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sábado, 22 de abril de 2023

ÉTICA EM PLATÃO

I. ÉTICA EM PLATÃO - RELAÇÃO DE TEORIA DO CONHECIMENTO E TEORIA ÉTICA


Mundo das ideias : Platão foi um filósofo que se dedicou ao estudo de diversas áreas. Seus diálogos abordam temas como epistemologia, política, estética, ética, metafísica, entre outros. Este texto possui um foco particular, que é apresentar as principais características do Mundo das Ideias, um dos principais pilares da filosofia platônica. O Mundo das Ideias parece surgir para Platão como uma proposta reflexiva que sintetiza estas oposições anteriores. Platão compreende que existem dois planos distintos: um deles é estável, o outro instável. O que o filósofo chamou de Mundo das Ideias é imutável, eterno e real, e opõe-se ao Mundo Sensível, em que os objetos são passageiros, caracterizados pela mutabilidade e ilusórios. Este último é o mundo das aparências, das cópias imperfeitas daquilo que se encontra no Mundo das Ideias que, por sua vez, é o mundo da Episteme(verdades) e o Mundo Sensível o mundo traçado pela doxá (opinião), através do qual, portanto, não se atinge a verdade. Isto significa que no primeiro mundo as coisas existem em sua essência e como absolutas, enquanto no segundo, apenas existem de maneira aparente, não como realmente são em si.

O Mundo Sensível é o mundo que apreendemos, que sentimos e que vivemos. Neste plano existem apenas cópias das Formas verdadeiras que se encontram no Mundo das Ideias. Para Platão, a razão é o instrumento que possibilita o conhecimento das verdades eternas que se encontram no referido mundo perfeito. Através do exercício intelectual, o homem pode relembrar verdades que já se encontram em seu íntimo e que foram anteriormente assimiladas pela alma no Mundo das Ideias. Primeiramente, é importante esclarecer que este tema é tratado em mais de um diálogo platônico e consiste em um dos principais fundamentos do pensamento do filósofo. Para entender as razões que possivelmente motivaram Platão a desenvolver esta parte de sua filosofia, precisamos resgatar alguns aspectos do pensamento pré-socrático, tendo como foco, especialmente duas propostas feitas por dois pensadores específicos que antecederam Platão: Heráclito e Parmênides. O primeiro, em suas tentativas de buscar elementos que explicassem a natureza, entendeu e afirmou que a realidade que o cercava era aparente, ou seja, estava em constante transformação (devir).

Em oposição, Parmênides assegurou que a realidade não se altera e negou a ideia de movimento contínuo da natureza.  Estas aparências encontradas no Mundo Sensível teriam sido criadas por um ser superior chamado por Platão de Demiurgo (que seria um artesão). Este, teria montado um mundo imperfeito que copia as formas perfeitas e, assim, as essências existentes neste plano ideal proposto por Platão possuem a forma primordial da qual se originam as coisas que o homem conhece através da realidade sensível. Ou seja, há uma forma da qual tudo se origina. Por exemplo, pensemos em uma caneta: por mais que haja uma variedade de modelos deste mesmo objeto, ainda assim, existe uma “ideia primordial” básica do que ela é, quer dizer, há uma ideia de caneta. Para ilustrar este pensamento, Platão utilizou-se de uma alegoria que se tornou conhecida como “Alegoria da Caverna” ou “Mundo da Caverna”. Neste texto metafórico, conta que havia uma caverna na qual muitos prisioneiros, desde seus nascimentos, lá viviam acorrentados. Viam sempre sombras projetadas nas paredes que eram formadas pela luz de uma fogueira, e acreditavam que as imagens que elas formavam era a realidade. Mas supõe-se que um dos homens da caverna consegue escapar daquele local, e sair de tal ambiente.

Quando chega ao mundo externo, a verdadeira luz quase a cega. Seus olhos doem, mas ele se adapta. Logo percebe que sempre viveu acorrentado numa ilusão que acredita ser uma verdade absoluta. Lá fora, ele vê os verdadeiros seres cujas imagens projetavam-se de maneira distorcida no interior da caverna. Ele decide voltar e partilhar seu conhecimento com os outros homens que ainda estão acorrentados. No entanto, estes homens zombam dele e não acreditam em seu relato. Suponha que a caverna seja esta dimensão em que vivemos e que, muitas vezes julgamos ser a realidade (Mundo Sensível). Em contraponto à este plano de distorções e de sombras, existe uma realidade em si com objetos reais tal como o são verdadeiramente. Este seria o Mundo das Ideias. Ressalte-se que o Mito da Caverna possui outras interpretações além desta que foi exposta, mas certamente, apesar de tais divergências interpretativas, simboliza muito claramente a base da Teoria das Ideias. 

