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JOHN LOCKE

"todos os homens, que, sendo todos iguais e livres, nenhum deve prejudicar o outro, quanto à vida, à saúde, à liberdade, ao próprio bem". E, para que ninguém empreenda ferir os direitos alheios, a natureza autorizou cada um a proteger e conservar o inocente, reprimindo os que fazem o mal, direito natural de punir"

FRIEDRICH HAYEK

“A liberdade individual é inconciliável com a supremacia de um objetivo único ao qual a sociedade inteira tenha de ser subordinada de uma forma completa e permanente”

DEBATES FILOSÓFICOS

"A filosofia nasce do debate, se não existe a liberdade para o pensar, logo impera a ignorância"

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"Nós temos um sistema que cobra cada vez mais impostos de quem trabalha e subsidia cada vez mais quem não trabalha"

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"O socialismo é a Grande Mentira do século XX. Embora prometesse a prosperidade, a igualdade e a segurança, só proporcionou pobreza, penúria e tirania. A igualdade foi alcançada apenas no sentido de que todos eram iguais em sua penúria"

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

ROBERT NOZICK LIBERDADE E COERÇÃO



Saber se o Estado tem legitimidade moral para intervir, coercitivamente, na distribuição de bens e riquezas na sociedade, têm sido um dos principais temas da filosofia política contemporânea. Isto porque, tal como sustenta alguns teóricos liberais, para produzir igualdade entre os cidadãos, o Estado, necessariamente, terá de interferir na esfera privada do indivíduo. Nozick, afirma que os direitos individuais são pré-políticos e, portanto, cada indivíduo é dono de si próprio. Isso implica dizer que o direito à vida, o direito à propriedade no sentido mais estrito, e à liberdade de fazer o que quiser consigo mesmo, com o seu corpo e os seus talentos, são sagrados.
 Os indivíduos têm direitos, e há coisas que nenhuma pessoa ou grupo pode fazer contra eles (sem violar seus direitos). Esses direitos são tão fortes e e têm tamanho alcance que levantam a questão de saber o que o Estado e seus servidores podem fazer, se é que podem fazer alguma coisa. Que espaço os direitos individuais deixam para o Estado? (NOZICK. 2011, p. 1)
 Ao afirmar que os indivíduos têm direitos, e que há coisas que nenhuma pessoa ou grupo pode fazer sem violá-los, Nozick está defendendo, como liberal que é, que os direitos individuais limitam o âmbito de ação estatal. Assim sendo, Nozick propõe uma concepção de Estado, na qual as funções estatais fiquem restritas à proteção dos direitos individuais (Cf. Nozick, 2011, p. 32). Para Nozick, qualquer proposta de Estado mais abrangente viola este limite moral. Contudo, é possível pensar num Estado mais amplo, mesmo a partir do viés liberal. O exemplo clássico é a teoria da justiça proposta por John Rawls, em Uma Teoria da Justiça (TJ).
Para Serge-Christophe Kolm (2000), John Rawls consegue reunir em sua teoria, de forma harmoniosa, aspectos fundamentais que definem os Estados liberais democráticos, tais como: o respeito aos direitos humanos e aos direitos civis de cada indivíduo, através da ideia de ajuda aos mais pobres. Ao contrário de Nozick que defende a ideia direitos individuais como limitadores do Estado, Rawls construiu uma ideia de justiça onde a relação entre o indivíduo e o Estado é concebida por meio de princípios que surgem em uma “posição contratual inicial”. Ou seja, o papel do Estado não é definido a priori, mas sim por meio de um processo construtivista, entre pessoas racionais, livres e iguais, que podem, em hipótese, desejar um Estado que corrija a desigualdade na sua fonte. Sobre a relevância do trabalho de Rawls, Kolm afirma.
 A mais célebre obra contemporânea sobre ética social é Uma Teoria da Justiça, de Rawls, livro que acabou por tornar-se um fenômeno social. [...] Além disso, se por um lado, os princípios de justiça propostos são realmente clássicos por consistirem, grosso modo, nos inalienáveis direitos humanos e civis que definem os Estados liberal-democráticos, na ideia de ajudar os pobres primeiro, que historicamente define as concepções de esquerda (ou cristãs), e no reconhecimento dos efeitos do desincentivo da redistribuição, que é um lugar-comum nos argumentos políticos e na economia, por outro lado,o modo como Rawls justifica essas concepções é, ao contrário, extremamente original, a despeito da sua modesta despretensão (KOLM. 2000, p.211)
 Nozick também partilha da mesma opinião de Kolm.
