referencial uma ação. O conceito
de maldade e/ou bondade não pode ser derivado de julgamentos humanos, porque,
de acordo com que foi supracitado, somente Deus conhece o ser humano plenamente
e sabe de nossas inclinações: o julgamento do ser humano é movido pela paixão. O
agir mal está ligado quando o sujeito faz com que a paixão domine a razão,
desta forma, o Homem não será livre na escolha de tal ação. O realizador do ato
não identifica-se, não se vê em sua ação, pois age de forma involuntariamente
ordenada. Evódio, desta forma, nos transmite com clareza este pensamento: “As
ações más unicamente são más por casa da paixão que são praticadas, isto é, por
desejo culpável” (AGOSTINHO, 1995, pg. 34).
Tendo
em vista que as paixões limitam e controlam a vontade do ser humano, pois
impossibilita o encontro com a verdade: a primeira busca. Limitando-se, somente,
ao plano dos objetos materiais, que são imperfeitos e mutáveis; sendo assim,
não nos garantem a certeza. Com isso, vemos que a concupiscência e o medo estão
diretamente ligados a estes objetos materiais, detendo-se apenas nestes, quando
o verdadeiro objetivo deve ser a busca pela verdade. Mas quando o Homem age de
forma imediatista, visando apenas o prazer momentâneo, permite que a paixão
domine sobre a razão: ato de desumanizar-se, negação da Santo Agostinho trata a
respeito da lei da consciência, mas tal le só pode ser validada quando o
sujeito humano está livre das inclinações ocasionadas pelas paixões, caso
contrário, tal lei não terá relevância em seu existir. Somente livres que
possuímos plena consciência de nossas ações: “lei da consciência: “não fazer
aos outros o que não queremos que os outros nos façam”.” (AGOSTINHO, 1984, pg.
40) própria humanidade.
Desta forma, passa a ser distinguido dos
homens bons, como diz Agostinho: (...) os bons o desejam renunciando ao amor
daquelas coisas que não se podem possuir sem perigo de perdê-las. Os maus, ao
contrário, desejam uma vida sem temor, para gozar plena e seguramente de tais
coisas, e para isso esforçam-se de qualquer modo para afastar todos os
obstáculos que o impeçam. Levam então uma vida criminosa e perversa – vida que
deveria antes ser chamada de morte (Ibidem) A única forma de nos libertarmos
deste aprisionamento é pela sabedoria, pois visa o que está além dos objetos
materiais: a verdade; por isso que ela liberta, liberta de todas as paixões, inclinações,
afim de que se possa chegar plenamente à liberdade. A espécie humana é mutável
e sujeita ao fluxo do tempo: “(...) na lei temporal dos homens nada existe de
justo e legítimo que não tenha sido tirado da lei eterna” (AGOSTINHO, 1995, pg.
41). Sendo assim, também se tornam mutáveis suas leis, paixões, pensamentos;
ambos agem de acordo com a necessidade vigente, de acordo com as circunstâncias
do tempo. Sendo assim, devemos buscar uma “razão suprema de tudo” (AGOSTINHO,
1995, pg. 41), de onde se derivam as leis humanas.
Tal
razão ordena todas as coisas a fim de que tudo sirva para a compreensão do ser
humano. O exercício da boa vontade implica na vivência das quatro virtudes cardeais, no caso: prudência, fortaleza,
temperança e justiça. Sendo que no bispo de Hipona tais virtudes também são
acompanhadas das teologais, a saber: fé, esperança e amor; sobretudo o amor. O homem
virtuoso deve ser aquele que ama as coisas que devem ser amadas, não os que se atentam
aos vícios e à concupiscência desencadeada pela matéria. Segundo Agostinho: (...)
se o amor daquelas realidades o tornava inconstante, fortificar-se-á por esse amor
ao Ser que sempre é. E caso se desesperar amando coisas passageiras, firmarse-á
amando o Ser que é permanente. Fixar-se-á e obterá aquele mesmo Ser que desejava
quando temia deixar de existir e não podia se fixar, arrastado pelo amor das coisas
fugazes. (AGOSTINHO, 1995, pg. 173)
Pg. 08
Pg. 08
O
verdadeiro amor não se encontra nas coisas sensíveis e mutáveis, mas
encontra-se na eternidade, lugar também onde o ser humano é livre. Pois a
matéria por seu aspecto corruptível gera paixões no ser humano, o condicionando
para as paixões e o não prevalecimento de sua vontade. A vontade sofre
dependência do conhecimento, como já fora dito, como também só se pode amar o
que se conhece. Portanto, este conhecimento não deve O termo “virtude” na linguagem latina ganha
uma outra conotação, pois no grego, ela era a “areté”, elemento natural
constituído no homem, já na linguagem latina, tal palavra designa de “virtus”
que, por sua vez, possui raiz na palavra “vir”, que significa homem. Destarte,
a virtude aqui empregada terá uma significância de força, atitude própria do
humano, pois é o único ser que faz uso da razão. Permanecer somente no campo da
“doxa” – como já falou Platão – mas sim, no plano do entendimento
epistemológico, um conhecimento verdadeiro e seguro, a fim de que o ser humano
possa da mesma forma que conhece, amar e querer algo que seja universal. Caso contrário,
ocorreria a alienação do querer humano, condicionado pelas coisas materiais, conforme
Gilson:
De fato, o amor do homem jamais
repousa; o que produz pode ser bom ou mau, mas sempre produz algo. Crimes,
adultérios, homicídios, luxúrias, é o amor que causa tudo isso, bem como os
atos de caridade pura e heroísmo. Tanto no bem como no mal sua fecundidade, e
é, para o homem que ele conduz, uma fonte inesgotável de movimento (...) O
problema necessário se coloca não é, portanto, saber se é necessário amar, mas
o que é necessário amar (GILSON, 2006, pg. 258).