 

ÉTICA DE PLATÃO

 

Platão propõe uma ética transcendente, dado que o fundamento de sua proposta ética não é a realidade empírica do mundo, nem mesmo as condutas humanas ou as relações humanas, mas sim o mundo inteligível. O filósofo centra suas indagações na ideia perfeita, boa e justa que organiza a sociedade e dirige a conduta humana. As Ideias formam a realidade platônica e são os modelos segundo os quais os homens têm seus valores, leis, moral. Conforme o conhecimento das ideias, das essências, o homem obtém os princípios éticos que governam o mundo social. O uso reto da razão é entendido como o meio de alcançar os valores verdadeiros que devem ser seguidos pelos homens. No mito da caverna, o filósofo expõe a condição de ignorância na qual se encontra o homem ao lidar com o conhecimento das aparências.

 Somente pelo conhecimento racional o homem pode elevar-se até as Ideias, até o Ser e conhecer a verdade das coisas. Isto se dá através do método dialético, o qual elimina as aparências e encontra as essências, a verdade no conhecimento das coisas. Este método filosófico tem por finalidade libertar os homens da ignorância e levá-los ao conhecimento de ideia em ideia, até alcançar o conhecimento da Ideia Suprema: o Bem. As outras ideias participam desta e devem sua existência a esta. O Bem ilumina o ser com verdade, permitindo que seja conhecido, assim como o Sol ilumina os objetos e permite que sejam vistos – nota-se aqui a analogia entre Bem e Sol apresentada no mito da caverna. Existem diversas ideias e é devido à participação nestas, mesmo que enquanto cópia imperfeita, que se fez possível o mundo sensível. Ao contemplar a ideia do Bem, o homem passa a sofrer as exigências do Ser, isto é, suas ações devem ser pautadas conforme a ideia contemplada. A alma humana – de suma relevância para a ética platônica- é tripartite, isto é, forma-se pela inteligência, pela irascibilidade e pela concupiscência. Tal como as partes da cidade ideal, cada uma das partes da alma possui suas funções específicas que não podem ser exercidas por nenhuma das outras partes. Cada uma das partes da cidade e, por analogia, cada uma das partes da alma, possui uma função própria a qual pode ser executada com excelência ou não, e, ao executá-la com excelência, sua virtude própria é exercida.

A virtude é definida, pois, como capacidade de realizar a tarefa que lhe é inerente. No caso do governante da cidade e da alma racional, a virtude inerente aos mesmos é a sabedoria; no caso dos guerreiros e da parte irascível da alma, a virtude que lhes é própria é a coragem; por fim, no caso da parte concupiscente da alma e dos produtores de bens da cidade, a virtude própria é temperança. Dada a posição de cada classe, pode-se definir a justiça como cada parte fazendo o que lhe compete, conforme suas aptidões. Portanto, ao estabelecer uma relação de analogia entre a sociedade e indivíduo, Platão define o conceito de justiça – o qual seria também concebido como princípio de equilíbrio do indivíduo e da sociedade – e o liga ao conceito de virtude. O sentimento de justiça é, pois, a virtude maior cujo valor ético guia as condutas dos homens. Para que esta virtude seja alcançada, o homem deve buscar o bem em si mesmo, porque ele realiza o ideal de justiça, tanto com relação ao bem individual quanto social. A ética platônica ocupa-se com o correto modo de agir e sua relação com o alcance da felicidade. Contudo, o discurso ético apresentado na República acerca da felicidade relaciona está com o conceito de justiça.

