1. INTRODUÇÃO
Fala-se, algumas vezes, da
distância que há entre a Filosofia, os filósofos e a realidade vivida. Fazendo
parte do corpo docente de Filosofia de um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, questionou-se
pela definição e gênese desse termo, antes negritado em sua acepção moderna.
Deparou-se assim com quatro grandes pensadores do período: Francis Bacon,
Galileu Galilei, René Descartes e Isaac Newton. Âncoras da emergência do
paradigma científico hegemônico dessa contemporaneidade delimita-se a presente
investigação nas contribuições do terceiro deles.Desse modo,
tendo-se evidenciado uma sacralização da modernidade científica já identificada
por Cotrim (2006)1, questiona-se pelas cartesianas condições de possibilidade de tal
feito. Para tanto se perquire: teria Descartes contribuído de fato com a
emergência da ciência moderna? Em que termos? Em que condições? Eis algumas das
questões que se busca resolver ao longo deste texto ao se buscar entender as
reais contribuições da emergência da ciência moderna no período de 1550 a 1650,
a partir das principais obras de René Du Perron Descartes. Isso porque, tendo
como problema de pesquisa maior analisar as influências das diferentes
correntes do ensino de Filosofia das Ciências, é necessário analisar suas
diferentes concepções e fundamentos epistemológicos. Um desses alicerces, ainda
hoje presentes na cientificidade, é o sistema epistêmico a nós legado pela
modernidade. Busca-se assim, por meio desse artigo, problematizar o nascimento
da ciência moderna a partir daquele ícone fundamental para sua constituição.
Para tanto, apresenta-se uma análise da importância de algumas contribuições de
Descartes para a emergência e constituição de algumas ciências na gênese da
modernidade.
2. DESCARTES E ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES CIENTÍFICAS
Reconhecido como “pai da
filosofia moderna”, de acordo com Crombie (2007)6, as influências de Descartes não
são apenas encontradas naquela antiga área de saberes, mas também na
Matemática, na Física, na Fisiologia, na Mecânica entre outros saberes. Foi
pelos primeiros estudos da apresentada Mathesis
que, em março de 1619, “relatou a Beeckman seu primeiro vislumbre de uma
ciência inteiramente nova que veio a chamar-se geometria analítica”
(COTTINGHAM, 1995, p. 598)7. E, quanto às contribuições desse pensador, teria ele apenas
contribuído com a Filosofia e a Matemática ou também com outras áreas do
conhecimento? Quais teriam sido outras de suas contribuições pelas quais teria
avançado a própria cientificidade moderna? Observando-se que se para Newton, primeiro
tem-se a análise da experiência para depois investigar suas causas, para
Descartes, ainda preso a uma tradição escolástica, primeiro faz uma análise da
razão, de seus princípios, de suas ideias que podem ser aceitas como claras e
evidentes e de seus fundamentos, para só depois passar aos elementos da
natureza. Distinguindo-se esses dois diferentes planos de investigação,
evidencia-se uma forte equivalência da importância de ambos os planos ao se
lembrar das contribuições do primeiro até mesmo para o desenvolvimento da
matemática e sua posterior aplicação na teoria do cálculo de Newton. Mas quais
teriam sido as maiores contribuições de Descartes na Matemática?
Sem sombra de dúvidas, as maiores
contribuições científicas de Descartes, além da reverberação do método como
princípio a ser aplicado em busca de novas descobertas, foram dadas à área da
Matemática. É também por causa de suas descobertas nessa área do conhecimento
humano que publica o Discurso do Método como sendo seu prefácio. Nela, é
reconhecido por ter criado o plano cartesiano, ao localizar um ponto numa dada
superfície mediante um relacionamento entre duas retas que se cruzam (x, y)
permitindo a evolução da própria cartografia. Ele concebeu sua:
‘verdadeira matemática’ como
ciência da grandeza, ou da quantidade em si. Ele aperfeiçoou a configuração
algébrica substituindo os símbolos cossistas antigos pelas letras do alfabeto,
usando, no início (nas Regulae),
letras maiúsculas para denotar as quantidades conhecidas, e letras minúsculas
para denotar as desconhecidas. Mais tarde (na Géométrie), mudou para a,b,c;
x,y,z, notação utilizada ainda hoje
(MAHONEY, 2007, p. 603, grifos do autor)8.
