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sábado, 14 de outubro de 2017

AS CONTRIBUIÇÕES CIENTÍFICAS DE DESCARTES

             

1. INTRODUÇÃO

Fala-se, algumas vezes, da distância que há entre a Filosofia, os filósofos e a realidade vivida. Fazendo parte do corpo docente de Filosofia de um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, questionou-se pela definição e gênese desse termo, antes negritado em sua acepção moderna. Deparou-se assim com quatro grandes pensadores do período: Francis Bacon, Galileu Galilei, René Descartes e Isaac Newton. Âncoras da emergência do paradigma científico hegemônico dessa contemporaneidade delimita-se a presente investigação nas contribuições do terceiro deles.Desse modo, tendo-se evidenciado uma sacralização da modernidade científica já identificada por Cotrim (2006)1, questiona-se pelas cartesianas condições de possibilidade de tal feito. Para tanto se perquire: teria Descartes contribuído de fato com a emergência da ciência moderna? Em que termos? Em que condições? Eis algumas das questões que se busca resolver ao longo deste texto ao se buscar entender as reais contribuições da emergência da ciência moderna no período de 1550 a 1650, a partir das principais obras de René Du Perron Descartes. Isso porque, tendo como problema de pesquisa maior analisar as influências das diferentes correntes do ensino de Filosofia das Ciências, é necessário analisar suas diferentes concepções e fundamentos epistemológicos. Um desses alicerces, ainda hoje presentes na cientificidade, é o sistema epistêmico a nós legado pela modernidade. Busca-se assim, por meio desse artigo, problematizar o nascimento da ciência moderna a partir daquele ícone fundamental para sua constituição. Para tanto, apresenta-se uma análise da importância de algumas contribuições de Descartes para a emergência e constituição de algumas ciências na gênese da modernidade.



2. DESCARTES E ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES CIENTÍFICAS

Reconhecido como “pai da filosofia moderna”, de acordo com Crombie (2007)6, as influências de Descartes não são apenas encontradas naquela antiga área de saberes, mas também na Matemática, na Física, na Fisiologia, na Mecânica entre outros saberes. Foi pelos primeiros estudos da apresentada Mathesis que, em março de 1619, “relatou a Beeckman seu primeiro vislumbre de uma ciência inteiramente nova que veio a chamar-se geometria analítica” (COTTINGHAM, 1995, p. 598)7. E, quanto às contribuições desse pensador, teria ele apenas contribuído com a Filosofia e a Matemática ou também com outras áreas do conhecimento? Quais teriam sido outras de suas contribuições pelas quais teria avançado a própria cientificidade moderna? Observando-se que se para Newton, primeiro tem-se a análise da experiência para depois investigar suas causas, para Descartes, ainda preso a uma tradição escolástica, primeiro faz uma análise da razão, de seus princípios, de suas ideias que podem ser aceitas como claras e evidentes e de seus fundamentos, para só depois passar aos elementos da natureza. Distinguindo-se esses dois diferentes planos de investigação, evidencia-se uma forte equivalência da importância de ambos os planos ao se lembrar das contribuições do primeiro até mesmo para o desenvolvimento da matemática e sua posterior aplicação na teoria do cálculo de Newton. Mas quais teriam sido as maiores contribuições de Descartes na Matemática?

Sem sombra de dúvidas, as maiores contribuições científicas de Descartes, além da reverberação do método como princípio a ser aplicado em busca de novas descobertas, foram dadas à área da Matemática. É também por causa de suas descobertas nessa área do conhecimento humano que publica o Discurso do Método como sendo seu prefácio. Nela, é reconhecido por ter criado o plano cartesiano, ao localizar um ponto numa dada superfície mediante um relacionamento entre duas retas que se cruzam (x, y) permitindo a evolução da própria cartografia. Ele concebeu sua:


‘verdadeira matemática’ como ciência da grandeza, ou da quantidade em si. Ele aperfeiçoou a configuração algébrica substituindo os símbolos cossistas antigos pelas letras do alfabeto, usando, no início (nas Regulae), letras maiúsculas para denotar as quantidades conhecidas, e letras minúsculas para denotar as desconhecidas. Mais tarde (na Géométrie), mudou para a,b,c; x,y,z, notação utilizada ainda hoje (MAHONEY, 2007, p. 603, grifos do autor)8.