O problema da justiça enquadra-se no âmbito político, o qual tem estreita relação com o campo da ética: é deste modo que surge a tese central de que só o justo é feliz. No diálogo República, buscando a constituição da cidade ideal, surge o problema cerne acerca da definição da justiça para que se pudesse, posteriormente, definir o que é a justiça tanto no indivíduo quanto no Estado. Há, pois, um paralelo entre Estado e indivíduo a fim de que se encontre a definição de justiça. Para Platão, a sociedade seria como algo orgânico e bem integrado, como uma unidade construída por vários elementos independentes, embora integrados. A cidade forma-se por três classes, como já apontamos, e cada classe possui sua função específica. Deve-se notar que tais funções são determinadas conforme as aptidões naturais de cada membro da cidade. O objetivo desta divisão é mostrar com mais clareza como ocorre o mesmo na alma humana.

A finalidade da cidade justa e boa é, então, propiciar a felicidade do indivíduo ao viabilizar a prática de suas virtudes, de suas aptidões específicas. Devemos ter em mente que a virtude correspondente a cada classe da cidade e a cada parte da alma humana deve ser ensinada visando a realização do ideal da polis. Esta educação embasa-se no método dialético ascendente, o qual liberta o homem dos sentidos e o eleva até o mundo inteligível, até o ponto mais claro do Ser, a ideia do Bem. Após contemplar o Bem diretamente, o filósofo deve retornar à cidade que lhe propiciou educação de modo a guiar os outros cidadãos da ignorância ao conhecimento racional. As ideias – das quais se originam as cópias sensíveis – são, pois, existentes em si e por si, são realidades universais, eternas, imutáveis. Por tais motivos, são os modelos a serem seguidos, são paradigmas para a construção da cidade ideal e para a educação moral, política e espiritual do homem. Além do mais, são ordenadoras do cosmos. Fica evidente que a proposta de Platão se liga, principalmente, às ideias de Justiça e do Bem – este último é o supremo valor que sustenta a justiça com relação à organização política e à conduta individual. O equilíbrio entre as três partes componentes da alma e da cidade gera equilíbrio, harmonia e leva à felicidade. Assim, Platão busca por definições gerais, universais, imutáveis, eternas, existentes por si mesmas: as Ideias. Como veremos adiante, tal busca é oposta à busca aristotélica pela virtude ligada à aplicabilidade desta.

 

 A TEORIA DA ALMA

 

 Platão (428-348 a.C.) foi discípulo de Sócrates e escreveu trinta diálogos considerados autênticos. Hoje conhecemos a figura de Sócrates graças aos seus diálogos, que faziam dele seu personagem principal. Platão fundou a primeira escola conhecida no mundo ocidental na cidade de Atenas em 387 a.C, chamada Academia, em homenagem ao herói Grego Academus, que lutou na guerra de Tróia. Seu verdadeiro nome era Aristócles, mas foi apelidado de Platão devido aos seus ombros largos.   Era um homem rico e fazia parte da aristocracia que governava a Grécia. Seu pai, Aristão, tinha o rei Codros como seu antepassado e sua mãe, Perictione, foi parente de Sólon.        O pensamento de Platão  foi muito influenciado pelas filosofias de Heráclito e Parmênides. Ele procurou reconciliar ambas as posições. Foi da controvérsia dessas duas filosofias que surgiu a “teoria das idéias”, núcleo central de sua filosofia. O problema que Platão propõe a resolver é o conflito “irreconciliável” entre a teoria da mudança em Heráclito e Parmênides. 

Para Heráclito,  no universo não há nada acabado, fixo e estável, tudo está em permanente mudança. Sua metafísica identifica o Ser com o Não-Ser. Se o mundo é devir, vira-se,  não existe um Ser fixo, estável,  ele está sempre se transformando, é sempre impermanente.   Já para Parmênides,  as coisas que existem têm múltiplas características, são pequenas, grandes, coloridas, pesadas, leves, são diferentes, como homem, animal, água, fogo, etc. Se usarmos a intuição e o raciocínio, perceberemos que há uma propriedade fixa em todas as coisas: elas “são”. Para Parmênides, o ser é uma propriedade de todas as coisas. Tudo que existe tem “Ser”. O Ser  é fixo, eterno, imutável, infinito. Dessa forma, as mudanças e transformações que ocorrem na natureza são uma ilusão de nossa percepção, pois algo que é não pode deixar de ser, e algo que não é,  não pode vira-se, portanto, não há mudança.    

