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sábado, 29 de janeiro de 2011

DO SONHO À PALAVRA: HEINRICH VON OFTERDINGEN




Autor: Alexandre Witallo Dos Santos Escatambulo Graduando em Filosofia na Universidade Estadual de Londrina

I

Novalis, pseudônimo de Friedrich Leopold von Hardenberg foi nascido em 1772, de vida pouco extensa, no entanto, marcada pela profundidade do movimento Sturm und drang, e pela urgência própria do romantismo, sempre premente por abarcar o inabarcável, a vida. Se são comuns em quase todas as obras deste período elementos tais como a experiência do amor, da morte e da poesia, Novalis é, sem dúvida alguma romântico, pois o despertar para o amor de Sophie von Künst, momento inaugural de sua vida, também foi o conhecer aquilo que é impossível contornar: a morte. Sua amada morre jovem, como poderíamos achar belíssimo numa obra romântica, e o retrato desse amor, transladado em mistificação feito na obra Heinrich Von Ofterdingen é também mostra da falta de tempo, do que ficou inacabado para os “mortos jovens”.
Esta obra, concebida em 1802, ficou inacabada, e por isso sua segunda parte “A consumação”, é apenas esboço. A primeira “A espera” mostra o protagonista, um jovem que descobre a vocação para a poesia, porém, é como se esperasse que ela chegasse, falta-lhe ainda o fato primordial, a experiência necessária para ela. Falta-lhe, inconscientemente é claro o amor, para que se aflore nele a poesia.
Após a visita de um estrangeiro a sua família, Heinrich sonha ter encontrado a “flor azul” e tem o pressentimento de que não teria sido apenas um sonho. A “flor azul é um símbolo que na obra oscilará entre a poesia e o amor, e em muitos momentos será a simbiose tida por estes dois elementos. Com sua mãe empreende viagem até Ausburgo pouco tempo depois para conhecer seu avô, sua primeira viagem para longe dos arredores de sua cidade natal e que marca a separação de seu mundo habitual, difícil e triste separação, mas profundamente esperada, como a espera por encontrar o que falta a sua essência.

Heinrich se separava com tristeza de seu pai e de sua cidade natal. Agora sabia o que era separar-se do que se ama. Antes, quando pensava na viagem, não havia imaginado no que seria o sentimento de ver-se arrancado pela primeira vez do mundo que até então havia sido seu e de sentir-se como lançado até uma fronteira desconhecida. (NOVALIS, 2004, p. 99)

Nesta viagem conhece Matilde, filha do estrangeiro que passara pela casa de Heinrich antes de seu sonho, e apaixona-se por ela. Aqui ocorre a experiência inaugural da personagem de Novalis, a partir de então, a espera deixa de ter sentido e o poeta pode vir ao mundo. A flor azul, o amor descortina-se como algo resplandecente para o jovem, no entanto, não alcançada. A flor azul mostra-se como inalcançável pois é antes de tudo uma busca por algo que nunca pode ser fixado, a poesia enquanto figuração do pensamento, forma de expressão do mistério da vida, sempre escapa a compreensão completa. A personagem encontra a destinação por conhecer a si mesmo sempre, sem nunca chegar a um conhecimento pleno do que é, infinitamente.
A viagem de Heinrich também é marcada pelo conhecimento do mundo, pela experiência com pessoas das mais diversas classes, como por exemplo os marinheiros com quem faz a viagem e que lhe contam histórias, viajantes, mineiros, além dos espaços imaginados, como o oriente, as cruzadas e seus guerreiros, o tempo, o sonho, a imaginação na obra de Novalis parece não distinguir-se da realidade, intercalando em sua narração como se fossem fatos da mesma natureza, tão fortes sobre a compleição sensível de Heinrich, que devemos considerá-las em igual teor ao longo da narrativa.
Ao chegar a casa de seu avô Heinrich encontra em uma festa sua amada, mesma ocasião em que é apresentado a sociedade de Ausburgo. É distinguido por todos, quase que sem dizer nada, pois seu caráter tímido lhe nega a verborragia comum dos encontros sociais, como destinado a ser poeta, principalmente por admirar-se pela figura de Klingsöhr, pai de Matilde, figura do poeta experiente, sempre sereno e altivo, facilmente reconhecido dentre as demais pessoas por seu espírito. Ao beijar pela primeira vez sua amada após a reunião Heinrich conclui com um questionamento:
Não é verdade que me está ocorrendo algo parecido com o que me ocorreu aquela vez que em sonhei com a Flor Azul? Que estranha relação deve haver entre Matilde e aquela flor? Aquele rosto que saia da corola da flor e que voltava para mim era o rosto celestial de Matilde... (NOVALIS, 2004, p. 191)