Não bastasse essa profunda transformação algébrica, assim empregada ainda hoje, num “passo mais radical, removeu então os últimos vestígios de expressão verbal (e a conceitualização que a acompanhava), substituindo os termos ‘quadrado’, ‘cubo’ etc. por expoentes numéricos” (MAHONEY, 2007, p. 603)8. Nela também apresentou uma nova geometria: a analítica, na qual há uma associação de cálculos algébricos para o estudo da área que uma dada figura pode ocupar, entre outras tantas funções. É a aplicação do plano cartesiano
para se encontrar as áreas dos objetos de formatos espaciais irregulares. Um cálculo de extrema importância ainda hoje nas engenharias, por exemplo, para se encontrar uma área quadrada de um objeto, pressuposta para se obter seu volume - ao não ter um formato preciso de um retângulo ou círculo, mas uma combinação entre eles. Essa será uma das bases do cálculo integral, razão pela qual, assim como Pierre Fermat, divide o reconhecimento de ser um dos seus primeiros fundadores (MAHONEY, 2007, p. 605)8.

Bem lembrados, até o renascimento, a teologia era a rainha de todas as ciências e a filosofia era sua serva. A autonomia desses saberes, contudo, não foi dado da noite para o dia, mas por um complexo processo dependente não apenas de observações empíricas – como as já feitas por Galileu Galilei – mas de um método que pudesse ainda teorizá-las. Também conhecido como um dos maiores matemáticos de seu tempo, Descartes igualmente “abriu o caminho para a aplicação do método matemático na investigação de problemas científicos [...] por mais de três séculos de influência universal” (MAHONEY, 2007, p. 605)8. Embora tenha apresentado grandes contribuições a mathesis a tal ponto de sua nova geometria passar a ser o ponto central da ciência moderna, seus legados se estenderam até os sistemas de pensamento que passarão a ser hegemônicos nos séculos seguintes. Isso, pois ele não mediu esforços, não apenas para trazer novidades à Matemática, mas também para analisar os meios seguidos para tal êxito. Meios esses expostos num antigo prefácio hoje tão lido, publicado e reverenciado de modo independente das suas outras três partes não menos importantes: Meteoros, Dióptrica e Geometria.

Intitulado originalmente como Discurso do Método para Bem Conduzir a Própria Razão e Procurar a Verdade nas Ciências, é considerado por Butterfield (1959, p. 95)10 “um dos livros realmente importantes em nossa história intelectual”. Tal confirmação também se encontra em Downs (1969)4 para quem, o filósofo em questão, ao procurar analogicamente a Copérnico, uma revolução do sistema filosófico científico, acabou contribuindo com a solidificação dos alicerces da própria modernidade. Até porque, seguindo os pedidos do cardeal De Bérulle, deveria ele apresentar uma nova filosofia que pudesse fundamentar a medicina para a conservação da saúde e a mecânica para o alívio do trabalho humano. Áreas essas em que também deixa reflexões e algumas contribuições, tal como na própria Física.Buscando substituir a física aristotélica, na esteira de Galileu Galilei, na nascente Física moderna propunha uma rigorosa aplicação da matemática. Nela, apresentou leis do movimento e do impacto, embora sejam elas logo demolidas por Huygens e Leibniz. Também fez estudos e escreveu sobre o vácuo, a luz e o universo1. Era defensor do heliocentrismo por meio de sua obra Tratado sobre o Mundo. Nessa obra, ele também apresentava uma dinâmica planetária que será substituída pela newtoniana.

Além disso, na Dióptrica, que é a parte da Física que estuda a refração da luz, apresentou soluções anaclásticas. Ou seja, ele discute e apresenta uma solução para um problema da derivação matemática nas leis da refração e reflexão posteriormente imprescindíveis para a fabricação das lentes de óculos (MAHONEY, 2007, p. 606)8. Se Willebrord Snell (1591–1626) teria primeiramente apresentado o conceito da refração, é Descartes quem apresenta sua fórmula para se calcular seu índice de incidência na Dióptica (seno do ângulo ‘i’ vezes n1 = seno ângulo ‘r’ vezes n2). Embora Leibniz acuse Descartes de ter plagiado Snell, Beeckman testemunha Descartes ter primeiramente encontrado aquela famosa lei do seno.2 “Inspirado por um pensamento cartesiano, determinaria Roemer a velocidade da luz, enquanto Newton, decompondo-a através do prisma, elucidaria e completaria a teoria de Descartes” (LINS, 1940, p. 27)2.