 Uma análise mais detalhada da recente contribuição de John Rawls ao debate sobre a justiça distributiva pode lançar mais luz sobre o assunto. A Theory of Justice é uma poderosa obra sobre filosofia política e moral, profunda, perspicaz, de grande envergadura e sistemática, possivelmente sem paralelo desde os escritos de John Stuart Mill. Trata-se de um manancial de ideias luminosas, reunidas de modo que forme um conjunto fascinante. Desde sua publicação, os filósofos políticos são a trabalhar dentro dos limites da teoria de Rawls ou, então, explicar por que não o fazem (NOZICK. 2011, p. 23).
 Nesta obra, John Rawls visa estabelecer princípios que devem nortear a justiça social e tenta demonstrar como isso refletira na sociedade. A teoria rawlsiana toma o conceito de equidade como um elemento ético essencial para balizar o agir das instituições que compõe as estrutura básica da sociedade, cuja principal delas é o Estado. Para Rawls, cabe a essas instituições o dever moral de minimizar as discrepâncias sociais, em prol do bem-estar de todos. A ideia de justiça proposta por Rawls se antecipa às instituições, e a sua real efetivação depende não apenas do Estado, mas também dos atores sociais que participam de uma única célula, chamada de posição original[1]. Na posição original, os participantes escolheriam os princípios de justiça sem qualquer intenção de adquirir vantagens ou benefícios sobre os demais, os princípios oriundos deste consenso teriam como fim último a justiça social. Deste modo, a sociedade poderia alcançar uma situação de igualdade e liberdade entre todos participantes da esfera social.
O que está em pauta até aqui, continua sendo a concepção de liberdade individual. Enquanto para Nozick, a liberdade individual é anterior ao Estado e limitador do mesmo, para Rawls a liberdade do indivíduo acontece justamente pelo fato dele ter a possibilidade de deliberar acerca do modelo de Estado que deseja. Para compreender a crítica de Nozick à concepção rawlsiana, temos que primeiro entender o construtivismo moral proposto por Rawls. O contraste entre os dois autores será fundamental para alcançarmos maior clareza quando tratarmos do ponto central desta pesquisa.
Para compreender o que estamos discutindo, precisamos distinguir dois conceitos que são básicos para o ponto, são eles: o conceito de justiça e o de direito positivo. A distinção que proponho é a mesma de Hans Kelsen. Quando menciono o conceito de justiça estou pensando no processo, ou no momento anterior, que dá origem e validade aos direitos positivos.  Já o direito positivo, nada mais é do que as normas elaboradas por uma determinada sociedade a fim de regular e organizar a vida em sociedade.
 O conceito de justiça deve ser distinguido do conceito de direito. A norma da justiça indica como deve ser elaborado o direito quanto o seu conteúdo, isto é, como deve ser elaborado um sistema de normas que regulam a conduta humana e que são global e regularmente eficazes, ou seja, o direito positivo. Visto a norma da justiça prescrever um determinado tratamento dos homens, ela visa - como já mostrou - o ato através do qual o direito é posto (KELSEN. 1979, p.89).
 O construtivismo, na filosofia prática, pode ser definido como um modelo de abordagem para questões morais, tanto com o intuito de explicitar pressupostos, como organizar, demonstrar ou tornar coerente um conjunto de valores e preceitos morais, ou seja, é um modelo de análise. Assim sendo, pode-se dizer que o construtivismo tem o intuito de argumentar quanto à validade dos valores e dos preceitos propostos por uma determinada teoria. Numa teoria moral, o construtivismo apresenta-se como um modelo de justificação[2] (Cf. FERREIRA. 2005 p. 8). A moralidade, a partir desta visão, é compreendida como uma resposta da racionalidade humana frente a problemas práticos. Os princípios morais, em uma teoria construtivista, são vistos como o produto de um procedimento, de uma construção da razão em seu uso prático. Isto é, a moralidade não é tomada como um conjunto de objetos dados – um fato da razão – onde os princípios morais seriam, simplesmente, “conhecidos” pela razão teórica, como no caso do realismo moral (Cf. KORSGAARD. 2003, p. 116).
Em O Liberalismo Político (LP), Rawls a fim de esclarecer sua concepção de construtivismo recorre a uma breve comparação com outra perspectiva metaética, o realismo moral. De maneira geral, Rawls define o realismo moral como uma concepção na qual os princípios morais dizem respeito a uma ordem independente de valores, não condicionada à inteligência humana, mas que, no entanto, pode ser intuída pelo indivíduo (Cf. RAWLS. 2000. p.136-137). Numa teoria construtivista os princípios morais ou políticos não são intuídos ou descobertos, mas, representados como resultado de um procedimento de construção. Neste procedimento, os agentes racionais, estão devidamente posicionados em uma situação adequada para escolha dos princípios, no caso rawlsiano os princípios de justiça. Os princípios decorrentes do procedimento de deliberação são frutos de uma razão prática.