O momento mais crucial, em que é profundamente importante reconhecer o quanto a imagem do tempo, faz-se diferenciada do comum, do habitual é a declaração de Heinrich a Matilde de seu amor, em casa do pai da moça, após larga conversa sobre o ofício poético, o qual se reconhecia de pronto em Heinrich. Klingsöhr, lhe mostra principalmente a necessidade de enriquecer sempre seus conhecimentos, como forma de alimentar a poesia entranhada em seu espírito.

- Matilde – disse Heinrich, depois de um largo beijo -, me parece um sonho que sejas minha; no entanto, o que todavia me parece mais extraordinário é que não tenhas sido sempre.
- Me parece – que te conheço desde um tempo imemorial
- É possível que me ames?
- Eu não sei o que é o amor, mas o que posso dizer-te é que para mim é como se antes não houvesse vivido, como se minha vida começasse agora, e que é tão grande o que sinto por ti, que agora mesmo quereria morrer por ti.
- Matilde, agora é quando sinto o que é ser imortal. (NOVALIS, 2004, pp. 205-206)

A morte de Matilde, ainda infanta, é também relato da vida de Novalis, no entanto, não aparece diretamente na obra, é insinuada e mitificada ao longo dos seus relatos até tornar-se matéria para os poemas dos Hinos da Noite, e para “A consumação” do destino poético de Heinrich.

II

A arte é a única forma de traduzir a angústia da morte, a maior mostra que se pode ter da finitude humana, assim como descortinar a vida e o amor, dos quais parecem incluir também a forma ideal de trazer ao mundo a profundidade do “eu” que se percebe enquanto “eu”, que é capaz de aperfeiçoar e tornar o homem o que é, no entanto, encarado como processo em vistas de um aperfeiçoamento, é uma tarefa infinita, assim poderíamos caracterizar a tarefa romântica, através do infinito.
Heinrich von Ofterdingen é marcada por alguns temas, os quais podemos destacar, como a destinação poética, o sonho, o tempo, o amor, a morte e a consumação poética. Todos esses temas estão profundamente ligados, todos se ligam até a “Consumação”. O sonho que Heinrich tem com a “flor azul” é antecedido pela sua idéia fixa acerca da poesia. Ao comentar com o pai tal sonho é surpreendido tanto pela má recepção do pai com relação ao mundo do sonho, como contraponto a vida de trabalho e da razão, quanto pela confissão desamparada dele, de ter tido semelhantíssimo sonho em sua juventude. No entanto, sua visão racional não o deixara reconhecer o chamado poético, representado pela flor azul. Ao contrário Heinrich, deixa-se completamente ser aturdido pelos sonhos, e crê neles uma realidade mais superior que a do cotidiano.

Ao Contrário Heinrich, em quem a poesia vai conquistar muito rapidamente espaço, crê na essência superior dos sonhos; ele, diferentemente de seu pai, não vai passar por alto a advertência da noite e nem vai voltar sem mais preocupação a vida trivial. Desde então, sua existência passará a ser orientada por esse país entrevisto, o do reino da flor azul; (BÉGUIN, 1993, p 243)

O tempo é um elemento bastante importante, pois expressa não o passar dos dias, mas é sempre um elemento que mostra o quão especial é a poesia na vida das personagens, e num plano mais amplo, se considerarmos a filosofia romantica, é mostra de uma tensão existente entre a racionalidade e a vida artística, entre a arte a racionalidade. E a maior prova disto é o que diz Matilde “Me parece – que te conheço desde um tempo imemorial” e logo depois Heinrich responde “Matilde, agora é quando sinto o que é ser imortal.” Isto mostra não só a imagem do amor, mas também como o amor é mais fundamental que as categorias racionais, saber o que é ser imortal significa sem dúvida, ir além do tempo, além da razão, o amor é mais fundamental que todo o resto, ele abre caminhos que só podem ser trilhados por aqueles que o possuem, os caminhos do infinito que estão contidos no amor.

