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segunda-feira, 23 de setembro de 2019

ROBERT NOZICK LIBERDADE E COERÇÃO



Saber se o Estado tem legitimidade moral para intervir, coercitivamente, na distribuição de bens e riquezas na sociedade, têm sido um dos principais temas da filosofia política contemporânea. Isto porque, tal como sustenta alguns teóricos liberais, para produzir igualdade entre os cidadãos, o Estado, necessariamente, terá de interferir na esfera privada do indivíduo. Nozick, afirma que os direitos individuais são pré-políticos e, portanto, cada indivíduo é dono de si próprio. Isso implica dizer que o direito à vida, o direito à propriedade no sentido mais estrito, e à liberdade de fazer o que quiser consigo mesmo, com o seu corpo e os seus talentos, são sagrados.
 Os indivíduos têm direitos, e há coisas que nenhuma pessoa ou grupo pode fazer contra eles (sem violar seus direitos). Esses direitos são tão fortes e e têm tamanho alcance que levantam a questão de saber o que o Estado e seus servidores podem fazer, se é que podem fazer alguma coisa. Que espaço os direitos individuais deixam para o Estado? (NOZICK. 2011, p. 1)
 Ao afirmar que os indivíduos têm direitos, e que há coisas que nenhuma pessoa ou grupo pode fazer sem violá-los, Nozick está defendendo, como liberal que é, que os direitos individuais limitam o âmbito de ação estatal. Assim sendo, Nozick propõe uma concepção de Estado, na qual as funções estatais fiquem restritas à proteção dos direitos individuais (Cf. Nozick, 2011, p. 32). Para Nozick, qualquer proposta de Estado mais abrangente viola este limite moral. Contudo, é possível pensar num Estado mais amplo, mesmo a partir do viés liberal. O exemplo clássico é a teoria da justiça proposta por John Rawls, em Uma Teoria da Justiça (TJ).
Para Serge-Christophe Kolm (2000), John Rawls consegue reunir em sua teoria, de forma harmoniosa, aspectos fundamentais que definem os Estados liberais democráticos, tais como: o respeito aos direitos humanos e aos direitos civis de cada indivíduo, através da ideia de ajuda aos mais pobres. Ao contrário de Nozick que defende a ideia direitos individuais como limitadores do Estado, Rawls construiu uma ideia de justiça onde a relação entre o indivíduo e o Estado é concebida por meio de princípios que surgem em uma “posição contratual inicial”. Ou seja, o papel do Estado não é definido a priori, mas sim por meio de um processo construtivista, entre pessoas racionais, livres e iguais, que podem, em hipótese, desejar um Estado que corrija a desigualdade na sua fonte. Sobre a relevância do trabalho de Rawls, Kolm afirma.
 A mais célebre obra contemporânea sobre ética social é Uma Teoria da Justiça, de Rawls, livro que acabou por tornar-se um fenômeno social. [...] Além disso, se por um lado, os princípios de justiça propostos são realmente clássicos por consistirem, grosso modo, nos inalienáveis direitos humanos e civis que definem os Estados liberal-democráticos, na ideia de ajudar os pobres primeiro, que historicamente define as concepções de esquerda (ou cristãs), e no reconhecimento dos efeitos do desincentivo da redistribuição, que é um lugar-comum nos argumentos políticos e na economia, por outro lado,o modo como Rawls justifica essas concepções é, ao contrário, extremamente original, a despeito da sua modesta despretensão (KOLM. 2000, p.211)
 Nozick também partilha da mesma opinião de Kolm.
 Uma análise mais detalhada da recente contribuição de John Rawls ao debate sobre a justiça distributiva pode lançar mais luz sobre o assunto. A Theory of Justice é uma poderosa obra sobre filosofia política e moral, profunda, perspicaz, de grande envergadura e sistemática, possivelmente sem paralelo desde os escritos de John Stuart Mill. Trata-se de um manancial de ideias luminosas, reunidas de modo que forme um conjunto fascinante. Desde sua publicação, os filósofos políticos são a trabalhar dentro dos limites da teoria de Rawls ou, então, explicar por que não o fazem (NOZICK. 2011, p. 23).