Podemos observar que Rawls não se preocupa em negar ou discutir a possibilidade de um “reino de valores” independente, apenas se posiciona de maneira que, ainda que fosse possível um acesso privilegiado a verdades morais, isso não garantiria a validade objetiva destes princípios para todos numa sociedade (Cf. RAWLS. 2000. p.138-139). Para Rawls, é muito mais seguro e adequado que  a construção dos princípios de justiça que servem de parâmetro para as instituições e para o Estado, e garantem a liberdade do indivíduo, sejam oriundos de uma deliberação racional onde todos podem dar seu consentimento. Esses princípios seriam válidos para todos na sociedade justamente por terem sidos elaborados em uma situação adequada. Uma vez que os princípios de justiça são elaborados numa situação adequada, tais devem ser considerados como imperativos categóricos[3], pois, para um construtivista, o que justifica a validade universal dos princípios é o próprio procedimento.
Portanto, é correto dizer que o construtivismo rawlsiano busca, através de um procedimento de construção adequado, justificar a adoção de princípios de justiça que posteriormente serão aplicados à estrutura básica da sociedade. A objetividade moral para o construtivismo se dá por meio de um processo corretamente construído e aceitável por todos, livremente. Diferente do que faz o realismo moral, onde, os princípios morais são apreendidos por meio de “intuições racionais”. É possível dizer, a princípio, que a principal diferença entre Nozick e Rawls está na maneira pela qual os princípios morais que orientam a vida social são colocados.
Com base no liberalismo proposto por Rawls, eu posso pensar num processo deliberativo onde indivíduos racionais, livres e iguais podem, por meio de consenso, chegar a princípios morais que deixem mais espaço para intervenção estatal. Em Nozick não há esta possibilidade, os direitos individuais não são frutos de um consenso, são inatos, inalienáveis, anteriores ao Estado e, portanto, limitador da ação estatal. Em Rawls, a ideia de um Estado mediador dos conflitos lociais e redistributivo não implica, necessariamente, na ideia de violação moral, pois, pode ser o caso de que os princípios de justiça oriundos do processo de deliberação racional ofereçam legitimidade para uma política de distribuição de renda, a fim de diminuir as desigualdades sociais e econômicas.
 Na segunda parte de AEU, Nozick se dedica a refutar a ideia de justiça distributiva de Rawls[4]. Para Nozick, uma sociedade livre não deve contar com um mediador de trocas voluntárias e nem ter um distribuidor central de riquezas. Nozick, rejeita o construtivismo moral proposto por Rawls, e se aplica a contrapor a ideia de que um consenso social tenha legitimidade para produzir novos direitos. A teoria dos direitos de Nozick concentra-se em explicações, condições e justificativas bastante compatíveis com a tradição filosófica de John Locke.
 Uma vez que tanto as considerações da filosofia política quanto as de teoria política explicativa convergem para o estado de natureza de Locke, começaremos por ele. Só mencionaremos alguma divergência entre a nossa concepção e a de Locke quando ela for relevante para filosofia política e para o nosso debate sobre o Estado (NOZICK. 2011,p.10).
 Em Nozick, tantos os direitos e como a liberdade individual é de origem ontológica, isto é, está associada à natureza do ser humano. A concepção ontológica ou existencial, também é conhecida como jusnaturalismo. Norberto Bobbio, afirma que o jusnaturalismo, é uma concepção segundo a qual o ‘direito natural’ (ius naturale) existe e pode ser conhecido, ou seja, o jusnaturalismo defende a existência de um sistema de normas, de conduta intersubjetiva diverso do sistema constituído pelas normas fixadas pelo Estado (direito positivo). (BOBBIO, 1992, p. 655). Hans Kelsen, em A Justiça e o Direito Natural (1979), salienta que sobretudo do ponto de vista da doutrina jusnaturalista os direitos positivos são válidos apenas se corresponderem a direitos naturais, constituídos de um valor de justiça absoluto. 
Se pressupomos um tal direito natural, então uma norma do direito positivo que o contradiga não pode ser considerada válida. Somente podem valer as normas do direito positivo conformes ao direito natural. E se a norma de um direito positivo apenas vale na medida em que corresponda ao direito natural. É esta efetivamente a consequência da doutrina jusnaturalista que, ao lado ou por cima do direito positivo, afirma a validade de um direito natural e, ao proceder assim, vê neste direito natural o fundamento de validade do direito positivo (KELSEN. 1979, p. 6).

