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segunda-feira, 23 de setembro de 2019

INTRDUÇÃO A INTERPRETAÇÃO DE HEIDEGGER À KANT EM RELAÇÃO A FINITUDE DA EXISTÊNCIA HUMANA


Para alcançar êxito na temática: “A interpretação de Heidegger à Kant na análise ontológica do tempo e da finitude da existência humana”, iniciaremos a abordagem do posicionamento de Heidegger em  relação à metafísica a partir das ideias conducentes em “Ser  e  Tempo”, e “Kant and the problem of metaphysics” com o objetivo de  referir  a  sua  concepção  de  que o objetivo declarado de “Ser e Tempo”, é o de apresentar, defender, mostrar que a ontologia, é a única capaz  de determinar adequadamente sentido do ser, por meio de uma analítica existencial do Dasein, por meio da  “lógica  produtiva  da  verdade[1]”; amadurecida  através  de  uma  reflexão  profunda  das  gnosiologias[2] de  Kant  e  Husserl. Heidegger, prende-se  com  o  papel atribuído ao homem na explicitação e constituição da verdade,  subscrever  a partir da ontologia o ser/Dasein para alcançar assim a  “clareira do ser”, o “desvelamento da alethéia”. Este proposito acima não se reporta, é claro, ao plano ôntico da experiência em que se movem  as  ciências  na  sua  caracterização  positiva  das  coisas;  antes  se  refere  àquele  outro,  ontológico,  do  sentido,  que  rege  e  determina  o  primeiro, porquanto concerne a constituição essencial dos objetos, o qual  Kant  denominava de  “objetividade dos objetos”;   Heidegger  denomina “o ser do ente”.
A filosofia é, portanto, para Heidegger uma ciência ontológica.  Ela tem o ser como seu único tema, e como tarefa, a explicitação e interpretação teórico conceitual da estrutura,  e relações que o constituem[3]. Heidegger não se reporta diretamente ao ente, pois para ele a filosofia não é, por conseguinte, uma ciência ôntica ao lado de outras ciências, não compete com elas, e nem acrescenta nada à sua caracterização positiva das coisas. Heidegger não se propõe também uma mundividência; uma visão de conjunto do ente na sua totalidade construída. Antes, Heidegger por meio da Ontologia busca desvelar o sentido  que  sempre  permeou, antes de toda a objetivação científica;  desvelando  sua estrutura;  e apresentando o caminho de abertura cognitiva da realidade,  para esclarecer o fundamento  a qual pertence à essência humana do Dasein.
Heidegger procura, no entanto, esclarecer como o Dasein tem acesso a si, como  constrói essa auto interpretação, pela qual o sentido e a verdade se tornam o seu modo de ser fundante; e o que pertence à sua essência, e  a constituição do significar e do interpretar. É  aqui que a influência de Kant se tornou determinante no impulso que deu  para a clarificação do problema da transcendência ou compreensão prévia  do ser do ente ou, na terminologia da Crítica da Razão Pura, do conhecimento  transcendental,  que,  para  Kant,  equivalia  ao  juízo  sintético  a priori como condição de possibilidade da Metafísica.
Com efeito, Heidegger atribui a Kant o mérito de ver em Kant, pela primeira vez,  todas  as  implicações do problema da finitude para a questão do conhecimento. A tradição entendia a finitude como condição do ens creatum [4] que, não sendo causa de si, está dependente de um ente, de um mundo que o precede, e com o qual  esta ligado intimamente. Por conseguinte, a intuição, por onde o conhecimento se efetiva, só pode ser receptiva, ordenada à pré-existência  das  coisas,  ofertando-lhes  pela  sensibilidade  a  possibilidade de  se  manifestarem.  Ora, considerando o argumento de Kant, que o sujeito não  pode enfrentar o mundo, o  que já  aí está  constituído diante  dele; logo, desenvolve uma  concepção  não  sensualista[5],  de  uma  sensibilidade  pura,  ontológica, em que o tempo e o espaço perfazem as condições gerais da receptividade das impressões produzidas pelos objetos..
Para esclarecer melhor, para Kant todo o conhecimento humano está alicerçado em dois troncos: a sensibilidade e o entendimento. Pela primeira são-nos dados os objetos, e pela segunda esses objetos são pensados. Assim, podemos dizer que o nosso conhecimento é formado com a contribuição das intuições que são fornecidas pela nossa sensibilidade. Contudo, essas intuições precisam ser articuladas por esquemas a priori que são constitutivos da própria racionalidade humana, da própria condição do conhecimento. Isto significa que o conhecimento é adquirido, em parte pela experiência da relação entre o sujeito e o objeto, e em parte por algo que é produzido pelo próprio sujeito. O conhecimento então, para Kant, não é reprodução passiva de um objeto por meio do sujeito, mas construção ativa do objeto por parte do sujeito.
     Só a sensibilidade nos fornece intuições com as quais o entendimento trabalha. Assim, uma definição mais primária de conhecimento em Kant é “dar forma a uma matéria dada.” Mas Kant vai mais além, e introduz o conceito de intuição[6] pura, ou seja, forma pura da sensibilidade. Essas intuições puras são o espaço e o tempo. O espaço é uma condição subjetiva da sensibilidade que permite a intuição externa, e sua representação ser uma condição subjetiva. Ele abrange todas as coisas que nos possam aparecer exteriormente, mas não todas as coisas em si mesmas.
Já o tempo é a condição de possibilidade de movimento, ele não é um conceito discursivo, mas uma forma pura da intuição sensível. Isto significa que o tempo não tem um objeto ao qual se deve atribuí-lo, sua representação é ilimitada. Ele é então, condição para unificação de todo o diverso, tanto dos fenômenos internos quanto dos fenômenos externos. Isso implica dizer que o tempo é a condição imediata dos fenômenos internos e a condição mediada dos fenômenos externos.
O tempo em Kant, como condição para unificação de todo o diverso, tanto dos fenômenos internos quanto dos fenômenos externos, é de suma importância em nossa abordagem. Sabemos das convergências entre Heidegger e Kant no que se refere a  problemática, e do modo de conceber a metafísica. No entanto; Heidegger valoriza sobre tudo em Kant um ponto, para ele de suma importância, e para nós também nesta tese, que é o reconhecimento de Kant ao “Tempo” como a raiz da compreensão do ser constitutiva da essência humana. Esse tempo não é intratemporal, situa-se no cerne mesmo do sujeito, é a raiz das duas faculdades, o segredo da sua articulação. Isto significa que em Kant podemos ver no sujeito, que no mais íntimo da sua subjetividade, ele é temporalidade. É neste viés; que Heidegger vai seguir.  É claro que Heidegger, na sua interpretação de Kant, irá mais longe, dirá o que ele não disse, o que talvez não se atreveu a dizer.  Mas que, no entanto, neste ato de ir mais longe, Heidegger completa as lacunas, ao explicitar o “Tempo”, já valorizado por Kant; como a essência da finitude humana, e o horizonte da compreensão Ontológica do Dasein.