Para reconciliar ambas as teorias, Platão mostrou-nos que todos nós estamos sempre em contato com duas realidades: uma inteligível e outra sensível. A primeira é permanente, universal, nunca se modifica, é o mundo das ideias. A segunda,  é o mundo que percebemos por nossos sentidos, mutável e contingente, o mundo sensível.  Platão demonstra que o mundo tem uma forma a priori, uma estrutura inteligível.  “Através dos diálogos, Platão vai caracterizando essas causas inteligíveis dos objetos físicos que ele chama de ideias ou formas. Elas seriam incorpóreas e invisíveis – o que significa dizer justamente que não está na matéria a razão de sua inteligibilidade. Seriam reais, eternas e sempre idênticas a si mesmo, escapando a corrosão do tempo, que torna perecíveis os objetos físicos. Merecem por isso mesmo, o qualificativo de ‘divinas’ (…). Perfeitas e imutáveis, as ideias constituiriam os modelos ou paradigmas dos quais as coisas materiais seriam apenas cópias imperfeitas e transitórias. Seriam, pois, tipos ideais, a transcender o plano mutável dos objetos físicos.” (Pessanha, 1987, XVI-II).  

 A teoria das ideias de Platão está diretamente ligada a sua teoria da alma.   Na parte IV , do seu livro “República”,  Platão concebe o homem como corpo e alma. Enquanto o corpo modifica-se e envelhece, a alma é imutável, eterna e divina. A alma inteligente presa ao corpo um dia foi livre e contemplou o mundo das ideias, mas as esqueceu. É somente através da busca do conhecimento, através de um processo de recordação, de reminiscência,  o homem pode lembrar-se das ideias que um dia contemplou.   A realidade sem forma, sem cor, impalpável só pode ser contemplada pela inteligência, que é o guia da alma. Platão divide a alma em três partes. O lado racional está localizado na cabeça, seu objetivo é controlar os dois outros lados, com ele adquirimos a sabedoria e a prudência. O lado irascível está localizado no coração, seu objetivo é fazer prevalecer os sentimentos e a impetuosidade, com ele adquirimos a coragem.

Por último, temos o lado concupiscente que está localizado no baixo-ventre, seu objetivo é satisfazer os desejos e apetites sexuais, com ele adquirimos a moderação ou a temperança.  No Mito do Cocheiro, no diálogo “Fedro”, Platão compara a alma a uma carruagem puxada por dois cavalos, um branco (irascível) e um negro (concupiscível). O corpo humano é a carruagem, e o cocheiro (Razão) conduz através das rédeas (pensamentos) os cavalos (sentimentos).  Cabe ao homem através de seus pensamentos saber conduzir seus sentimentos, pois somente assim ele poderá se guiar no caminho do bem e da verdade. Platão afirma,  que não podemos ser felizes quando somos dominados pela concupiscência e pela cólera, isso porque as paixões sempre nos conduzem por caminhos perigosos e contraditórios e fazem com que os desejos e impulsos violentos de nosso corpo tirem nosso bom senso.  Já dizia Sócrates que todo vicio é ignorância.

Não há nada mais deprimente do que uma pessoa que age por impulsos e é dominada pelas paixões. Ter autocontrole é essencial para sermos felizes. A felicidade só pode ser alcançada se formos capazes de dominar nossos sentimentos pela razão. A moderação é uma virtude,  e ela se realiza quando somos capazes de controlar a nossa concupiscência. O indivíduo moderado é aquele que não cede as suas paixões, impulsos e prazeres. Da mesma forma,  o indivíduo não se lançara a luta e a agressão indiscriminadamente, uma vez que a razão deve saber discernir o que é bom e mal para nossa vida, sabendo dominar a nossa alma irascível. Dessa forma, seremos felizes se através da razão soubermos controlar nossa vida, pois a virtude natural da razão é o conhecimento.

 

SINOPSE DA OBRA FEDÓN

 

 A tarefa do filosofo é a busca da verdade, e esta implica na libertação progressiva de toda a materialidade. O filosofo não deve temer a morte, já que está lhe permite alcançar toda a verdade. A vida do filosofo é a busca do desprendimento total do corpo, pois este constitui um obstáculo ao conhecimento, dado que o filosofar consiste em desprender a alma dos impulsos e desejos do corpo; O conhecimento das coisas em si não se alcança pela percepção sensível, e sim pelo pensamento; O conhecimento total da verdade só se dá após a vida, quando a divindade nos liberta do corpo, e em vida o conhecimento só é possível abstendo-se de todo o comércio com o corpo; O filosofo aspira libertar a alma do corpo e sua tarefa é operar esta libertação. Sendo assim, seria absurdo que o filosofo se indignasse na hora da morte. No entanto, é ilegítimo o desejo do suicídio, pois os homens pertencem aos Deuses. Ninguém deve partir da vida sem ser forçado pela divindade.

