Para alcançar êxito na temática: “A interpretação de Heidegger à Kant na
análise ontológica do tempo e da finitude da existência humana”, iniciaremos
a abordagem do posicionamento de Heidegger em relação à metafísica a partir das ideias
conducentes em “Ser e Tempo”, e “Kant and the problem of
metaphysics” com o objetivo de referir
a sua concepção
de que o objetivo declarado de
“Ser e Tempo”, é o de apresentar, defender, mostrar que a ontologia, é a única
capaz de determinar adequadamente
sentido do ser, por meio de uma analítica existencial do Dasein, por meio da “lógica
produtiva da verdade[1]”; amadurecida através
de uma reflexão
profunda das gnosiologias[2]
de Kant
e Husserl. Heidegger, prende-se com
o papel atribuído ao homem na
explicitação e constituição da verdade, subscrever
a partir da ontologia o ser/Dasein para
alcançar assim a “clareira do ser”, o
“desvelamento da alethéia”. Este proposito acima não se reporta, é claro, ao
plano ôntico da experiência em que se movem
as ciências na sua caracterização positiva
das coisas; antes
se refere àquele
outro, ontológico, do
sentido, que rege
e determina o
primeiro, porquanto concerne a constituição essencial dos objetos, o
qual Kant denominava de “objetividade dos objetos”; Heidegger denomina “o ser do ente”.
A filosofia é, portanto, para Heidegger uma ciência ontológica. Ela tem o ser como seu único tema, e como
tarefa, a explicitação e interpretação teórico conceitual da estrutura, e relações que o constituem[3]. Heidegger
não se reporta diretamente ao ente, pois para ele a filosofia não é, por
conseguinte, uma ciência ôntica ao lado de outras ciências, não compete com elas,
e nem acrescenta nada à sua caracterização positiva das coisas. Heidegger não
se propõe também uma mundividência; uma visão de conjunto do ente na sua totalidade
construída. Antes, Heidegger por meio da Ontologia
busca desvelar o sentido que sempre permeou, antes de toda a objetivação
científica; desvelando sua estrutura; e apresentando o caminho de abertura
cognitiva da realidade, para esclarecer o
fundamento a qual pertence à essência
humana do Dasein.
Heidegger procura, no entanto, esclarecer como o Dasein tem acesso a si, como constrói essa auto interpretação, pela qual o
sentido e a verdade se tornam o seu modo de ser fundante; e o que pertence à
sua essência, e a constituição do
significar e do interpretar. É aqui que a
influência de Kant se tornou determinante no impulso que deu para a clarificação do problema da
transcendência ou compreensão prévia do
ser do ente ou, na terminologia da Crítica
da Razão Pura, do conhecimento
transcendental, que, para
Kant, equivalia ao juízo
sintético a priori como
condição de possibilidade da Metafísica.
Com efeito, Heidegger atribui a Kant o mérito de ver em Kant, pela primeira
vez, todas as implicações
do problema da finitude para a questão do conhecimento. A tradição entendia a
finitude como condição do ens creatum
[4] que,
não sendo causa de si, está dependente de um ente, de um mundo que o precede, e
com o qual esta ligado intimamente. Por
conseguinte, a intuição, por onde o conhecimento se efetiva, só pode ser
receptiva, ordenada à pré-existência
das coisas, ofertando-lhes pela
sensibilidade a possibilidade de se
manifestarem. Ora, considerando o
argumento de Kant, que o sujeito não
pode enfrentar o mundo, o que
já aí está constituído diante dele; logo, desenvolve uma concepção
não sensualista[5], de
uma sensibilidade pura,
ontológica, em que o tempo e o espaço perfazem as condições gerais da
receptividade das impressões produzidas pelos objetos..
Para
esclarecer melhor, para Kant todo o conhecimento humano está alicerçado em dois
troncos: a sensibilidade e o entendimento. Pela primeira são-nos dados os
objetos, e pela segunda esses objetos são pensados. Assim, podemos dizer que o
nosso conhecimento é formado com a contribuição das intuições que são
fornecidas pela nossa sensibilidade. Contudo, essas intuições precisam ser
articuladas por esquemas a priori que
são constitutivos da própria racionalidade humana, da própria condição do
conhecimento. Isto significa que o conhecimento é adquirido, em parte pela
experiência da relação entre o sujeito e o objeto, e em parte por algo que é
produzido pelo próprio sujeito. O conhecimento então, para Kant, não é
reprodução passiva de um objeto por meio do sujeito, mas construção ativa do
objeto por parte do sujeito.
Só a sensibilidade nos fornece intuições
com as quais o entendimento trabalha. Assim, uma definição mais primária de
conhecimento em Kant é “dar forma a uma matéria dada.” Mas Kant vai mais além, e
introduz o conceito de intuição[6]
pura, ou seja, forma pura da sensibilidade. Essas intuições puras são o espaço
e o tempo. O espaço é uma condição subjetiva da sensibilidade que permite a
intuição externa, e sua representação ser uma condição subjetiva. Ele abrange
todas as coisas que nos possam aparecer exteriormente, mas não todas as coisas
em si mesmas.