Não bastassem essas contribuições na matemática e na dióptrica, na Mecânica fez estudos sobre o impacto, a força centrífuga, a oscilação e os sistemas de roldanas. O filósofo em questão também analisava máquinas que erguessem maior quantidade de peso com menor quantidade de força. Embora não tenha solucionado todos esses problemas, deixou nessa área, contribuições fundamentais para que Christiaan Huygens pudesse posteriormente resolvê-los (MAHONEY, 2007)8.

Para Lins (1940, p. 27)2, Descartes, além de defender a teoria do heliocentrismo, num período em que essa verdade ainda não era hegemônica, “funda, secundado por Huyghens, a dinâmica, a qual permitiria a Newton instituir a mecânica celeste, resumida em sua famosa lei da gravitação [...] e lança as bases da barologia.” O próprio descobridor da calculadora e da pressão atmosférica foi influenciado por esse racionalista. Apesar de haver tido certa disputa entre Descartes e Pascal, eles se encontraram pessoalmente no mosteiro de Mersenne. E pelos registros das cartas destes pensadores, René Descartes diz ter colaborado com o cientista da pressão atmosférica ao já ter contestado anteriormente os que se opunham ao medo do vácuo (RODIS-LEWIS, 2009)12. Pela sugestão do mesmo, “empreende Pascal, em 1648, a célebre experiência do Puy-de-Dôme que completaria as pesquisas barológicas de Torricelli” (LINS, 1940, p. 28)2.

A fisiologia também era outra área de preocupação de Descartes. Embora reconhecido como racionalista, não nega o valor da experiência. Nela, ele chegou a dissecar embriões de gado, cães, coelhos, olhos, corações, fígados e gatos, a fim de analisar a digestão, o movimento do coração, os nervos e a glândula pineal. Possuía uma fisiologia excessivamente formal. E, ao conceber o homem como uma máquina, também influenciará muitos dos que vão pensar biologicamente o homem no século XVIII, tais como Thomas Bartholin e Nicholas Steno, que farão meticulosas pesquisas anatômicas na contração muscular.

Suas noções do dualismo corpo-alma e do automatismo animal tiveram implicações extremamente importantes que não foram desperdiçadas por Henry More, Malenbranche, Spinoza e Leibniz, entre muitos outros do século XVII. [...] Sem Descartes, a introdução da linguagem mecânica nas concepções fisiológicas do século XVII teria sido inconcebível (BROWN, 2007, p. 603-13)13.

Além dessas contribuições pontuais na Matemática, na Física, na Mecânica e na Fisiologia e no pensamento de Newton e Pascal, a importância do mesmo não se resume a elas. Mesmo conhecendo o lamentável ocorrido com Giordano Bruno ou Galileu Galilei, não se submete à ordem da verdade escolástica – de certa forma – ainda vigente naquele período. Não reconhecendo “outros limites senão aqueles que o progresso dos conhecimentos, a cada momento, faz recuar” (DESNÉ, 1974, p. 76)14, defende a soberania de um método racional de fazer ciência. O Discurso do Método é como

uma espécie de manifesto constitutivo do pensamento moderno e do espírito científico nascente. Esse público fazia eco sobretudo às suas concepções mecanicistas (os fenômenos da natureza são explicáveis por causas motrizes, não finais), tais como se exprimiam [...] nos Princípios, na Filosofia e nas

obras póstumas Tratado do Homem e Tratado do Mundo (JAPIASSU, 2007, p. 100)15.