Não bastasse essa profunda
transformação algébrica, assim empregada ainda hoje, num “passo mais radical, removeu
então os últimos vestígios de expressão verbal (e a conceitualização que a
acompanhava), substituindo os termos ‘quadrado’, ‘cubo’ etc. por expoentes
numéricos” (MAHONEY, 2007, p. 603)8. Nela também apresentou uma nova geometria: a analítica, na qual há uma
associação de cálculos algébricos para o estudo da área que uma dada figura
pode ocupar, entre outras tantas funções. É a aplicação do plano cartesiano
para se encontrar as áreas dos
objetos de formatos espaciais irregulares. Um cálculo de extrema importância
ainda hoje nas engenharias, por exemplo, para se encontrar uma área quadrada de
um objeto, pressuposta para se obter seu volume - ao não ter um formato preciso
de um retângulo ou círculo, mas uma combinação entre eles. Essa será uma das
bases do cálculo integral, razão pela qual, assim como Pierre Fermat, divide o
reconhecimento de ser um dos seus primeiros fundadores (MAHONEY, 2007, p. 605)8.
Bem lembrados, até o
renascimento, a teologia era a rainha de todas as ciências e a filosofia era
sua serva. A autonomia desses saberes, contudo, não foi dado da noite para o
dia, mas por um complexo processo dependente não apenas de observações
empíricas – como as já feitas por Galileu Galilei – mas de um método que
pudesse ainda teorizá-las. Também conhecido como um dos maiores matemáticos de
seu tempo, Descartes igualmente “abriu o caminho para a aplicação do método
matemático na investigação de problemas científicos [...] por mais de três
séculos de influência universal” (MAHONEY, 2007, p. 605)8. Embora tenha apresentado
grandes contribuições a mathesis a
tal ponto de sua nova geometria passar a ser o ponto central da ciência
moderna, seus legados se estenderam até os sistemas de pensamento que passarão
a ser hegemônicos nos séculos seguintes. Isso, pois ele não mediu esforços, não
apenas para trazer novidades à Matemática, mas também para analisar os meios
seguidos para tal êxito. Meios esses expostos num antigo prefácio hoje tão
lido, publicado e reverenciado de modo independente das suas outras três partes
não menos importantes: Meteoros, Dióptrica e Geometria.
Intitulado originalmente como Discurso do Método para Bem Conduzir a
Própria Razão e Procurar a Verdade
nas Ciências, é considerado por Butterfield (1959, p. 95)10 “um dos livros realmente importantes em nossa história
intelectual”. Tal confirmação também se encontra em Downs (1969)4 para quem, o filósofo em
questão, ao procurar analogicamente a Copérnico, uma revolução do sistema
filosófico científico, acabou contribuindo com a solidificação dos alicerces da
própria modernidade. Até porque, seguindo os pedidos do cardeal De Bérulle,
deveria ele apresentar uma nova filosofia que pudesse fundamentar a medicina
para a conservação da saúde e a mecânica para o alívio do trabalho humano.
Áreas essas em que também deixa reflexões e algumas contribuições, tal como na
própria Física.Buscando substituir a física aristotélica, na esteira de Galileu
Galilei, na nascente Física moderna propunha uma rigorosa aplicação da
matemática. Nela, apresentou leis do movimento e do impacto, embora sejam elas
logo demolidas por Huygens e Leibniz. Também fez estudos e escreveu sobre o
vácuo, a luz e o universo1. Era defensor do heliocentrismo por meio de sua obra Tratado sobre o Mundo. Nessa obra, ele
também apresentava uma dinâmica planetária que será substituída pela
newtoniana.