A causa da ilegitimidade do suicídio e o objeto da filosofia implicam na natureza simples da alma – para que esta possua identidade com as essências -, na sua preexistência à vida e na sua imortalidade. Argumentos à imortalidade, à preexistência, e à natureza simples da alma. Teoria dos Contrários – A lei geral da natureza (Devir  Heraclitiano) mostra que todo o contrário surge do seu contrário: o feio do belo, o pequeno do grande, etc.; assim a morte nasce da vida e a vida desta, caso contrário, não sendo desta maneira, haveria uma negação da lei geral da natureza. Se assim não fosse, o universo imobilizar-se-ia. Então, os vivos nascem dos mortos, e vice e versa; e, para isso as almas devem preexistir em algum lugar antes de regressarem à vida. A alma é princípio de vida. Teoria das Reminiscências – Pelos sentidos observa-se a existência de coisas, mas que, no entanto, não são perfeitas como a noção que temos delas; as coisas não são perfeitas como suas ideias.

A alma como pensamento identifica-se com as ideias imutáveis e imperecíveis. Admite-se que a alma contemplou as essências numa outra vida ideal (Topos Uranos), e que, depois de sua ligação ao corpo, é necessário recordar o que se encontra num estado latente – Conhecer é recordar; para lembrar-se de algo é necessário que se tenha sabido no passado. A percepção sensível de um objeto nunca coincide com ideia pura. A ideia é anterior, portanto, não deriva do objeto, e sim, esses apenas a despertam, mas, não as geram; A realidade sensível desperta a realidades inteligíveis que foram contempladas no mundo ideal, antes da ligação da alma com o corpo. Teoria das Ideias e da Simplicidade da Alma, e sua Identidade com as Ideias – As ideias, realidades inteligíveis, são eternas e isentas de composição; em oposição ao sensível que é composto e destrutível; A alma não é composta, é simples, indestrutível como as ideias são; as essências não estando sujeitas a mudanças permanecem na identidade: o belo em si; os seres chamados belos nunca permanecem na identidade: O homem, o cavalo, etc.; as essências são, somente, apreendidas pelo pensamento.

Os objetos, os seres belos, são apreendidos, somente, pelos sentidos. Há duas espécies de seres: os visíveis, que não permanecem do mesmo modo, e os invisíveis, que são imutáveis. O corpo identifica-se com o visível e a alma com o invisível; O espírito que conhece (alma ou pensamento) e as ideias são semelhantes, pois que se identificam; O semelhante só pelo semelhante pode ser conhecido. Se as ideias são eternas, a alma que as conhece também é eterna e como tal, imperecível. A existência terrena consiste na união da alma com o corpo e a morte significa, apenas, a decomposição do que é composto (corpo), e não do que é simples (alma). O corpo se identifica com o mortal e a alma com o divino. Objeções de Símias e Cebes, que aceitaram o argumento da reminiscência, admitindo a preexistência da alma, mas não sua imortalidade.

Símias, e Argumento da Lira: as almas são produto da matéria e deixam de existir quando a matéria é destruída, tal como a destruição da lira implica necessariamente a destruição da harmonia, produzida pela lira. A alma ou pensamento é um epifenômeno, um fenômeno originado de uma causa primária. Sócrates, em resposta a Símias: A lira é anterior à harmonia, e por isso, a lira é o fundamento da harmonia; a alma é anterior ao corpo, então, esta não poderia ser harmonia do corpo. A alma é anterior ao corpo admitindo o argumento da reminiscência, portanto sendo anterior ao corpo a alma não poder ser causada por ele, como a harmonia é o efeito da lira. Cebes, e Sua objeção: A demonstração de que a alma é resistente e divina e de que preexiste ao corpo não implica na sua imortalidade, mas, apenas a sua longa duração.