[1]  [Ela  é  lógica  produtiva,  no  sentido  em  que  projecta  um  determinado  domínio  do  ser,  explora  antes  de  mais  a  sua  constituição  de  ser  e  oferece  as  estruturas  assim  obtidas  às  ciências positivas, enquanto indicações evidentes do questionar.] Veja-se ainda o  curso de Marburgo de 1925 Prolegomena zur Geschichte des Zeitbegriffs, G.A.,t. 20, § 1, p. 2.
[2] A gnosiologia  também chamada teoria do conhecimento,  é o ramo da filosofia que se ocupa do estudo do conhecimento. É a reflexão em torno da origem, natureza e limites do ato cognitivo. Ocupa-se da validade do conhecimento em função do sujeito cognoscente, ou seja, daquele que conhece o objeto. A gnoseologia não se confunde com a epistemologia, que se refere-se apenas ao conhecimento científico. A gnosiologia é a área da filosofia que estuda o conhecimento a partir das suas varias vertentes, e depara-se com problemas como: a sua possibilidade, a sua origem, a sua natureza ou essência, e a sua validade e limites. Na tentativa de responder a estas questões por norma surgem muitas teorias explicativas da questão. Como nosso foco é uma leitura de Heidegger através  de  uma  reflexão  aprofundada  das  gnosiologias  de  Kant  e  Husserl, temos de um lado o idelalismo de Kant, e do outro a  femenologia  de Husserl.  O idealismo afirma que o conhecimento é a relação entre o sujeito e a representação, ou ideia que este tem do objecto. As coisas aparecem, portanto ao sujeito sob a forma de ideias na consciência, não sendo possível conhecer mais na dapara dela. Afirma-se, portanto,  que o que realmente existe são as ideias sobre a realidade, que possui na sua consciência. Para terminar, os objectos segundo o idealismo ficam então reduzidos a produto do sujeito. Já  a  fenomenologia (do grego phainesthai - aquilo que se apresenta ou que mostra - e logos explicação, estudo) é uma metodologia e corrente filosófica que afirma a importância dos fenômenos da consciência, os quais devem ser estudados em si mesmos – tudo que podemos saber do mundo resume-se a esses fenômenos, a esses objetos ideais que existem na mente, cada um designado por uma palavra que representa a sua essência, sua "significação". Os objetos da Fenomenologia são dados absolutos apreendidos em intuição pura, com o propósito de descobrir estruturas essenciais dos atos  e as entidades objetivas que correspondem a elas. Edmund Husserl (1859-1938) - filósofo, matemático e lógico – é o fundador desse método de investigação filosófica e quem estabeleceu os principais conceitos e métodos que seriam amplamente usados pelos filósofos desta tradição. A Fenomenologia representou uma reação à eliminação da metafísica, pretensão de grande parte dos filósofos e cientistas do século XIX.
[3] Conf. o curso de Heidegger, Die Grundprobleme der Phänomenologie, G.A., t. 24,  §3,  p. 15 “ [A filosofia é uma  interpretação  teorético-conceptual  do  ser,  da  sua  estrutura  e  das  suas  possibilidades. Ela é ontológica.]
[4] sendo-criado.
[5]
[6] Primeiramente é importante esclarecer o que significa, no pensamento kantiano, intuir. Para o autor, a intuição é a visão direta e imediata de um objeto de pensamento atualmente presente ao espírito e apreendido em sua realidade individual. Nesse sentido, toda intuição é sempre sensível. Dessa forma, podemos dizer que conhecer é primeiramente intuir.