Além disso, na Dióptrica, que é a parte da Física que
estuda a refração da luz, apresentou soluções anaclásticas. Ou seja, ele
discute e apresenta uma solução para um problema da derivação matemática nas
leis da refração e reflexão posteriormente imprescindíveis para a fabricação
das lentes de óculos (MAHONEY, 2007, p. 606)8. Se Willebrord Snell (1591–1626) teria primeiramente apresentado o
conceito da refração, é Descartes quem apresenta sua fórmula para se calcular
seu índice de incidência na Dióptica (seno do ângulo ‘i’ vezes n1 = seno ângulo
‘r’ vezes n2). Embora Leibniz acuse Descartes de ter plagiado Snell, Beeckman
testemunha Descartes ter primeiramente encontrado aquela famosa lei do seno.2 “Inspirado por um pensamento
cartesiano, determinaria Roemer a velocidade da luz, enquanto Newton,
decompondo-a através do prisma, elucidaria e completaria a teoria de Descartes”
(LINS, 1940, p. 27)2.
Não bastassem essas contribuições
na matemática e na dióptrica, na Mecânica fez estudos sobre o impacto, a força
centrífuga, a oscilação e os sistemas de roldanas. O filósofo em questão também
analisava máquinas que erguessem maior quantidade de peso com menor quantidade
de força. Embora não tenha solucionado todos esses problemas, deixou nessa
área, contribuições fundamentais para que Christiaan Huygens pudesse
posteriormente resolvê-los (MAHONEY, 2007)8.
Para Lins (1940, p. 27)2, Descartes, além de defender a
teoria do heliocentrismo, num período em que essa verdade ainda não era hegemônica,
“funda, secundado por Huyghens, a dinâmica, a qual permitiria a Newton
instituir a mecânica celeste, resumida em sua famosa lei da gravitação [...] e lança
as bases da barologia.” O próprio descobridor da calculadora e da pressão
atmosférica foi influenciado por esse racionalista. Apesar de haver tido certa
disputa entre Descartes e Pascal, eles se encontraram pessoalmente no mosteiro
de Mersenne. E pelos registros das cartas destes pensadores, René Descartes diz
ter colaborado com o cientista da pressão atmosférica ao já ter contestado
anteriormente os que se opunham ao medo do vácuo (RODIS-LEWIS, 2009)12. Pela sugestão do mesmo, “empreende
Pascal, em 1648, a célebre experiência do Puy-de-Dôme que completaria as
pesquisas barológicas de Torricelli” (LINS, 1940, p. 28)2.
A fisiologia também era outra
área de preocupação de Descartes. Embora reconhecido como racionalista, não
nega o valor da experiência. Nela, ele chegou a dissecar embriões de gado,
cães, coelhos, olhos, corações, fígados e gatos, a fim de analisar a digestão,
o movimento do coração, os nervos e a glândula pineal. Possuía uma fisiologia
excessivamente formal. E, ao conceber o homem como uma máquina, também
influenciará muitos dos que vão pensar biologicamente o homem no século XVIII,
tais como Thomas Bartholin e Nicholas Steno, que farão meticulosas pesquisas
anatômicas na contração muscular.
Suas noções do dualismo
corpo-alma e do automatismo animal tiveram implicações extremamente importantes
que não foram desperdiçadas por Henry More, Malenbranche, Spinoza e Leibniz,
entre muitos outros do século XVII. [...] Sem Descartes, a introdução da
linguagem mecânica nas concepções fisiológicas do século XVII teria sido
inconcebível (BROWN, 2007, p. 603-13)13.
Além dessas contribuições pontuais
na Matemática, na Física, na Mecânica e na Fisiologia e no pensamento de Newton
e Pascal, a importância do mesmo não se resume a elas. Mesmo conhecendo o
lamentável ocorrido com Giordano Bruno ou Galileu Galilei, não se submete à
ordem da verdade escolástica – de certa forma – ainda vigente naquele período.
Não reconhecendo “outros limites senão aqueles que o progresso dos
conhecimentos, a cada momento, faz recuar” (DESNÉ, 1974, p. 76)14, defende a soberania de um
método racional de fazer ciência. O Discurso do Método é como
uma espécie de manifesto
constitutivo do pensamento moderno e do espírito científico nascente. Esse
público fazia eco sobretudo às suas concepções mecanicistas (os fenômenos da
natureza são explicáveis por causas motrizes, não finais), tais como se
exprimiam [...] nos Princípios, na Filosofia e nas
obras póstumas Tratado do Homem e
Tratado do Mundo (JAPIASSU, 2007, p. 100)15.