Dedicado a todos os que têm um bom senso (independente se homem ou mulher), historiadores falam da importância do mesmo no surgimento da ciência moderna até como estímulo para se ultrapassar concepções “mágicas” e “herméticas” até então em voga. Além disso, seus escritos passaram a esclarecer o que era ou não cientificamente possível ao substituir o modelo aristotélico já vigente há muitos séculos (JAPIASSU, 2007)15.3 Isso, pois não apenas pensou uma ciência de abstrações empíricas ultrapassando o senso comum, mas que tivesse um caráter universal. De fato, há em Descartes a busca de uma unidade da ciência projetada a partir

de uma Mathesis Universalis4. Há assim uma busca de um método universal, a partir da matemática como modelo exemplar. “Ele é denominado de Mathesis Universalis porque nos permite conhecer o que diz respeito à ‘ordem e à medida sem uma aplicação a uma matéria particular’” (JAPIASSU, 2007, p. 103, itálico do autor)15. Como o próprio filósofo afirma, “as verdades matemáticas não devem mais ser suspeitas para nós, visto que são perspícuas no mais alto grau” (DESCARTES, 1998, p. 82)16. Ela é um meio pelo qual, incentivado por Isaac Beeckman em resolver problemas nela ainda não resolvidos, também será um modelo para repensar a ciência e o próprio universo.

Antes e acima de tudo, Descartes foi um matemático. Um dos pensadores mais originais do mundo em seu campo, criou a geometria analítica, unindo assim a geometria à álgebra. Em sua época, a matemática era o principal instrumento para descobrir fatos sobre a natureza. De acordo com isso, portanto, Descartes concluiu que o método matemático era o instrumento ideal a ser aplicado em todas as esferas do saber e que daria resultados de igual precisão e confiança em metafísica, lógica e ética. Como Galileu e Newton, via o universo como uma máquina gigantesca na qual tudo é mensurável. Consequentemente, concluía que tudo aquilo que não se pode traduzir em termos matemáticos é irreal. De acordo com essa premissa, o universo inteiro pode ser explicado pelas leis da mecânica e da matemática (DOWNS, 1969, p. 55)4.

Por fim, reconhece-se que embora Descartes não tenha contribuído apenas com o desenvolvimento da matemática, que foi inspirado na exatidão da mesma o fato de ter passado a duvidar de tudo; de tudo o que não pudesse considerar como certo e indubitável – o que ele mesmo aclara nas primeiras partes do Discurso do Método. É legítimo filho renascentista, período em que o homem passa a se projetar pela autonomia da própria racionalidade. Ao desejar se “entregar inteiramente à busca da verdade (...) rejeitando como absolutamente falsa qualquer coisa acerca da qual pudesse imaginar o menor fundamento para a dúvida” (DESCARTES, 1996, p. 91)3, apresenta um modo de se construir uma nova ciência dedutiva.

Para tanto, distingue o espaço do pensamento (res cogitans) e da extensão (res extensa). Para Desné (1974)14 esse projeto racional cartesiano foi tão fecundo que é até considerado por D´lambert na abertura da Enciclopédia Iluminista.5

A filosofia iluminista, “filha emancipada do cartesianismo, [...] deve a Descartes [...] o gosto do raciocínio, a busca da evidência intelectual, e, sobretudo, a audácia de exercer livremente seu juízo e de levar a toda parte o espírito da dúvida metódica” (DESNÉ, 1974, p. 75)14. De fato, como se pode ler nos textos cartesianos, é possível se fazer ciência a partir de um método universal fundamentado nos princípios da Matemática. Japiassu (2007, p. 102)15 assim situa Descartes como “fundador do racionalismo moderno” e tão marcante a tal ponto de ser uma das reais condições de possibilidade da emergência do próprio “culto moderno da ciência, culto este encontrando suas raízes em sua concepção da sabedoria considerada como o ‘perfeito conhecimento de todas as coisas’” (JAPIASSU, 2007, p. 104, grifo do autor)15. De fato, o positivismo dedicará um dia e um mês em sua homenagem. Nele, até o humano e a “sociedade vão integrar-se nesse projeto, e cedo o que era dominação da natureza, converte-se em dominação do homem sobre o homem, o que com certeza não era bem o que Bacon e Descartes pretendiam com seu prometeísmo” (DOMINGUES, 1989, p. 33)19.