 Nesta obra, John Rawls visa estabelecer princípios que devem nortear a justiça social e tenta demonstrar como isso refletira na sociedade. A teoria rawlsiana toma o conceito de equidade como um elemento ético essencial para balizar o agir das instituições que compõe as estrutura básica da sociedade, cuja principal delas é o Estado. Para Rawls, cabe a essas instituições o dever moral de minimizar as discrepâncias sociais, em prol do bem-estar de todos. A ideia de justiça proposta por Rawls se antecipa às instituições, e a sua real efetivação depende não apenas do Estado, mas também dos atores sociais que participam de uma única célula, chamada de posição original[1]. Na posição original, os participantes escolheriam os princípios de justiça sem qualquer intenção de adquirir vantagens ou benefícios sobre os demais, os princípios oriundos deste consenso teriam como fim último a justiça social. Deste modo, a sociedade poderia alcançar uma situação de igualdade e liberdade entre todos participantes da esfera social.
O que está em pauta até aqui, continua sendo a concepção de liberdade individual. Enquanto para Nozick, a liberdade individual é anterior ao Estado e limitador do mesmo, para Rawls a liberdade do indivíduo acontece justamente pelo fato dele ter a possibilidade de deliberar acerca do modelo de Estado que deseja. Para compreender a crítica de Nozick à concepção rawlsiana, temos que primeiro entender o construtivismo moral proposto por Rawls. O contraste entre os dois autores será fundamental para alcançarmos maior clareza quando tratarmos do ponto central desta pesquisa.
Para compreender o que estamos discutindo, precisamos distinguir dois conceitos que são básicos para o ponto, são eles: o conceito de justiça e o de direito positivo. A distinção que proponho é a mesma de Hans Kelsen. Quando menciono o conceito de justiça estou pensando no processo, ou no momento anterior, que dá origem e validade aos direitos positivos.  Já o direito positivo, nada mais é do que as normas elaboradas por uma determinada sociedade a fim de regular e organizar a vida em sociedade.
 O conceito de justiça deve ser distinguido do conceito de direito. A norma da justiça indica como deve ser elaborado o direito quanto o seu conteúdo, isto é, como deve ser elaborado um sistema de normas que regulam a conduta humana e que são global e regularmente eficazes, ou seja, o direito positivo. Visto a norma da justiça prescrever um determinado tratamento dos homens, ela visa - como já mostrou - o ato através do qual o direito é posto (KELSEN. 1979, p.89).
 O construtivismo, na filosofia prática, pode ser definido como um modelo de abordagem para questões morais, tanto com o intuito de explicitar pressupostos, como organizar, demonstrar ou tornar coerente um conjunto de valores e preceitos morais, ou seja, é um modelo de análise. Assim sendo, pode-se dizer que o construtivismo tem o intuito de argumentar quanto à validade dos valores e dos preceitos propostos por uma determinada teoria. Numa teoria moral, o construtivismo apresenta-se como um modelo de justificação[2] (Cf. FERREIRA. 2005 p. 8). A moralidade, a partir desta visão, é compreendida como uma resposta da racionalidade humana frente a problemas práticos. Os princípios morais, em uma teoria construtivista, são vistos como o produto de um procedimento, de uma construção da razão em seu uso prático. Isto é, a moralidade não é tomada como um conjunto de objetos dados – um fato da razão – onde os princípios morais seriam, simplesmente, “conhecidos” pela razão teórica, como no caso do realismo moral (Cf. KORSGAARD. 2003, p. 116).
Em O Liberalismo Político (LP), Rawls a fim de esclarecer sua concepção de construtivismo recorre a uma breve comparação com outra perspectiva metaética, o realismo moral. De maneira geral, Rawls define o realismo moral como uma concepção na qual os princípios morais dizem respeito a uma ordem independente de valores, não condicionada à inteligência humana, mas que, no entanto, pode ser intuída pelo indivíduo (Cf. RAWLS. 2000. p.136-137). Numa teoria construtivista os princípios morais ou políticos não são intuídos ou descobertos, mas, representados como resultado de um procedimento de construção. Neste procedimento, os agentes racionais, estão devidamente posicionados em uma situação adequada para escolha dos princípios, no caso rawlsiano os princípios de justiça. Os princípios decorrentes do procedimento de deliberação são frutos de uma razão prática.