Sócrates, em resposta a Símias: Diz ter examinado as causas que dizem respeito à geração e destruição para que pudesse demonstrar o lugar da alma na sucessão dos contrários; Estudou durante anos a natureza para descobrir o motivo do nascimento, a vida e a morte dos vários seres. No entanto, as explicações e o método utilizado pelos físicos não o satisfizeram porque eles confundiam a causa com o efeito. A filosofia de Anaxágoras ao se referir à ação do espírito ordenador e causa de tudo o que existe, permitiu-lhe a superação das explicações dos físicos. Mas Anaxágoras se desviou do caminhou que havia traçado, e acabou por cair nas explicações físicas tradicionais. A explicação da ordem do universo tem de ser da mesma natureza do espírito, inteligível. Anaxágoras falseou a estrutura da explicação inteligível quando passou do plano da causalidade inteligível ao plano da causalidade física – da causa espiritual aos meios de execução.

Portanto, o espírito é o ordenador da natureza; A realidade sensível só pode ser explicada pela vinculação ao inteligível. É por causa do belo que as coisas belas são belas; nada mais torna bela a coisa do que a presença ou participação daquele belo, realizada de qualquer modo que seja. Desenvolvimento à Teoria dos Contrários. Sócrates, ainda, em resposta a objeção de Cebes: Os contrários não podem subsistir simultaneamente, a grandeza em si não aceita ser grande e pequena ao mesmo tempo. Está informação não contradiz o primeiro argumento dos contrários (de que a origem dos contrários são seus contrários). Afirmar que de uma coisa contrária nasce outra contrária é diferente de afirmar que o próprio contrário não pode ser contrário de si mesmo. Ou seja, afirmar que, pelo fato de o corpo humano passar da vida à morte, não significa que a vida, como essência, torne seu contrário. A essência da alma é ser vida e exclui o seu contrário que é a morte. A alma que é da mesma natureza das essências imortais é imortal e indestrutível.

O Destino das Almas e a Apologia à Filosofia, o Mito. Se a alma é imortal que tipo de vida leva para além da morte? Nem a razão nem a experiência poderão responder a esta dúvida. Segue, então, o recurso ao mito para explicar o destino das almas: se a alma é imortal, exige da parte dos homens algum cuidado. A única possibilidade de fugir ao mal é adquirir a sabedoria no mais alto grau e a preocupação permanente com a moral. A filosofia é libertadora porque o objeto da sua reflexão é, apenas, o inteligível, o invisível; é a preparação para morte. A alma do filosofo ligar-se-á ao que tem afinidade com ela, ao que lhe é semelhante. A alma dos bons, depois da morte do corpo, vai para o que se lhe assemelha, para o invisível, divino e imortal. Mas nem todas as almas têm o mesmo destino. As que viveram segundo paixões, terão de expiar o gênero de vida censurável que antes tiveram, vagando até que reencarne, de novo. As almas têm o destino em conformidade com os seus costumes. Aproximar-se da espécie dívida só é permitido a quem amou a sabedoria e não àquele que não se preocupou com sua purificação.

 

O MITO DO COCHEIRO

 

No Mito do Cocheiro Platão nos conta: “A diferença entre a alma imortal dos deuses e a alma imortal dos homens é que os cavalos e cocheiros das almas divinas são bons e de boa raça. Os das almas humanas, mestiços. O cocheiro que os governa, conduz uma parelha na qual um dos cavalos é bom e de boa raça, enquanto o outro é de má raça e natureza contrária. Assim, conduzir o nosso carro é ofício difícil e penoso. Nosso carro é puxado para cima por um dos corcéis, mas puxado para baixo pelo outro. A luta da parelha força o cocheiro a olhar os cavalos e não o abismo. A parelha machuca, o cocheiro tem as mãos feridas pelas rédeas que puxam em direções contrárias, carros chocam-se com outros e vão perdendo a força, caindo, até que o carro, pesado, caia no abismo.  O cavalo branco tem o corpo harmonioso e bonito; pescoço altivo e focinho curvo, cor branca, olhos pretos; ama a honestidade e é dotado de sobriedade e pudor, amigo como é da opinião certa.