Serge Christophe Kolm, em Teorias Modernas da Justiça (2000), ao falar sobre as diferentes razões para se valorizar a liberdade, vai citar justamente a concepção ontológica de liberdade. Segundo Kolm, há uma grande tradição no pensamento filosófico que faz da liberdade a essência do homem. Esta tradição inclui autores como Rousseau, Kant, e Hegel (Cf. KOLM. 2000, p. 54). A ideia é de que a liberdade não seria apenas uma propriedade da natureza humana, mas sim, a matéria da qual o ser do indivíduo é constituído. Em termos clássicos, a liberdade é a essência da existência humana. A não-liberdade, portanto, é a negação da humanidade e a redução da pessoa a uma coisa (KOLM. 2000, p. 55).
Seguindo esta linha de pensamento, facilmente percebe-se que a diferença entre Rawls e Nozick. Enquanto para Rawls, os direitos individuais são oriundos de um processo deliberativo, em Nozick, os direitos decorrem exclusivamente da essência humana. Assim sendo, para ele, um princípio de justiça do mais alto valor político para sociedade é aquele se apresenta com base num sistema moral, em que a liberdade individual seja o valor supremo. A ideia de liberdade presente em Nozick, é de caráter puramente negativo. 
A segunda justificativa de Nozick para se contrapor ao pensamento de Rawls, decorre justamente da ideia negativa de liberdade, é o argumento da inviolabilidade do indivíduo. Para Nozick, os direitos individuais, que são inseparáveis da existência e da manifestação humana, só podem ser concebidos como imperativos quando o objetivo for constranger ou limitar o escopo de ações que os sujeitos podem empreender uns em relação aos outros, ou em relação às suas propriedades. Isto é, de maneira negativa. Em Nozick, a proteção dos direitos individuais se dá por meio de restrições indiretas, tais restrições são anteriores aos objetivos finais de cada um, e refletem o princípio kantiano de que os indivíduos são fins e não simplesmente meios, proibindo que os indivíduos sejam usados  como simples meio para realização de fins que não recebe seu consentimento. Em outras palavras, as restrições indiretas não proíbe qualquer ação desde que esta não viole certas restrições, isto é, todo indivíduo é livre para buscar seus objetivos finais, com quanto que não viole o direitos individuais dos outros (Cf. NOZICK, 2011, p. 37).
Para esclarecer o sentido em que emprega a relação de fins e meios em sua obra, Nozick usa como exemplo a utilização de uma ferramenta. Nozick afirma que não há restrições indiretas quanto ao modo de se usar uma ferramenta, e sim restrições morais no que se refere aos propósitos em que a utilizamos (NOZICK, 2011, p. 38). Apenas a título de ilustração, poderíamos citar o debate atual que ocorre, em parte da sociedade civil brasileira, acerca da legalização do porte de armas. O pensamento nozickiano, presente em AEU, nos daria base para afirmar que não cabe ao Estado restringir o porte de armas nem controlar o modo e a finalidade daquele que possui um armamento, desde que a utilização do armamento não viole os direitos naturais do outro. Isto é, cabe ao Estado impor restrições, por meio de leis, ao uso das armas de fogo em relação aos demais indivíduos, e punir estes quando a utilização violar os direitos individuais dos outros.
Pois bem, é importante continuar e aprofundar a linha de raciocínio desenvolvida até aqui para compreender o tamanho do distanciamento que há entre os autores em questão. Se para Rawls, o construtivismo moral representa a capacidade de seres racionais, livres e iguais, de produzirem direitos e normas para o convívio social e, em Nozick, mesmo a livre iniciativa de associação entre todos não legitima tal competência, seria possível dizer que Rawls é liberal clássico, enquanto Nozick seria um libertário ou anarcocapitalista[5]? Ter clareza sobre a posição que Nozick assume no debate político, nos ajudará a entender, mais a frente, a crítica que será feita ao tratarmos da questão da justiça distributiva, e as possíveis contradições nozickiana acerca em sua concepção de Estado.