A
vontade, desta forma, caracteriza-se como conditio
sine qua non do pensamento ético agostiniano, contudo, não é algo que está fora
do indivíduo, tendo em vista que ele a encontra no conhecimento de seu Ser, ou
melhor, a vontade é algo íntimo ao sujeito da ação. Por meio do contato com o
divino e Sua vontade, o homem livre percebe e conjuga o seu querer particular
com uma vontade universal, o ser humano não nega a sua, mas faz sua a vontade
de Deus. A razão ética da vontade encontra-se no ato racional do indivíduo compreender
e aceitar que tal agir é o que deve ser feito. Conforme Bento XVI: A história
de amor entre Deus e o ser humano consiste, precisamente, no fato de que essa
comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e de sentimento e, assim,
o nosso querer e a vontade de Deus coincidem cada vez mais: a vontade de Deus
deixa de ser, para mim, uma vontade estranha que me impõe de fora os mandamentos,
mas é a minha própria vontade, baseada na experiência de que realmente Deus é
mais íntimo a mim mesmo de quanto o seja eu próprio. (BENTO XVI, 2006, pg. 32).
Por
meio de assimilação de vontade (homem - Deus) é que o ser humano encontra a verdadeira
paz, pois o mesmo encontra a “ordo amoris”, ou seja, o fim último desejado pelo
homem depende de seu reto agir, que ocorre por meio de sua consciência moral.
Onde depende do ser humano, mas não única e exclusivamente, pois o homem é
dependente da ação
salvífica
de Deus que ocorre por meio da Graça; a fim de que o homem auxilie o homem decaído
pelo pecado a se configurar plenamente com o Ser-Uno, ou seja, o Sumo Bem. Logo,
não te entristeças, mas ao contrário te alegres e muito, pelo fato de que prefiras
existir, mesmo infeliz, deixar de ser infeliz, por não mais existires. Com efeito,
se a partir desse "querer-ser" inicial cresces, mais e mais, no amor
ao ser, elevarás o templo de tua alma em direção ao Ser supremo. Assim, tu te
preservarás de toda queda, pela qual passam à não existência os seres
inferiores, os quais existem apenas para voltar ao nada, levando em sua ruína
as forças e o ser de quem ama tais coisas. (AGOSTINHO, 1995, pg. 173)
CONCLUSÃO
A
Vontade é elemento essencial para a compreensão da ética, de acordo com Agostinho
uma “livre determinação” (AGOSTINHO, 1984, pg. 173) do sujeito. Destarte, com a
referida categoria, Agostinho vem postar que o agir ético do homem reside em
sua intenção perante o objeto ou fato. Os objetos criados são bons, tendo em
vista que em sua essência trazem este aspecto, contudo, a noção de efemeridade
permanece nele, pois ele é material, ou seja, relação do ser no não-ser. Em
suma, os objetos em si devem contribuir para a ascese do Indivíduo para o seu
fim último. O que vem gerar os juízos de valores, ou seja, se algo (ação ou
objeto) é boa ou ruim dirige-se ao enlace das intenção que o ser humano possui
diante de tal, melhor dizendo, depende de sua vontade. Caso seja uma má
vontade, passa a amar as coisas efêmeras, tal amor que gera os vícios e
paixões, pois estas não trazem uma verdade universalmente válida; portanto,
anula-se o aspecto da liberdade do ser humano. Já a boa vontade é quando a
pessoa passa a “amar o que deve ser amado”; nesta instância o amor é visto em
seu ápice, pois aqui o ser humano aparece livre, livre do aprisionamento
material e, portanto, é capaz de determinar livremente o seu querer associando-o
a um querer universal, não ocorrendo aqui uma anulação, mas uma concatenação.
Desta forma, fazendo-se necessária a abordagem
do conhecimento e da vontade, em suma o
homem deve saber e ter consciência diante de tal possibilidade de ação. Tal
processo é o de assimilação, em que o ser humano converge para suas origens
enquanto humano – “imago Dei” – para sua essência, no caso Deus, visando um
“Telos”. Desta forma, esta temática até hoje se mostra atual em nossa
sociedade, pois diante de tanta miséria e desolação da sociedade onde o homem
corrompe e se “apropria” do outro. Em busca de vanglórias o ser humano
desvia-se de seu verdadeiro caminho, pois busca satisfazer-se apenas a si
próprio, deixando de lado a sociedade em que está inserido. O homem é ser de
ação e deve possuir consciência de seus atos, portanto se possui esta categoria
então há a responsabilidade perante tais fatos, não direcioná-los a esferas
metafísicas (o que seria muito adequado às esferas humanas, pois acusaria uma
não responsabilidade).
Somente
por meio da conversão autêntica que o humano pode voltar-se ao Ser, este UNO,
eterno e imutável, não sujeitando-se, porém, à pluralidade da matéria. Por meio
desta conversão que o ser humano pode assimilar-se a Deus, assimilação esta que
é necessária desde a “queda” gerada pelo pecado por causa da má vontade humana.
Tal processo de assimilação vem caracterizar não somente uma categoria do
humano em sua pluralidade, mas
a
ação desta pluralidade na Unidade em Deus. Tal processo do ser humano deve
acontecer por meio do amor, ou seja, deve “estar” no amor, sendo assim,
enquanto humano que sabe que ama e o que ama, busca o bem comum para todos da
“pólis”, um bem comum que se concretiza na “felicidade”, ou seja, o perfeito ordenamento
das coisas. Em suma, o humano quer o que deve querer e amar o que deve ser amado,
desta forma o homem deve transcender, em função de chegar ao reto agir.
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