Não deve ser fustigado e sim dirigido apenas pelo comando e pela palavra. O cavalo negro é torto e disforme; segue o caminho sem firmeza; com o pescoço baixo, tem um focinho achatado e a sua cor é preta; seus olhos de coruja são estriados de sangue; é amigo da soberba e da lascívia; tem as orelhas cobertas de pelos. Obedece a contragosto ao chicote e ao açoite. “No mito o Cocheiro representa a vontade, os Cavalos as Forças Positiva e Negativa e o Carro representa a matéria ou o plano material. Ou seja, a Vontade (Cocheiro) se utiliza dos Cavalos (Forças) para puxar o Carro (Matéria/Intento). O Cocheiro é a vontade humana que mediante a força vital (Cavalos) move o corpo físico (Carroça). 


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A ética aristotélica inicia-se com o estabelecimento da noção de felicidade. Neste sentido, pode ser considerada eudemonista por buscar o que é o bem agir em escala humana, o agir segundo a virtude – diferentemente de Platão, que buscava a essência das ideias de felicidade e da ideia do Bem sem relacioná-las diretamente à prática. A felicidade é definida como uma certa atividade da alma que vai de acordo com uma perfeita virtude. Partindo dessa definição, faz-se necessário um estudo sobre o que é uma virtude perfeita e, assim, faz-se necessário, também, o estudo da natureza da virtude moral.
A virtude é definida pelo Estagirita como hábito ou disposição racional constante, sendo a virtude o hábito torna o homem bom e o capacita na boa execução de sua função. Esta definição se mostra oposta à de Platão: a virtude é definida como capacidade de realizar uma função determinada, inerente a alguma parte da alma humana ou da cidade ideal.
A virtude moral é consistida por uma mediedade relativa a nós e o filósofo define- a como disposição – já que não podem ser nem faculdades nem paixões – para agir de forma deliberada, sendo que a disposição está de acordo com a reta razão. Após estabelecer a virtude moral como uma disposição – héxis – ou seja, como se dá o comportamento do homem com relação às emoções, há ainda a necessidade de que a diferença específica entre virtude moral e virtude intelectual seja explicitada. O Estagirita, em contrapartida às visões de Sócrates e Platão, atribui um papel importante dos sentimentos no âmbito ético, pois esta parte emocional da alma também é responsável na formação das virtudes, quando em conformidade com a parte racional.
O que distingue as duas espécies de virtude é a mediania. A virtude intelectual é adquirida através do ensino, e assim, necessita de experiência e tempo. A virtude moral é adquirida, por sua vez, como resultado do hábito. O hábito determina nosso comportamento como bom ou ruim. É devido ao hábito que tomamos a justa-medida com relação à nós. Logo, a mediania é imposta pela razão com relação às emoções e é relativa às circunstâncias nas quais a ação se produz.
Nenhuma das virtudes morais surge nos homens por natureza – ao contrário da visão inatista platônica – porque o que é por natureza não pode ser alterado pelo hábito, a natureza nos capacita em receber tais virtudes e esta capacidade em recebê-las é aperfeiçoada pelo hábito. Virtudes e artes são adquiridas pelo exercício, ou seja, a prática das virtudes é um pré-requisito para que se possa adquiri-las. Sem a prática, não há a possibilidade de o homem ser bom, de ser virtuoso.
Neste ponto da exposição aristotélica, podemos notar outra oposição com relação à ética platônica: conforme esta, o homem só pode ser bom e virtuoso ao contemplar a ideia do Bem – o que aponta para a diferença entre as concepções idealistas/racionalistas apresentadas por Platão e as concepções realistas/empiristas expostas pelo peripatético. Aristóteles critica a identificação feita por seu mestre entre virtude e conhecimento, de modo que conhecer a essência da Justiça implicaria em ser justo, haja vista que são identificados. Assim, o conhecimento da ideia do Bem seria a condição para o bem agir, e a virtude consistiria em somente um tipo de conhecimento teórico, conforme a crítica feita pelo Estagirita. Este afirma que a razão não é a única a atuar na determinação da boa conduta, devendo-se levar em conta os sentimentos por auxiliarem na formação das virtudes, além do fato de que as virtudes implicam uma atividade racional.