Dedicado a todos os que têm um
bom senso (independente se homem ou mulher), historiadores falam da importância
do mesmo no surgimento da ciência moderna até como estímulo para se ultrapassar
concepções “mágicas” e “herméticas” até então em voga. Além disso, seus
escritos passaram a esclarecer o que era ou não cientificamente possível ao
substituir o modelo aristotélico já vigente há muitos séculos (JAPIASSU, 2007)15.3 Isso, pois não apenas pensou uma
ciência de abstrações empíricas ultrapassando o senso comum, mas que tivesse um
caráter universal. De fato, há em Descartes a busca de uma unidade da ciência
projetada a partir
de uma Mathesis Universalis4. Há assim uma busca de um método
universal, a partir da matemática como modelo exemplar. “Ele é denominado de
Mathesis Universalis porque nos permite conhecer o que diz respeito à ‘ordem e
à medida sem uma aplicação a uma matéria particular’” (JAPIASSU, 2007, p. 103,
itálico do autor)15. Como o próprio filósofo afirma, “as verdades matemáticas não devem
mais ser suspeitas para nós, visto que são perspícuas no mais alto grau”
(DESCARTES, 1998, p. 82)16. Ela é um meio pelo qual, incentivado por Isaac Beeckman em resolver
problemas nela ainda não resolvidos, também será um modelo para repensar a
ciência e o próprio universo.
Antes e acima de tudo, Descartes
foi um matemático. Um dos pensadores mais originais do mundo em seu campo,
criou a geometria analítica, unindo assim a geometria à álgebra. Em sua época,
a matemática era o principal instrumento para descobrir fatos sobre a natureza.
De acordo com isso, portanto, Descartes concluiu que o método matemático era o
instrumento ideal a ser aplicado em todas as esferas do saber e que daria
resultados de igual precisão e confiança em metafísica, lógica e ética. Como
Galileu e Newton, via o universo como uma máquina gigantesca na qual tudo é
mensurável. Consequentemente, concluía que tudo aquilo que não se pode traduzir
em termos matemáticos é irreal. De acordo com essa premissa, o universo inteiro
pode ser explicado pelas leis da mecânica e da matemática (DOWNS, 1969, p. 55)4.
Por fim, reconhece-se que embora
Descartes não tenha contribuído apenas com o desenvolvimento da matemática, que
foi inspirado na exatidão da mesma o fato de ter passado a duvidar de tudo; de
tudo o que não pudesse considerar como certo e indubitável – o que ele mesmo
aclara nas primeiras partes do Discurso do Método. É legítimo filho
renascentista, período em que o homem passa a se projetar pela autonomia da
própria racionalidade. Ao desejar se “entregar inteiramente à busca da verdade
(...) rejeitando como absolutamente falsa qualquer coisa acerca da qual pudesse
imaginar o menor fundamento para a dúvida” (DESCARTES, 1996, p. 91)3, apresenta um modo de se
construir uma nova ciência dedutiva.
Para tanto, distingue o espaço do
pensamento (res cogitans) e da
extensão (res extensa). Para Desné
(1974)14 esse projeto racional cartesiano foi tão fecundo que é até considerado
por D´lambert na abertura da Enciclopédia Iluminista.5
A filosofia iluminista, “filha
emancipada do cartesianismo, [...] deve a Descartes [...] o gosto do
raciocínio, a busca da evidência intelectual, e, sobretudo, a audácia de
exercer livremente seu juízo e de levar a toda parte o espírito da dúvida
metódica” (DESNÉ, 1974, p. 75)14. De fato, como se pode ler nos textos cartesianos, é possível se fazer
ciência a partir de um método universal fundamentado nos princípios da
Matemática. Japiassu (2007, p. 102)15 assim situa Descartes como “fundador do racionalismo moderno” e tão
marcante a tal ponto de ser uma das reais condições de possibilidade da
emergência do próprio “culto moderno da ciência, culto este encontrando suas
raízes em sua concepção da sabedoria considerada como o ‘perfeito conhecimento
de todas as coisas’” (JAPIASSU, 2007, p. 104, grifo do autor)15. De fato, o positivismo dedicará
um dia e um mês em sua homenagem. Nele, até o humano e a “sociedade vão
integrar-se nesse projeto, e cedo o que era dominação da natureza, converte-se
em dominação do homem sobre o homem, o que com certeza não era bem o que Bacon
e Descartes pretendiam com seu prometeísmo” (DOMINGUES, 1989, p. 33)19.