[1] Para teoria rawlsiana de “justiça como equidade”, é imprescindível que os princípios norteadores sejam escolhidos a partir de uma posição original. De acordo com Rawls, somente a partir de uma situação inicial adequada é possível chegar a princípios equitativos para o pacto social. A posição original, em TJ, apresenta-se como um recurso procedimental cujo objetivo é garantir que o acordo seja realizado em condições equitativas, por cidadãos livres e iguais, sem influência de concepções particulares de bem. De acordo com Barry, a construção da posição original visa afiançar que as partes não adotem uma perspectiva parcial. Isto se realiza, se de fato os pactuantes não contarem com nenhuma informação acerca de suas próprias características distintivas (BARRY, 1997, p. 290). 
[2] O construtivismo insere-se, portanto, dentro de uma discussão filosófica acerca da natureza ou fundamentos de juízos morais, ou seja, numa discussão metaética.
[3] Rawls, no parágrafo 40 de TJ, afirma que os princípios de justiça também se apresentam como análogos a imperativos categóricos, e mais especificamente a concepção kantiana acerca deste conceito (Cf. RAWLS. 2002. §40. p. 277).
[4] Na primeira parte, Nozick tenta legitimar a existência de um Estado, rebatendo as alegações anarco-individualistas de que o Estado seria, por natureza, uma instituição imoral. Ele reconhece que a justificação lockeana do Estado não serve como argumento contra esse tipo de anarquismo, o qual defende alternativas não-estatais para lidar com os problemas sociais. Nozick trata da tese anarquista de que o monopólio do uso da força e a tarefa de proteção de todos que vivem no seu território implica necessariamente na violação, por parte do Estado, dos direitos individuais inatos, ou seja, se ocupa em demonstrar a legitimidade moral do Estado. Nozick sustenta, na primeira parte de AEU, que o Estado surgiria da anarquia, mesmo que ninguém tivesse a intenção de criá-lo, por meio de um processo que não violaria os direitos dos indivíduos, o que o tornaria imoral. Nozick afirma. “contra essa tese, argumento que um Estado surgiria da anarquia (do modo como a representa o estado de natureza de Locke), mesmo ninguém tivesse tal intenção ou tentasse criá-lo por meio de um processo que não violaria os direitos de ninguém” (NOZICK. 2011, XII).
 [5] Gostaria de deixar claro que não é minha intenção adentrar, de maneira mais detalhada, nesta querela semântica dos liberais. Tenho consciência das inúmeras concepções divergentes em relação aos conceitos de liberalismo clássico e libertarianismo. Contudo, para que tenhamos clareza na discussão do ponto que estou a tratar, devo esclarecer a que me refiro, ao menos em geral, quando utilizo os termos, “liberalismo clássico” e “libertário”. Quando diferencio os liberais clássicos dos libertários, traço uma divisão mais ampla entre eles, na qual um se refere a um individualismo mais rigoroso e o outro a uma possibilidade de coletivismo. Os libertários, assim como os liberais, são favoráveis  à liberdade individual. Contudo, na maioria das vezes os liberais reconhecem a importância da presença do Estado em algumas áreas da sociedade e os libertários não, de modo que as diferenças são de natureza prática. O liberalismo clássico é mais coletivista, pois, de uma forma ou de outra, o liberalismo pensa em uma espécie de entidade social a ser beneficiada ou prejudicada pelas normas a serem praticadas. Ainda que o liberalismo clássico seja pró-livre mercado, pró-propriedade privada, e pró-liberdade, ele também visa benefícios para uma coletividade, e não pensa apenas no indivíduo como um fim em si mesmo. Alguns autores liberais: John Rawls, Ludwig Von Mises, Milton Freedman. Por libertarianismo entendo a rigorosa defesa dos direitos individuais, sem nenhuma concessão ou espaço para se pensar no bem-estar social como uma obrigação moral. Reservo o termo “libertário” para aplicá-lo aos individualistas, isto é, teóricos que consideram os direitos individuais, tal como o direito à liberdade e à propriedade privada, como absolutos, e não como meios para favorecer alguma entidade social. Alguns pensadores libertários: Ayn Rand, Max Stirner, Murray Rothbard e Robert Nozick.