Podemos observar que Rawls não se preocupa em negar ou discutir a possibilidade de um “reino de valores” independente, apenas se posiciona de maneira que, ainda que fosse possível um acesso privilegiado a verdades morais, isso não garantiria a validade objetiva destes princípios para todos numa sociedade (Cf. RAWLS. 2000. p.138-139). Para Rawls, é muito mais seguro e adequado que  a construção dos princípios de justiça que servem de parâmetro para as instituições e para o Estado, e garantem a liberdade do indivíduo, sejam oriundos de uma deliberação racional onde todos podem dar seu consentimento. Esses princípios seriam válidos para todos na sociedade justamente por terem sidos elaborados em uma situação adequada. Uma vez que os princípios de justiça são elaborados numa situação adequada, tais devem ser considerados como imperativos categóricos[3], pois, para um construtivista, o que justifica a validade universal dos princípios é o próprio procedimento.
Portanto, é correto dizer que o construtivismo rawlsiano busca, através de um procedimento de construção adequado, justificar a adoção de princípios de justiça que posteriormente serão aplicados à estrutura básica da sociedade. A objetividade moral para o construtivismo se dá por meio de um processo corretamente construído e aceitável por todos, livremente. Diferente do que faz o realismo moral, onde, os princípios morais são apreendidos por meio de “intuições racionais”. É possível dizer, a princípio, que a principal diferença entre Nozick e Rawls está na maneira pela qual os princípios morais que orientam a vida social são colocados.
Com base no liberalismo proposto por Rawls, eu posso pensar num processo deliberativo onde indivíduos racionais, livres e iguais podem, por meio de consenso, chegar a princípios morais que deixem mais espaço para intervenção estatal. Em Nozick não há esta possibilidade, os direitos individuais não são frutos de um consenso, são inatos, inalienáveis, anteriores ao Estado e, portanto, limitador da ação estatal. Em Rawls, a ideia de um Estado mediador dos conflitos lociais e redistributivo não implica, necessariamente, na ideia de violação moral, pois, pode ser o caso de que os princípios de justiça oriundos do processo de deliberação racional ofereçam legitimidade para uma política de distribuição de renda, a fim de diminuir as desigualdades sociais e econômicas.
 Na segunda parte de AEU, Nozick se dedica a refutar a ideia de justiça distributiva de Rawls[4]. Para Nozick, uma sociedade livre não deve contar com um mediador de trocas voluntárias e nem ter um distribuidor central de riquezas. Nozick, rejeita o construtivismo moral proposto por Rawls, e se aplica a contrapor a ideia de que um consenso social tenha legitimidade para produzir novos direitos. A teoria dos direitos de Nozick concentra-se em explicações, condições e justificativas bastante compatíveis com a tradição filosófica de John Locke.
 Uma vez que tanto as considerações da filosofia política quanto as de teoria política explicativa convergem para o estado de natureza de Locke, começaremos por ele. Só mencionaremos alguma divergência entre a nossa concepção e a de Locke quando ela for relevante para filosofia política e para o nosso debate sobre o Estado (NOZICK. 2011,p.10).
 Em Nozick, tantos os direitos e como a liberdade individual é de origem ontológica, isto é, está associada à natureza do ser humano. A concepção ontológica ou existencial, também é conhecida como jusnaturalismo. Norberto Bobbio, afirma que o jusnaturalismo, é uma concepção segundo a qual o ‘direito natural’ (ius naturale) existe e pode ser conhecido, ou seja, o jusnaturalismo defende a existência de um sistema de normas, de conduta intersubjetiva diverso do sistema constituído pelas normas fixadas pelo Estado (direito positivo). (BOBBIO, 1992, p. 655). Hans Kelsen, em A Justiça e o Direito Natural (1979), salienta que sobretudo do ponto de vista da doutrina jusnaturalista os direitos positivos são válidos apenas se corresponderem a direitos naturais, constituídos de um valor de justiça absoluto. 
Se pressupomos um tal direito natural, então uma norma do direito positivo que o contradiga não pode ser considerada válida. Somente podem valer as normas do direito positivo conformes ao direito natural. E se a norma de um direito positivo apenas vale na medida em que corresponda ao direito natural. É esta efetivamente a consequência da doutrina jusnaturalista que, ao lado ou por cima do direito positivo, afirma a validade de um direito natural e, ao proceder assim, vê neste direito natural o fundamento de validade do direito positivo (KELSEN. 1979, p. 6).