Mas, apesar de marcante e
profundo, questiona-se se unicamente nele dever-se-ia buscar as maiores
influências da ciência moderna. Se considerar a dominação da natureza e sua
transformação como a maior marca da mesma, entender-se-ia como quer Japiassu
(2007, p. 103, grifos do autor)15 que se deve “procurar seus verdadeiros fundadores, não no lado dosdefensores do racionalismo (idealistas), mas dos que fizeram
sistematicamente apelo aos fatos e à experimentação”.
Embora Descartes não seja
empirista e não seja o maior influente do desenvolvimento das ciências da
natureza na modernidade, ao não atribuir o papel central de sua epistemologia à
experiência, com seu método e seus conceitos de razão, ciência e dúvida, ele
foi muito importante aos avanços da ciência moderna. Com seu método, o homem
aperfeiçoou seu próprio senso crítico. Passou a entender-se como senhor de seu
próprio tempo, independente dos ídolos de que Bacon tanto falava. Nem a
verdade, nem o caminho para encontrá-la podem fundamentar-se em dogmas. E aqui
está:
Seu grande mérito: transformar
seu grandioso edifício filosófico num sistema
fundado na Razão e excluindo definitivamente todo recurso aos ocultismos e
vitalismos e suscetível de harmonizar de outro modo ciência, filosofia e
religião. Por isso, forneceu um quadro coerente, harmonioso e completo do
mundo. O homem entregue a si mesmo não é mais este ser perdido [...] deverá
recusar a autoridade dos Antigos e encontrar seu caminho com suas próprias
forças, vale dizer, dominar o discurso e atingir a verdade nas ciências graças
a este verdadeiro ‘guia dos perdidos’ dos novos tempos que é
o método, repousando na intuição racional (JAPIASSU, 2007, p. 102,
grifo do autor)15.
Ao não ser inventor, no sentido
de ter tido nenhuma criação de nova maquinaria que tenha contribuído de modo
direto com a revolução das ciências do século XVII, sua teoria foi muito além
de qualquer limitação temporal (MURSELL, 2013)21. Pela sua filosofia mecanicista
também influenciou a física moderna e as demais ciências naturais desprovidas
da metafísica antiga e medieval. Apesar de sua obra ter sido banida pelo Sínodo
de Dordrecht de 1656 e pelo Index em 1663, sua concepção de ciência contribuirá
para sua solidez moderna ao passar a ser compreendida como um saber certo, uno
e como instrumento de dominação da natureza (BUTTERFIELD, 1959)10. Seu modo de pensar, de certo
modo, ainda continua presente no moderno paradigma científico ainda hegemônico
nos dias atuais.
A observação atenta de seu
pensamento e sua prática em ciência mostra que ele tinha uma concepção clara
não apenas sobre o conhecimento científico, visto como um todo, mas também
sobre o papel da experimentação e das hipóteses nas descobertas e explicações
que fundamentavam esse conhecimento [...] Valorizava a verdadeira demonstração
científica, especialmente a concepção dos geômetras, de um sistema deduzido a
partir de premissas claras e distintas [...] o conhecimento científico tinha de
ser tanto demonstrativo quanto interpretativo. Para Descartes, os dois modos
caminhavam juntos (CROMBIE, 2007, p. 600-1)6.
De acordo com Koyré (1992)22 e o Dicionário de Biografias
Científicas (2007)23 organizado por famosos professores estadunidenses, as influências de
Descartes não podem ser encontradas apenas na Filosofia, na Matemática, Física
e Fisiologia. Ao arquitetar uma nova ciência distanciada da teologia medieval,
foi um grande incentivador dos avanços da própria Revolução Científica aqui em
questão.