INTRDUÇÃO A INTERPRETAÇÃO DE HEIDEGGER À KANT EM RELAÇÃO A FINITUDE DA EXISTÊNCIA HUMANA


Para alcançar êxito na temática: “A interpretação de Heidegger à Kant na análise ontológica do tempo e da finitude da existência humana”, iniciaremos a abordagem do posicionamento de Heidegger em  relação à metafísica a partir das ideias conducentes em “Ser  e  Tempo”, e “Kant and the problem of metaphysics” com o objetivo de  referir  a  sua  concepção  de  que o objetivo declarado de “Ser e Tempo”, é o de apresentar, defender, mostrar que a ontologia, é a única capaz  de determinar adequadamente sentido do ser, por meio de uma analítica existencial do Dasein, por meio da  “lógica  produtiva  da  verdade[1]”; amadurecida  através  de  uma  reflexão  profunda  das  gnosiologias[2] de  Kant  e  Husserl. Heidegger, prende-se  com  o  papel atribuído ao homem na explicitação e constituição da verdade,  subscrever  a partir da ontologia o ser/Dasein para alcançar assim a  “clareira do ser”, o “desvelamento da alethéia”. Este proposito acima não se reporta, é claro, ao plano ôntico da experiência em que se movem  as  ciências  na  sua  caracterização  positiva  das  coisas;  antes  se  refere  àquele  outro,  ontológico,  do  sentido,  que  rege  e  determina  o  primeiro, porquanto concerne a constituição essencial dos objetos, o qual  Kant  denominava de  “objetividade dos objetos”;   Heidegger  denomina “o ser do ente”.
A filosofia é, portanto, para Heidegger uma ciência ontológica.  Ela tem o ser como seu único tema, e como tarefa, a explicitação e interpretação teórico conceitual da estrutura,  e relações que o constituem[3]. Heidegger não se reporta diretamente ao ente, pois para ele a filosofia não é, por conseguinte, uma ciência ôntica ao lado de outras ciências, não compete com elas, e nem acrescenta nada à sua caracterização positiva das coisas. Heidegger não se propõe também uma mundividência; uma visão de conjunto do ente na sua totalidade construída. Antes, Heidegger por meio da Ontologia busca desvelar o sentido  que  sempre  permeou, antes de toda a objetivação científica;  desvelando  sua estrutura;  e apresentando o caminho de abertura cognitiva da realidade,  para esclarecer o fundamento  a qual pertence à essência humana do Dasein.
Heidegger procura, no entanto, esclarecer como o Dasein tem acesso a si, como  constrói essa auto interpretação, pela qual o sentido e a verdade se tornam o seu modo de ser fundante; e o que pertence à sua essência, e  a constituição do significar e do interpretar. É  aqui que a influência de Kant se tornou determinante no impulso que deu  para a clarificação do problema da transcendência ou compreensão prévia  do ser do ente ou, na terminologia da Crítica da Razão Pura, do conhecimento  transcendental,  que,  para  Kant,  equivalia  ao  juízo  sintético  a priori como condição de possibilidade da Metafísica.
Com efeito, Heidegger atribui a Kant o mérito de ver em Kant, pela primeira vez,  todas  as  implicações do problema da finitude para a questão do conhecimento. A tradição entendia a finitude como condição do ens creatum [4] que, não sendo causa de si, está dependente de um ente, de um mundo que o precede, e com o qual  esta ligado intimamente. Por conseguinte, a intuição, por onde o conhecimento se efetiva, só pode ser receptiva, ordenada à pré-existência  das  coisas,  ofertando-lhes  pela  sensibilidade  a  possibilidade de  se  manifestarem.  Ora, considerando o argumento de Kant, que o sujeito não  pode enfrentar o mundo, o  que já  aí está  constituído diante  dele; logo, desenvolve uma  concepção  não  sensualista[5],  de  uma  sensibilidade  pura,  ontológica, em que o tempo e o espaço perfazem as condições gerais da receptividade das impressões produzidas pelos objetos..