Serge Christophe Kolm, em Teorias Modernas da Justiça (2000), ao falar sobre as diferentes razões para se valorizar a liberdade, vai citar justamente a concepção ontológica de liberdade. Segundo Kolm, há uma grande tradição no pensamento filosófico que faz da liberdade a essência do homem. Esta tradição inclui autores como Rousseau, Kant, e Hegel (Cf. KOLM. 2000, p. 54). A ideia é de que a liberdade não seria apenas uma propriedade da natureza humana, mas sim, a matéria da qual o ser do indivíduo é constituído. Em termos clássicos, a liberdade é a essência da existência humana. A não-liberdade, portanto, é a negação da humanidade e a redução da pessoa a uma coisa (KOLM. 2000, p. 55).
Seguindo esta linha de pensamento, facilmente percebe-se que a diferença entre Rawls e Nozick. Enquanto para Rawls, os direitos individuais são oriundos de um processo deliberativo, em Nozick, os direitos decorrem exclusivamente da essência humana. Assim sendo, para ele, um princípio de justiça do mais alto valor político para sociedade é aquele se apresenta com base num sistema moral, em que a liberdade individual seja o valor supremo. A ideia de liberdade presente em Nozick, é de caráter puramente negativo. 
A segunda justificativa de Nozick para se contrapor ao pensamento de Rawls, decorre justamente da ideia negativa de liberdade, é o argumento da inviolabilidade do indivíduo. Para Nozick, os direitos individuais, que são inseparáveis da existência e da manifestação humana, só podem ser concebidos como imperativos quando o objetivo for constranger ou limitar o escopo de ações que os sujeitos podem empreender uns em relação aos outros, ou em relação às suas propriedades. Isto é, de maneira negativa. Em Nozick, a proteção dos direitos individuais se dá por meio de restrições indiretas, tais restrições são anteriores aos objetivos finais de cada um, e refletem o princípio kantiano de que os indivíduos são fins e não simplesmente meios, proibindo que os indivíduos sejam usados  como simples meio para realização de fins que não recebe seu consentimento. Em outras palavras, as restrições indiretas não proíbe qualquer ação desde que esta não viole certas restrições, isto é, todo indivíduo é livre para buscar seus objetivos finais, com quanto que não viole o direitos individuais dos outros (Cf. NOZICK, 2011, p. 37).
Para esclarecer o sentido em que emprega a relação de fins e meios em sua obra, Nozick usa como exemplo a utilização de uma ferramenta. Nozick afirma que não há restrições indiretas quanto ao modo de se usar uma ferramenta, e sim restrições morais no que se refere aos propósitos em que a utilizamos (NOZICK, 2011, p. 38). Apenas a título de ilustração, poderíamos citar o debate atual que ocorre, em parte da sociedade civil brasileira, acerca da legalização do porte de armas. O pensamento nozickiano, presente em AEU, nos daria base para afirmar que não cabe ao Estado restringir o porte de armas nem controlar o modo e a finalidade daquele que possui um armamento, desde que a utilização do armamento não viole os direitos naturais do outro. Isto é, cabe ao Estado impor restrições, por meio de leis, ao uso das armas de fogo em relação aos demais indivíduos, e punir estes quando a utilização violar os direitos individuais dos outros.
Pois bem, é importante continuar e aprofundar a linha de raciocínio desenvolvida até aqui para compreender o tamanho do distanciamento que há entre os autores em questão. Se para Rawls, o construtivismo moral representa a capacidade de seres racionais, livres e iguais, de produzirem direitos e normas para o convívio social e, em Nozick, mesmo a livre iniciativa de associação entre todos não legitima tal competência, seria possível dizer que Rawls é liberal clássico, enquanto Nozick seria um libertário ou anarcocapitalista[5]? Ter clareza sobre a posição que Nozick assume no debate político, nos ajudará a entender, mais a frente, a crítica que será feita ao tratarmos da questão da justiça distributiva, e as possíveis contradições nozickiana acerca em sua concepção de Estado.


