Durante a Idade Média, a pesquisa
científica entrou num compasso de espera que durou quase dez séculos. A partir
do século IV d.C., a alma medieval dirigiu sua religiosidade para um misticismo
fervoroso, diante do qual as cogitações dos cientistas apareciam como heresias
dignas de punição.
Os dogmas da fé estendiam-se sobre as
instituições e os indivíduos, e a natureza era um reflexo da vontade
inquestionável de Deus. Assim, o declínio da razão explica porque os fenômenos
naturais não eram discutidos, nem procurado suas causas. Afinal, a crença em
Deus absorvia todos os anseios do homem medieval.
Nos séculos XII e XIII, o ser humano já
passa a merecer maiores preocupações. Obras dos antigos gregos e romanos
começam a ser traduzidas e lidas nos castelos e mosteiros medievais, e depois
nas primeiras universidades. Os tradutores e copistas, eliminavam o que lhes
parecia irrelevante e modificavam trechos que consideravam heresias religiosas.
De qualquer modo, o interesse dos estudiosos
pelas coisas da natureza ressurgiu, e no século XIV volta a predominar a
curiosidade, que é uma característica fundamental para a ciência. Surge um
desejo de libertação do indivíduo, antes preso a um rígido sistema que
determinava todas as coisas em função de Deus (monoteísmo).
Esse retorno ao homem foi significativo
para o Renascimento. No Renascimento, a ciência deixou de ser teórica e
fantasiosa, para tornar-se uma síntese constante entre experiência e teoria e
desde então, ela nunca mais parou.
RENASCIMENTO E CIÊNCIA
Quando se estuda a transição da Idade
Média, especificamente a Baixa Idade Média, para a Idade Moderna, percebe-se
que ainda vigora em muitos livros didáticos de história, revistas e blogs de
educação uma certa perspectiva reducionista que compreende o Renascimento
Cultural dos séculos XIV, XV e XVI como um fenômeno de ruptura radical e
definitiva com a Idade Média. Essa visão supõe ser a Idade Média um período
decadente e obscuro que nada ofereceu de significativo ao universo cultural que
sobreveio com o Renascimento.
Mas muito pelo contrário, no período
compreendido como Renascimento confluíram vários elementos da cultura cristã
florescida na Idade Média, como elementos da cultura clássica (greco-latina),
que passou a ter uma dimensão maior na Europa Ocidental, sobretudo em regiões
de intenso comércio marítimo, como a Itália (ao sul) e a Holanda e os Países
Baixos (ao norte), que também tiveram um intenso desenvolvimento urbano ainda
no período medieval.
Para o historiador Thomas Woods, o
Renascimento, mais do que uma ruptura total com o passado medieval, pode ser
considerado o auge da Idade Média. Diz ele que “os medievais, tal como uma das
figuras exponenciais do Renascimento, tinham um profundo respeito pela herança
da antiguidade clássica, ainda que não a aceitassem de modo tão acrítico como o
fizeram alguns humanistas: e é na Idade Média que encontramos as origens das
técnicas artísticas que viriam a ser aperfeiçoadas no período seguinte.”
(WOODS, Thomas. Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental. São
Paulo: Quadrante, 2008. p. 119)
A confluência entre a cultura clássica e
a cultura cristã viu-se expressa na obra de vários autores do Renascimento,
desde artistas como Michelângelo e Leonardo da Vinci até escritores como Erasmo
de Rotterdan, Nicolau de Cusa e Thomas Morus. Uma característica que se tornou,
sim, uma identidade renascentista no âmbito dos estudos intelectuais foi a
redescoberta dos textos clássicos originais, sobretudo os gregos. Filósofos
como Aristóteles e Platão eram lidos na Idade Média por meio de traduções
latinas com pouca precisão. Eruditos do Renascimento, como Leonardo Bruni –
tradutor da Política e da Ética a Nicômaco, de Aristóteles –, foram
responsáveis por esse resgate das fontes primárias dos textos gregos e pela
feitura de traduções criteriosas e comentadas.
Além disso, outras características
também contribuíram para compor uma identidade própria ao Renascimento. A
concepção antropocêntrica do mundo, que aos poucos se impôs, divergiu da
perspectiva teocêntrica medieval, ainda que vários elementos doutrinais tenham
sido preservados. O humanismo, isto é, a valorização das potencialidades
humanas, da faculdade racional, da capacidade de criação artística, de
observação, registro e cálculo dos fenômenos naturais e de organização
política, também contribuiu para definir essa época que antecedeu o século XVII
– século da Revolução Científica operada por Galileu Galilei. As grandes navegações e a descoberta do “novo
mundo” (o continente americano) e das civilizações e culturas que nele se
desenvolveram também foram decisivas para configurar o Renascimento como uma
época de experiências novas e enriquecimento cultural. Somou-se a isso a teoria
heliocêntrica de Nicolau Copérnico, que também passou a ajustar-se ao
antropocentrismo e à capacidade do homem de descobrir os mistérios da “harmonia
do mundo”, isto é, os mistérios cosmológicos.
No mais, foi no início do século XVI, já
no auge do Renascimento, que ocorreram dois acontecimentos decisivos no âmbito
intelectual, religioso, moral e político da Europa: invenção da imprensa, por Joannes Gutenberg,
e a Reforma Protestante, desencadeada por Martinho Lutero. Esses dois
acontecimentos combinados mudaram, aos poucos, a relação dos homens com o
conhecimento intelectual antes restrito ao domínio da língua latina. Matinho
Lutero traduziu a Bíblia para o alemão, enquanto a invenção de Gutenberg
facilitou a reprodução e a leitura de livros (como a Bíblia) pelo público
leigo.