Para esclarecer melhor, para Kant todo o conhecimento humano está alicerçado em dois troncos: a sensibilidade e o entendimento. Pela primeira são-nos dados os objetos, e pela segunda esses objetos são pensados. Assim, podemos dizer que o nosso conhecimento é formado com a contribuição das intuições que são fornecidas pela nossa sensibilidade. Contudo, essas intuições precisam ser articuladas por esquemas a priori que são constitutivos da própria racionalidade humana, da própria condição do conhecimento. Isto significa que o conhecimento é adquirido, em parte pela experiência da relação entre o sujeito e o objeto, e em parte por algo que é produzido pelo próprio sujeito. O conhecimento então, para Kant, não é reprodução passiva de um objeto por meio do sujeito, mas construção ativa do objeto por parte do sujeito.
     Só a sensibilidade nos fornece intuições com as quais o entendimento trabalha. Assim, uma definição mais primária de conhecimento em Kant é “dar forma a uma matéria dada.” Mas Kant vai mais além, e introduz o conceito de intuição[6] pura, ou seja, forma pura da sensibilidade. Essas intuições puras são o espaço e o tempo. O espaço é uma condição subjetiva da sensibilidade que permite a intuição externa, e sua representação ser uma condição subjetiva. Ele abrange todas as coisas que nos possam aparecer exteriormente, mas não todas as coisas em si mesmas.
Já o tempo é a condição de possibilidade de movimento, ele não é um conceito discursivo, mas uma forma pura da intuição sensível. Isto significa que o tempo não tem um objeto ao qual se deve atribuí-lo, sua representação é ilimitada. Ele é então, condição para unificação de todo o diverso, tanto dos fenômenos internos quanto dos fenômenos externos. Isso implica dizer que o tempo é a condição imediata dos fenômenos internos e a condição mediada dos fenômenos externos.
O tempo em Kant, como condição para unificação de todo o diverso, tanto dos fenômenos internos quanto dos fenômenos externos, é de suma importância em nossa abordagem. Sabemos das convergências entre Heidegger e Kant no que se refere a  problemática, e do modo de conceber a metafísica. No entanto; Heidegger valoriza sobre tudo em Kant um ponto, para ele de suma importância, e para nós também nesta tese, que é o reconhecimento de Kant ao “Tempo” como a raiz da compreensão do ser constitutiva da essência humana. Esse tempo não é intratemporal, situa-se no cerne mesmo do sujeito, é a raiz das duas faculdades, o segredo da sua articulação. Isto significa que em Kant podemos ver no sujeito, que no mais íntimo da sua subjetividade, ele é temporalidade. É neste viés; que Heidegger vai seguir.  É claro que Heidegger, na sua interpretação de Kant, irá mais longe, dirá o que ele não disse, o que talvez não se atreveu a dizer.  Mas que, no entanto, neste ato de ir mais longe, Heidegger completa as lacunas, ao explicitar o “Tempo”, já valorizado por Kant; como a essência da finitude humana, e o horizonte da compreensão Ontológica do Dasein.