Como vimos, as virtudes morais são vistas como produto do hábito, consequentemente não são tomadas como inatas – como o fizeram Sócrates e Platão. Ao considerar as virtudes morais como adquiridas, há uma implicação de que o homem é causa de suas próprias ações, responsável por seu caráter – por esse motivo a ação precede e prevalece sobre a disposição – o que refuta a ideia platônica de que o homem que age mal, o faz por ignorância, pois o mal é a ausência do bem. Está na natureza das virtudes a possibilidade de serem destruídas pela carência ou pelo excesso e cabe à mediania preservar as virtudes morais e também diferenciá-las das virtudes naturais. Pode-se notar, pois, que a ideia de justa-medida preconiza que qualquer virtude é destruída pelos extremos: a virtude é o equilíbrio entre o sentir em excesso e a apatia. Portanto, fica evidente que a virtude busca pela harmonia – e esta é dada pela razão entre as emoções extremas. O meio-termo é experimentar as emoções certas no momento certo e em relação às pessoas certas e objetos certos, de maneira certa. Isso é a mediania, é a excelência moral, a qual diverge da noção platônica de excelência moral, que seria cada parte da alma exercer sua tarefa própria da melhor maneira possível, com excelência para exercer sua respectiva virtude.
Ao propor a mediania como gênero de virtude moral, como regra moral, o Estagirita retornou à sabedoria grega clássica, porque esta indicava a mediania como a regra de ouro do agir moral. A mediania tem o aspecto de não silenciar as emoções, mas buscar a proporção e, devido a essa proporção, a ação será adequada sob a perspectiva moral e, concomitantemente, a ação ficará ligada às emoções e paixões – contrariamente à doutrina platônica, na qual a ação moral tem uma relação intrínseca com a contemplação do Bem. De acordo com Aristóteles, a posição de meio é o que tem a mesma distância de cada um dos extremos. Com relação a nós e sempre considerando nesse viés, meio é o que não excede nem falta. Aqui fica evidente que o “meio” se dá em relação ao agente, pois não é válido para todos.
A virtude moral deve possuir a qualidade de visar o meio-termo por se relacionar com as paixões e ações. Nas ações e paixões, por sua vez, existem a carência, o excesso e o meio-termo. As ações e os apetites não tem, em sua natureza, algo que determine sua tendência para a falta ou para o excesso. Por sua vez, a tendência à mediania expressa a virtude moral, expressa a excelência da faculdade desiderativa da alma. O que nos faz tender à mediania é a educação e a repetição de atos bons e nobres. Por conseguinte, o hábito é desenvolvido e visa a mediania. Esta, por sua vez, é determinada segundo um princípio racional. Pode-se notar que, para Aristóteles, a virtude é uma espécie de mediania já que visa o meio-termo e que é vista como disposição de caráter que tem relação com a escolha dos atos e das paixões. A justa-medida é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. Assim, ao buscar pela essência da virtude, por sua definição, Aristóteles define-a como mediania.
O Estagirita afirma que sua investigação acerca da virtude não é de cunho exclusivamente teórico, como a realizada por Platão, mas a investigação se dá com a finalidade de que os homens tornem-se bons – pois cabe à mesma ciência, ou seja, à Ciência Política, tanto o conhecimento das virtudes quanto a função de fazer com que os homens se tornem bons. Logo, busca-se a definição de virtude e sua aplicação nos fatos particulares.
A virtude é um meio-termo entre dois vícios. Um desses vícios envolve o excesso e o outro vício envolve a carência. Logo, cabe à virtude e à sua natureza visar a mediania tanto nas ações – embora algumas ações não permitam um meio-termo por seus próprios nomes já implicarem, em si mesmos, maldade – quanto nas paixões. Um dos extremos – entre os quais a mediania se localiza – é mais equivocado que o outro. Deve-se, portanto, estar atento aos erros para os quais tem-se maior facilidade para ser arrastado. Pode-se saber para qual erro se é arrastado ao se analisar o prazer e o sofrimento acarretado pelo mesmo. Ao descobrir para qual erro se tende mais, deve-se ir em direção oposta, ao outro extremo para que se chegue ao estado intermediário e, consequentemente, afastar-se do erro.
Em todas as coisas, o meio-termo é digno de ser louvado. Contudo, ora deve-se inclinar no sentido do excesso, ora da falta com a finalidade de se chegar mais facilmente ao que é correto e ao meio-termo. Ao longo das exposições acerca das perspectivas éticas de Platão e Aristóteles, podemos perceber convergências e divergências, sendo que estas foram explicitadas de modo geral.