[1] Para teoria rawlsiana de “justiça como equidade”, é imprescindível que os princípios norteadores sejam escolhidos a partir de uma posição original. De acordo com Rawls, somente a partir de uma situação inicial adequada é possível chegar a princípios equitativos para o pacto social. A posição original, em TJ, apresenta-se como um recurso procedimental cujo objetivo é garantir que o acordo seja realizado em condições equitativas, por cidadãos livres e iguais, sem influência de concepções particulares de bem. De acordo com Barry, a construção da posição original visa afiançar que as partes não adotem uma perspectiva parcial. Isto se realiza, se de fato os pactuantes não contarem com nenhuma informação acerca de suas próprias características distintivas (BARRY, 1997, p. 290). 
[2] O construtivismo insere-se, portanto, dentro de uma discussão filosófica acerca da natureza ou fundamentos de juízos morais, ou seja, numa discussão metaética.
[3] Rawls, no parágrafo 40 de TJ, afirma que os princípios de justiça também se apresentam como análogos a imperativos categóricos, e mais especificamente a concepção kantiana acerca deste conceito (Cf. RAWLS. 2002. §40. p. 277).
[4] Na primeira parte, Nozick tenta legitimar a existência de um Estado, rebatendo as alegações anarco-individualistas de que o Estado seria, por natureza, uma instituição imoral. Ele reconhece que a justificação lockeana do Estado não serve como argumento contra esse tipo de anarquismo, o qual defende alternativas não-estatais para lidar com os problemas sociais. Nozick trata da tese anarquista de que o monopólio do uso da força e a tarefa de proteção de todos que vivem no seu território implica necessariamente na violação, por parte do Estado, dos direitos individuais inatos, ou seja, se ocupa em demonstrar a legitimidade moral do Estado. Nozick sustenta, na primeira parte de AEU, que o Estado surgiria da anarquia, mesmo que ninguém tivesse a intenção de criá-lo, por meio de um processo que não violaria os direitos dos indivíduos, o que o tornaria imoral. Nozick afirma. “contra essa tese, argumento que um Estado surgiria da anarquia (do modo como a representa o estado de natureza de Locke), mesmo ninguém tivesse tal intenção ou tentasse criá-lo por meio de um processo que não violaria os direitos de ninguém” (NOZICK. 2011, XII).
 [5] Gostaria de deixar claro que não é minha intenção adentrar, de maneira mais detalhada, nesta querela semântica dos liberais. Tenho consciência das inúmeras concepções divergentes em relação aos conceitos de liberalismo clássico e libertarianismo. Contudo, para que tenhamos clareza na discussão do ponto que estou a tratar, devo esclarecer a que me refiro, ao menos em geral, quando utilizo os termos, “liberalismo clássico” e “libertário”. Quando diferencio os liberais clássicos dos libertários, traço uma divisão mais ampla entre eles, na qual um se refere a um individualismo mais rigoroso e o outro a uma possibilidade de coletivismo. Os libertários, assim como os liberais, são favoráveis  à liberdade individual. Contudo, na maioria das vezes os liberais reconhecem a importância da presença do Estado em algumas áreas da sociedade e os libertários não, de modo que as diferenças são de natureza prática. O liberalismo clássico é mais coletivista, pois, de uma forma ou de outra, o liberalismo pensa em uma espécie de entidade social a ser beneficiada ou prejudicada pelas normas a serem praticadas. Ainda que o liberalismo clássico seja pró-livre mercado, pró-propriedade privada, e pró-liberdade, ele também visa benefícios para uma coletividade, e não pensa apenas no indivíduo como um fim em si mesmo. Alguns autores liberais: John Rawls, Ludwig Von Mises, Milton Freedman. Por libertarianismo entendo a rigorosa defesa dos direitos individuais, sem nenhuma concessão ou espaço para se pensar no bem-estar social como uma obrigação moral. Reservo o termo “libertário” para aplicá-lo aos individualistas, isto é, teóricos que consideram os direitos individuais, tal como o direito à liberdade e à propriedade privada, como absolutos, e não como meios para favorecer alguma entidade social. Alguns pensadores libertários: Ayn Rand, Max Stirner, Murray Rothbard e Robert Nozick.