[1]  [Ela  é  lógica  produtiva,  no  sentido  em  que  projecta  um  determinado  domínio  do  ser,  explora  antes  de  mais  a  sua  constituição  de  ser  e  oferece  as  estruturas  assim  obtidas  às  ciências positivas, enquanto indicações evidentes do questionar.] Veja-se ainda o  curso de Marburgo de 1925 Prolegomena zur Geschichte des Zeitbegriffs, G.A.,t. 20, § 1, p. 2.
[2] A gnosiologia  também chamada teoria do conhecimento,  é o ramo da filosofia que se ocupa do estudo do conhecimento. É a reflexão em torno da origem, natureza e limites do ato cognitivo. Ocupa-se da validade do conhecimento em função do sujeito cognoscente, ou seja, daquele que conhece o objeto. A gnoseologia não se confunde com a epistemologia, que se refere-se apenas ao conhecimento científico. A gnosiologia é a área da filosofia que estuda o conhecimento a partir das suas varias vertentes, e depara-se com problemas como: a sua possibilidade, a sua origem, a sua natureza ou essência, e a sua validade e limites. Na tentativa de responder a estas questões por norma surgem muitas teorias explicativas da questão. Como nosso foco é uma leitura de Heidegger através  de  uma  reflexão  aprofundada  das  gnosiologias  de  Kant  e  Husserl, temos de um lado o idelalismo de Kant, e do outro a  femenologia  de Husserl.  O idealismo afirma que o conhecimento é a relação entre o sujeito e a representação, ou ideia que este tem do objecto. As coisas aparecem, portanto ao sujeito sob a forma de ideias na consciência, não sendo possível conhecer mais na dapara dela. Afirma-se, portanto,  que o que realmente existe são as ideias sobre a realidade, que possui na sua consciência. Para terminar, os objectos segundo o idealismo ficam então reduzidos a produto do sujeito. Já  a  fenomenologia (do grego phainesthai - aquilo que se apresenta ou que mostra - e logos explicação, estudo) é uma metodologia e corrente filosófica que afirma a importância dos fenômenos da consciência, os quais devem ser estudados em si mesmos – tudo que podemos saber do mundo resume-se a esses fenômenos, a esses objetos ideais que existem na mente, cada um designado por uma palavra que representa a sua essência, sua "significação". Os objetos da Fenomenologia são dados absolutos apreendidos em intuição pura, com o propósito de descobrir estruturas essenciais dos atos  e as entidades objetivas que correspondem a elas. Edmund Husserl (1859-1938) - filósofo, matemático e lógico – é o fundador desse método de investigação filosófica e quem estabeleceu os principais conceitos e métodos que seriam amplamente usados pelos filósofos desta tradição. A Fenomenologia representou uma reação à eliminação da metafísica, pretensão de grande parte dos filósofos e cientistas do século XIX.
[3] Conf. o curso de Heidegger, Die Grundprobleme der Phänomenologie, G.A., t. 24,  §3,  p. 15 “ [A filosofia é uma  interpretação  teorético-conceptual  do  ser,  da  sua  estrutura  e  das  suas  possibilidades. Ela é ontológica.]
[4] sendo-criado.
[5]
[6] Primeiramente é importante esclarecer o que significa, no pensamento kantiano, intuir. Para o autor, a intuição é a visão direta e imediata de um objeto de pensamento atualmente presente ao espírito e apreendido em sua realidade individual. Nesse sentido, toda intuição é sempre sensível. Dessa forma, podemos dizer que conhecer é primeiramente intuir.