3. CONCLUSÃO
Conclui-se a presente pesquisa
ressaltando a grande importância de Descartes à ciência moderna. Isso porque
ele trouxe contribuições diretas na Matemática e na Física, e indiretas na
Fisiologia e outras áreas. Na primeira delas, criou o plano cartesiano
empregado para a demonstração, desde um monitoramento de um terremoto a um
cenário da bolsa de valores de um país. Além disso, apresentou inovações na
geometria, na álgebra e no cálculo. Na segunda delas, apresentou a conhecida
lei dos senos e participou de importantes discussões sobre
mecânica. Na terceira delas,
inspirou novos cientistas a partir da disseção de órgãos e na busca da
compreensão do funcionamento de seu mecanicismo. Descartes desempenhou
significativas contribuições à solidez da ciência moderna. O próprio fato de
ser considerado perigoso para a época – por parte da igreja que ainda tinha
muita força no período – revela o quanto seu pensamento estava à frente de sua
época.Brilhante matemático do plano cartesiano, da geometria analítica e do
aperfeiçoamento da teoria do cálculo, deixou marcas profundas na formação de um
dos maiores nomes da ciência moderna: Isaac Newton.
Não apenas por essas suas
influências pontuais, também deixadas em Pascal, Kant, Leibniz, Malebranche,
Augusto Comte entre tantos outros pensadores e cientistas como Einstein, mas
por ter sistematizado um método de uma ciência entendida como necessária e
universal em favor da técnica que ressalta-se a importância do mesmo.
Dando as costas ao paradigma
escolástico voltado a contemplação das verdades orientadas pela fé, nesse
sentido, eis que também se percebe claramente as influências de Bacon no
pensamento cartesiano. Embora racionalista, como se lê na sexta parte do
Discurso do Método, também buscava conhecer para dominar a natureza e poder
transformá-la em favor dos interesses do homem. Apesar de não ter sido inventor
ou aplicado totalmente seu conhecimento nos fenômenos empíricos, foi
extremamente importante por ter sido um dos teóricos da revolução científica
daquela época. Ainda que hoje haja outros modos de olhar a ciência e sua
fabricação, não há como negar a importância de um autor como Descartes.
Foi imprescindível, para aquele
período, que alguém apresentasse a todos o grande potencial racional que o
homem possui, ainda mais a partir do domínio de um método que ainda hoje, em
parte, segue-se na construção de qualquer projeto de pesquisa universitária.
Também observa-se um grande avanço naquele sistema de pensamento científico em
não buscar entender a matéria pela análise da mesma, mas antes pela compreensão
dos próprios princípios que a antecedem. Fala-se das ideias claras e evidentes
a que se solapa por meio de um novo método racional. Uma compreensão de um
saber alcançado pela aplicação de um método rigoroso, fechado e aplicado numa
dada área de pesquisa. Um conhecimento daí resultante, que tivesse a
necessidade e a universalidade como atributos principais. De fato, uma síntese
de uma visão científica moderna, ainda em voga na atualidade, mas muito
associada ao cartesianismo.
Além de o Filósofo ter
aconselhado cientistas daquela época, continua inspirando o fazer ciências em
nossa própria atualidade. Tendo analisado variados livros de Metodologia
Científica, observa-se ainda ser predominante a necessidade de apresentar um
problema e um método antes da realização de qualquer pesquisa. E essas são algumas
das outras tantas influências cartesianas legadas à contemporaneidade. Além de
ser reconhecido como o pai da filosofia moderna, também é facilmente associado
como fundador da ciência desse mesmo período. Isso, pois, assim como um novo
modo de se fazer filosofia, ele expôs um novo modo racional de pensar. Esse
racional espírito filosófico científico, por meio do questionamento da
autoridade e de qualquer verdade que não fosse clara e evidente, foi um de seus
maiores legados. Ao ter apresentado a razão como uma ferramenta confiável para
o ser humano interferir na realidade, tornou possível a revolução científica do
século XVII e a própria evolução da Física nos séculos XVII e XVIII.6
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6 A este
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