Mas, apesar de marcante e profundo, questiona-se se unicamente nele dever-se-ia buscar as maiores influências da ciência moderna. Se considerar a dominação da natureza e sua transformação como a maior marca da mesma, entender-se-ia como quer Japiassu (2007, p. 103, grifos do autor)15 que se deve “procurar seus verdadeiros fundadores, não no lado dosdefensores do racionalismo (idealistas), mas dos que fizeram sistematicamente apelo aos fatos e à experimentação”.

Embora Descartes não seja empirista e não seja o maior influente do desenvolvimento das ciências da natureza na modernidade, ao não atribuir o papel central de sua epistemologia à experiência, com seu método e seus conceitos de razão, ciência e dúvida, ele foi muito importante aos avanços da ciência moderna. Com seu método, o homem aperfeiçoou seu próprio senso crítico. Passou a entender-se como senhor de seu próprio tempo, independente dos ídolos de que Bacon tanto falava. Nem a verdade, nem o caminho para encontrá-la podem fundamentar-se em dogmas. E aqui está:

Seu grande mérito: transformar seu grandioso edifício filosófico num sistema fundado na Razão e excluindo definitivamente todo recurso aos ocultismos e vitalismos e suscetível de harmonizar de outro modo ciência, filosofia e religião. Por isso, forneceu um quadro coerente, harmonioso e completo do mundo. O homem entregue a si mesmo não é mais este ser perdido [...] deverá recusar a autoridade dos Antigos e encontrar seu caminho com suas próprias forças, vale dizer, dominar o discurso e atingir a verdade nas ciências graças a este verdadeiro ‘guia dos perdidos’ dos novos tempos que é

o método, repousando na intuição racional (JAPIASSU, 2007, p. 102, grifo do autor)15.

Ao não ser inventor, no sentido de ter tido nenhuma criação de nova maquinaria que tenha contribuído de modo direto com a revolução das ciências do século XVII, sua teoria foi muito além de qualquer limitação temporal (MURSELL, 2013)21. Pela sua filosofia mecanicista também influenciou a física moderna e as demais ciências naturais desprovidas da metafísica antiga e medieval. Apesar de sua obra ter sido banida pelo Sínodo de Dordrecht de 1656 e pelo Index em 1663, sua concepção de ciência contribuirá para sua solidez moderna ao passar a ser compreendida como um saber certo, uno e como instrumento de dominação da natureza (BUTTERFIELD, 1959)10. Seu modo de pensar, de certo modo, ainda continua presente no moderno paradigma científico ainda hegemônico nos dias atuais.

A observação atenta de seu pensamento e sua prática em ciência mostra que ele tinha uma concepção clara não apenas sobre o conhecimento científico, visto como um todo, mas também sobre o papel da experimentação e das hipóteses nas descobertas e explicações que fundamentavam esse conhecimento [...] Valorizava a verdadeira demonstração científica, especialmente a concepção dos geômetras, de um sistema deduzido a partir de premissas claras e distintas [...] o conhecimento científico tinha de ser tanto demonstrativo quanto interpretativo. Para Descartes, os dois modos caminhavam juntos (CROMBIE, 2007, p. 600-1)6.

De acordo com Koyré (1992)22 e o Dicionário de Biografias Científicas (2007)23 organizado por famosos professores estadunidenses, as influências de Descartes não podem ser encontradas apenas na Filosofia, na Matemática, Física e Fisiologia. Ao arquitetar uma nova ciência distanciada da teologia medieval, foi um grande incentivador dos avanços da própria Revolução Científica aqui em questão.


3. CONCLUSÃO

Conclui-se a presente pesquisa ressaltando a grande importância de Descartes à ciência moderna. Isso porque ele trouxe contribuições diretas na Matemática e na Física, e indiretas na Fisiologia e outras áreas. Na primeira delas, criou o plano cartesiano empregado para a demonstração, desde um monitoramento de um terremoto a um cenário da bolsa de valores de um país. Além disso, apresentou inovações na geometria, na álgebra e no cálculo. Na segunda delas, apresentou a conhecida lei dos senos e participou de importantes discussões sobre
mecânica. Na terceira delas, inspirou novos cientistas a partir da disseção de órgãos e na busca da compreensão do funcionamento de seu mecanicismo. Descartes desempenhou significativas contribuições à solidez da ciência moderna. O próprio fato de ser considerado perigoso para a época – por parte da igreja que ainda tinha muita força no período – revela o quanto seu pensamento estava à frente de sua época.Brilhante matemático do plano cartesiano, da geometria analítica e do aperfeiçoamento da teoria do cálculo, deixou marcas profundas na formação de um dos maiores nomes da ciência moderna: Isaac Newton.

