Livro obrigatório para quem estuda ciência política, A Democracia na América se mantém como uma obra fundamental para a compreensão do poder e da grandeza dos Estados Unidos. Tocqueville escreveu essa sua obra-prima com apenas 30 anos, e ele demonstrou um profundo entendimento das leis e instituições americanas depois de apenas algum tempo vivendo na América. O resultado é um livro que prova que a liberdade, a busca pela igualdade, o respeito pelos magistrados e à lei e o estabelecimento de instituições democráticas, aliadas a uma constituição que é conhecida e respeitada pelo povo, podem produzir uma nação sem paralelo em qualquer época da humanidade. O que percebemos desde o início da história americana é que a Inglaterra não chegou a colonizar o país como fizeram o império português e espanhol nas províncias ao sul. Nunca houve o objetivo de se pilhar o país e de enviar cidadãos que não tivessem o menor interesse em estabelecer e aprimorar às instituições da nova colônia inglesa.
Na verdade, os
Estados Unidos contaram um pouco com a sorte porque os peregrinos ( os
puritanos expulsos da Inglaterra) não tinham o objetivo de retornarem à
metrópole, dessa forma, o que restava a fazer era criar uma nova civilização
que fosse original, independente e com leis estáveis. Para quem já leu a Ética
protestante e o Espírito do Capitalismo, um resumo da mentalidade puritana é
desnecessário, mas creio ser preciso enfatizar a busca dessa seita religiosa
pela educação, por um capitalismo ético e pelo respeito à lei. Se nas colônias
ibéricas nunca existiu a crença de que a educação fosse para todos por uma
influência negativa dos jesuítas, na nova colônia americana a educação e a
propagação de escolas e universidades eram quase que artigo de fé. É de
impressionar a religiosidade de seus primeiros imigrantes e seu estranho
fundamentalismo baseado no antigo testamento, mas que para a sorte da futura
nação americana, nunca foi aplicado na prática.
Outro aspecto que
devemos estudar é o lugar que os magistrados ocupavam na sociedade. Como
percebeu Tocqueville, quando acontecia algum crime como um assassinato ou um
leve desvio da lei por algum cidadão, era como se tivesse ocorrido um crime
contra toda a nação, de forma que toda a comunidade se unia para capturar o
criminoso e julgá-lo. Isso pode ser observado ainda hoje naquele país.
Tocqueville acredita que uma importante diferença da jovem nação americana para
os países europeus é que os americanos praticavam uma centralização
governamental e uma descentralização administrativa, enquanto os Estados
europeus como a França, praticavam tanto a centralização governamental quanto a
administrativa. Tocqueville defende o modelo americano e faz um longo estudo
sobre a comuna nesse país que concedia grande liberdade para as cidades e
Estados da federação. Dentro desse excelente livro, o autor ainda destacou
algumas crenças que produziram a força da América e também suas fraquezas, como
a paixão pela liberdade de imprensa e a livre circulação dos jornais; um clero
esclarecido e que tinha como princípio o respeito pela separação da esfera
religiosa do poder civil; funcionários públicos respeitados por uma população
que os vigiava e cobrava eficiência, de forma que o funcionalismo público na
América não buscava vantagens pessoais ou “estabilidade”, mas que tinha
consciência dos seus deveres e obrigações.
Tocqueville
acreditava que a jovem nação americana possuía alguns problemas também, como
aquela que seria a grande fraqueza da democracia, ou seja, o domínio e a
tirania da maioria, e o problema da escravidão. Quanto à questão da tirania da
maioria, Tocqueville foi profético da mesma forma que foi quanto à questão da
futura guerra civil americana. Alguns podem se perguntar: em relação aos
direitos das minorias, não seria o caso que a democracia exerceria uma opressão
quanto a esses grupos? A história demonstrou que não. As minorias se
organizando em pequenos grupos que no início só aparentemente eram
revolucionários, conseguiram alcançar o poder pela conquista da maioria da
opinião pública, que nas democracias é o verdadeiro deus a ser adorado. Eu
achei o estudo de Tocqueville sobre as populações indígenas e negras nos
Estados Unidos como algo bastante original. O indígena, como o autor previu,
foi quase exterminado, porque ao contrário do escravo negro, possuía um orgulho
de se achar superior aos brancos, de maneira que nunca esteve disposto a se
integrar na sociedade americana e a adotar os meios de produção dos homens
brancos, como a agricultura, a organização religiosa e a indústria. Os negros
fizeram exatamente o oposto dos indígenas, porque desde o início adotaram as
práticas das populações europeias, mas sempre sofreram porque mesmo tentando
ser como os europeus, nunca foram vistos pelos brancos como seres humanos
iguais àqueles.
Na segunda parte
do livro escrita cinco anos depois da primeira, Tocqueville faz um estudo mais
amplo a respeito da democracia, incluindo suas opiniões sobre o estado das
artes e da ciência, como a poesia, o teatro e a filosofia sob um governo
democrático em comparação com um governo aristocrático. É preciso dizer que
nessa segunda parte de A Democracia na América, Tocqueville é um pouco
subjetivo, mas isso não diminui a força e a importância dessa obra. Certas
passagens na segunda parte reforçam as observações feitas pelo autor no
primeiro livro, como o espírito democrático das várias seitas religiosas do
país, a fé que os americanos demonstram pela liberdade de imprensa e a livre
circulação dos jornais, e Tocqueville ainda acrescenta algo importante: a liberdade
das mulheres que vivem na democracia americana. Essa parte é interessante
porque o autor demonstra a educação e a autoconfiança das mulheres americanas
como tendo origem na religião protestante. Quase no final do livro existe uma
previsão errônea do autor e um grande acerto dele. O erro de Tocqueville foi de
achar que a era das revoluções estava chegando ao fim por causa da crescente
onda democrática do século XIX. Quem conhece a história sabe que desde 1848, na
chamada primavera dos povos, até hoje em dia em 2013, as revoluções sucedem
umas às outras. A grande previsão de Tocqueville que se confirmou foi a que se
a revolução e a guerra tomassem conta dos Estados Unidos seria pelo fato do
norte ser industrial e o sul escravagista. O autor diz claramente que seria a
situação dos negros americanos que geraria uma revolta e insurreição naquele
país.