Já o tempo
é a condição de possibilidade de movimento, ele não é um conceito discursivo,
mas uma forma pura da intuição sensível. Isto significa que o tempo não tem um
objeto ao qual se deve atribuí-lo, sua representação é ilimitada. Ele é então,
condição para unificação de todo o diverso, tanto dos fenômenos internos quanto
dos fenômenos externos. Isso implica dizer que o tempo é a condição imediata
dos fenômenos internos e a condição mediada dos fenômenos externos.
O tempo em Kant, como condição
para unificação de todo o diverso, tanto dos fenômenos internos quanto dos
fenômenos externos, é de suma importância em nossa abordagem. Sabemos das convergências entre
Heidegger e Kant no que se refere a problemática, e do modo de conceber a metafísica.
No entanto; Heidegger valoriza sobre tudo em Kant um ponto, para ele de suma
importância, e para nós também nesta tese, que é o reconhecimento de Kant ao “Tempo”
como a raiz da compreensão do ser constitutiva da essência humana. Esse tempo não
é intratemporal, situa-se no cerne mesmo do sujeito, é a raiz das duas faculdades,
o segredo da sua articulação. Isto significa que em Kant podemos ver no
sujeito, que no mais íntimo da sua subjetividade, ele é temporalidade. É neste
viés; que Heidegger vai seguir. É claro
que Heidegger, na sua interpretação de Kant, irá mais longe, dirá o que ele não
disse, o que talvez não se atreveu a dizer. Mas que, no entanto, neste ato de ir mais
longe, Heidegger completa as lacunas, ao explicitar o “Tempo”, já valorizado
por Kant; como a essência da finitude humana, e o horizonte da compreensão Ontológica do Dasein.
[1]
[Ela é lógica
produtiva, no sentido
em que projecta
um determinado domínio
do ser, explora
antes de mais
a sua constituição
de ser e
oferece as estruturas
assim obtidas às
ciências positivas, enquanto indicações evidentes do questionar.]
Veja-se ainda o curso de Marburgo de
1925 Prolegomena zur Geschichte des Zeitbegriffs, G.A.,t. 20, § 1, p. 2.
[2] A gnosiologia também chamada teoria do conhecimento, é o ramo da filosofia que se ocupa do estudo
do conhecimento. É a reflexão em torno da origem, natureza e limites do ato
cognitivo. Ocupa-se da validade do conhecimento em função do sujeito
cognoscente, ou seja, daquele que conhece o objeto. A gnoseologia não se
confunde com a epistemologia, que se refere-se apenas ao conhecimento científico.
A gnosiologia é a área da filosofia que estuda o conhecimento a partir das suas
varias vertentes, e depara-se com problemas como: a sua possibilidade, a sua
origem, a sua natureza ou essência, e a sua validade e limites. Na tentativa de
responder a estas questões por norma surgem muitas teorias explicativas da
questão. Como nosso foco é uma leitura de Heidegger através de
uma reflexão aprofundada
das gnosiologias de
Kant e Husserl, temos de um lado o idelalismo de
Kant, e do outro a femenologia de Husserl. O idealismo afirma que o conhecimento é a
relação entre o sujeito e a representação, ou ideia que este tem do objecto. As
coisas aparecem, portanto ao sujeito sob a forma de ideias na consciência, não
sendo possível conhecer mais na dapara dela. Afirma-se, portanto, que o que realmente existe são as ideias sobre
a realidade, que possui na sua consciência. Para terminar, os objectos segundo
o idealismo ficam então reduzidos a produto do sujeito. Já a
fenomenologia (do grego phainesthai - aquilo que se apresenta ou que
mostra - e logos explicação, estudo) é uma metodologia e corrente filosófica
que afirma a importância dos fenômenos da consciência, os quais devem ser
estudados em si mesmos – tudo que podemos saber do mundo resume-se a esses
fenômenos, a esses objetos ideais que existem na mente, cada um designado por
uma palavra que representa a sua essência, sua "significação". Os
objetos da Fenomenologia são dados absolutos apreendidos em intuição pura, com
o propósito de descobrir estruturas essenciais dos atos e as entidades objetivas que correspondem a
elas. Edmund Husserl (1859-1938) - filósofo, matemático e lógico – é o fundador
desse método de investigação filosófica e quem estabeleceu os principais
conceitos e métodos que seriam amplamente usados pelos filósofos desta
tradição. A Fenomenologia representou uma reação à eliminação da metafísica,
pretensão de grande parte dos filósofos e cientistas do século XIX.
[3] Conf. o curso de Heidegger, Die Grundprobleme der Phänomenologie,
G.A., t. 24, §3, p. 15 “ [A filosofia é uma interpretação
teorético-conceptual do ser,
da sua estrutura
e das suas
possibilidades. Ela é ontológica.]
[4] sendo-criado.
[6] Primeiramente é importante esclarecer o que significa, no pensamento
kantiano, intuir. Para o autor, a intuição é a visão direta e imediata de um
objeto de pensamento atualmente presente ao espírito e apreendido em sua
realidade individual. Nesse sentido, toda intuição é sempre sensível. Dessa
forma, podemos dizer que conhecer é primeiramente intuir.