Diz uma frase famosa, muito citada: “O melhor governo é o que menos governa”. Esta não me parece uma caracterização adequada das funções de um bom governo. Compete a ele fazer todas as coisas para as quais ele é necessário e para as quais foi instituído. Tem o dever de proteger as pessoas dentro do país contra as investidas violentas e fraudulentas de bandidos, bem como de defender o país contra inimigos externos. São estas as funções do governo num sistema livre, no sistema da economia de mercado. No socialismo, obviamente, o governo é totalitário, nada escapando à sua esfera e sua jurisdição. Mas na economia de mercado, a principal incumbência do governo é proteger o funcionamento harmônico desta economia contra a fraude ou a violência originada dentro ou fora do país. Os que discordam desta definição das funções do governo poderão dizer: “Este homem abomina o governo”. Nada poderia estar mais longe da verdade. Se digo que a gasolina é um líquido de grande serventia, útil para muitos propósitos, mas que, não obstante, eu não a beberia, por não me parecer esse o uso próprio para o produto, não me converto por isso num inimigo da gasolina, nem se poderia dizer que odeio a gasolina. Digo apenas que ela é muito útil para determinados fins, mas inadequada para outros. Se digo que é dever do governo prender assassinos e demais criminosos, mas que não é seu dever abrir estradas ou gastar dinheiro em inutilidades, não quer dizer que eu odeie o governo apenas por afirmar que ele está qualificado para fazer determinadas coisas, mas não o está para outras.
Que é o intervencionismo? O
intervencionismo significa a não restrição, por parte do governo, de sua
atividade, em relação à preservação da ordem, ou – como se costumava dizer cem
anos atrás – em relação à “produção da segurança”. O intervencionismo
revela um governo desejoso de fazer mais. Desejoso de interferir nos
fenômenos de mercado. Alguém que discorde, afirmando que o governo não
deveria intervir nos negócios, poderá ouvir, com muita freqüência, a seguinte
resposta: “Mas o governo sempre interfere, necessariamente. Se há
policiais nas ruas, o governo está interferindo. Interfere quando um
assaltante rouba uma loja ou quando evita que alguém furte um automóvel”.
Mas quando falamos de intervencionismo, e definimos o significado do termo,
referimo-nos à interferência governamental no mercado. (Que o governo e a
polícia se encarreguem de proteger os cidadãos, e entre eles os homens de
negócio e, evidentemente, seus empregados, contra ataques de bandidos
nacionais ou do exterior, é efetivamente uma expectativa normal e necessária,
algo a se esperar de qualquer governo. Essa proteção não constitui uma
intervenção, pois a única função legítima do governo é, precisamente, produzir
segurança.) Quando falamos de intervencionismo, referimo-nos ao desejo que
experimenta o governo de fazer mais que impedir assaltos e fraudes. O
intervencionismo significa que o governo não somente fracassa em proteger o
funcionamento harmonioso da economia de mercado, como também interfere em
vários fenômenos de mercado: interfere nos preços, nos padrões salariais, nas
taxas de juro e de lucro.
O governo quer interferir com a finalidade de obrigar os homens de negócio a conduzir suas atividades de maneira diversa da que escolheriam caso tivessem de obedecer apenas aos consumidores. Assim, todas as medidas de intervencionismo governamental têm por objetivo restringir a supremacia do consumidor. O governo quer arrogar a si mesmo o poder – ou pelo menos parte do poder – que, na economia de mercado livre, pertence aos consumidores. Consideremos um exemplo de intervencionismo bastante conhecido em muitos países e experimentado, vezes sem conta, por inúmeros governos, especialmente em tempos de inflação. Refiro-me ao controle de preços. Em geral, os governos recorrem ao controle de preços depois de terem inflacionado a oferta de moeda e de a população ter começado a se queixar do decorrente aumento dos preços. Há muitos e famosos exemplos históricos do fracasso de métodos de controle dos preços, mas mencionarei apenas dois, porque em ambos os governos foram, de fato, extremamente enérgicos ao impor, ou tentar impor, seus controles de preço.
MISES, Von Ludwig. As seis lições. Tradução: Maria Luisa Borges. São Paulo.Instituto Ludwig Von Mises.7º Edicção. 2009. ( Trecho – Terceira lição: O intervencionismo, pg. 45)