"A verdadeira ironia é a ironia do amor. Ela nasce do sentimento da finitude e da limitação própria, assim como da aparente contradição desse sentimento em face a ideia do infinito, inclusa em todo amor verdadeiro". (SCHELEGEL apud ROSENFELD, 1969, p. 157)


O sonho que anuncia a flor azul é quase tudo nesta obra, além disso como se pode perceber ao longo de todo texto, a cor azul domina todos os ambientes, todas as atmosferas. A viagem empreendida por Heinrich expressa isto, uma atmosfera azul que simboliza a presença do eterno no mundo terrestre, como ressalta em nota Eustáquio Barjau (NOVALIS, 2004, p. 90). A viagem é permeada por histórias das mais diversas épocas e isto tudo é acumulação de experiências, é tornar-se mais capaz para o fazer poético, e a isso tudo Heirich está profundamente interessado. Se sair da sua cidade natal foi penoso, também foi fundamental para a consumação da poesia que se engendrava nele. Isto é corroborado em conversa com Klingsöhr, o poeta experiente que tanto o rapaz admira. “Nada é tão imprescindível ao poeta como a compreensão da natureza de todas as atividades humanas [...]”(NOVALIS, 2004, p. 196)
É o sonho o primeiro movimento até a consumação poética, ele leva Heinrich a experiência de sair da vida habitual de sua cidade natal, ele também o leva a conhecer o amor, a morte da amada, e ele em todos estes momentos trespassa sua existência demasiado forte. Os hinos da noite que estão profundamente ligados com o tema de Heinrich von Ofterdingen ligam a necessidade do sonho para que haja a poesia. O tema principal destes poemas, a morte, sempre foi, símbolo do que é sombrio, o sonho também sempre uma figuração da escuridão, prenúncio da vida após a morte. Os hinos da noite são clara mostra de que o mundo do sonho é imprescindível para a poesia de Novalis, profundamente marcada por esses temas, configurando um leitmotiv para que eles se expressem de forma tão forte.

Camino al outro mundo,
Y sé que cada pena
Va a ser el aguijón
De un placer infinito.
Todavia algún tiempo,
Y seré liberado,
Ya seré embriagado
En brazos del Amor,
Infinita la vida
Hierve dentro de mí:
Miro desde lo alto,
Me assomo hacia ti.
En aquella colina
tu brillo palidece,
y una sombra te ofrece
una fresca corona.
¡Oh, Bienamado, aspira
mi ser todo hacia ti;
así podré amar,
así podré dormir.
Ya siento de la muerte
Olas de juventud:
En bálsamo y en éter
Mi sangre se convierte.
Vivo durante el dia
Lleno de fé y valor,
Y por la noche muero
Presa de un santo ardor. (NOVALIS, 2004, pp. 71-72)


NOTA DE FIM

Caminho ao outro mundo
E sei que cada pena
É o estímulo
De um prazer infinito.
Todavia algum tempo,
E serei libertado
Então serei embriagado
Nos braços do amor
Infinita, a vida ferve em mim
Olho desde o alto
Me vejo diante de ti
Naquela colina
Teu brilho empalidece
E uma sombra te oferece
Uma fresca grinalda.
Oh, bem amado, aspira
Meu ser todo para ti
Assim poderá amar
Assim poderá dormir
Já sinto a morte
Ondas de juventude.
No bálsamo e no éter,
Meu sangue se converte.
Vivo durante o dia
Pleno de fé e valor
E pela noite morro
Presa de um santo ardor




Referências Bibliográficas

ROSENFELD, Anatol. Aspectos do Romantismo alemão: texto e contexto in Coleção Debates. Dir. J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1969. Pag. 140-168.
NOVALIS. Henrique de ofterdingen. Trad. Espanhola: Eustaquio Barjau. Espanha, 2004.
BÉGUIN, Albert. El alma romântica y el sueño. Madrid: Lengua y Estudios literários. 1993.