Não apenas por essas suas influências pontuais, também deixadas em Pascal, Kant, Leibniz, Malebranche, Augusto Comte entre tantos outros pensadores e cientistas como Einstein, mas por ter sistematizado um método de uma ciência entendida como necessária e universal em favor da técnica que ressalta-se a importância do mesmo.

Dando as costas ao paradigma escolástico voltado a contemplação das verdades orientadas pela fé, nesse sentido, eis que também se percebe claramente as influências de Bacon no pensamento cartesiano. Embora racionalista, como se lê na sexta parte do Discurso do Método, também buscava conhecer para dominar a natureza e poder transformá-la em favor dos interesses do homem. Apesar de não ter sido inventor ou aplicado totalmente seu conhecimento nos fenômenos empíricos, foi extremamente importante por ter sido um dos teóricos da revolução científica daquela época. Ainda que hoje haja outros modos de olhar a ciência e sua fabricação, não há como negar a importância de um autor como Descartes.

Foi imprescindível, para aquele período, que alguém apresentasse a todos o grande potencial racional que o homem possui, ainda mais a partir do domínio de um método que ainda hoje, em parte, segue-se na construção de qualquer projeto de pesquisa universitária. Também observa-se um grande avanço naquele sistema de pensamento científico em não buscar entender a matéria pela análise da mesma, mas antes pela compreensão dos próprios princípios que a antecedem. Fala-se das ideias claras e evidentes a que se solapa por meio de um novo método racional. Uma compreensão de um saber alcançado pela aplicação de um método rigoroso, fechado e aplicado numa dada área de pesquisa. Um conhecimento daí resultante, que tivesse a necessidade e a universalidade como atributos principais. De fato, uma síntese de uma visão científica moderna, ainda em voga na atualidade, mas muito associada ao cartesianismo.

Além de o Filósofo ter aconselhado cientistas daquela época, continua inspirando o fazer ciências em nossa própria atualidade. Tendo analisado variados livros de Metodologia Científica, observa-se ainda ser predominante a necessidade de apresentar um problema e um método antes da realização de qualquer pesquisa. E essas são algumas das outras tantas influências cartesianas legadas à contemporaneidade. Além de ser reconhecido como o pai da filosofia moderna, também é facilmente associado como fundador da ciência desse mesmo período. Isso, pois, assim como um novo modo de se fazer filosofia, ele expôs um novo modo racional de pensar. Esse racional espírito filosófico científico, por meio do questionamento da autoridade e de qualquer verdade que não fosse clara e evidente, foi um de seus maiores legados. Ao ter apresentado a razão como uma ferramenta confiável para o ser humano interferir na realidade, tornou possível a revolução científica do século XVII e a própria evolução da Física nos séculos XVII e XVIII.6


1.         Cotrim G. Fundamentos da filosofia. São Paulo: Saraiva; 2006.
2.         Lins I. Descartes: Época, Vida e Obra. [S.l.:s.n.]; 1940.
3.         Descartes R. Discurso do Método. São Paulo: Nova Cultural; 1996.
4.         Downs R. Obras Básicas: fundamentos do pensamento moderno. Rio de Janeiro: Renes; 1969.

5.         Cortella M. Descartes: a paixão pela razão. São Paulo: FTD; 1988.
6.         Crombie AC. Filosofia natural e método científico. IN: Dicionário de Biografias Científicas. Rio de
Janeiro: Contraponto; 2007.
7.         Cottingham J. Dicionário Descartes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1995.

6 A este respeito, veja: Cortella (1988)5.
8.         Mahoney MS. Matemática e física. IN: Dicionário de Biografias Científicas. Rio de Janeiro: Contraponto; 2007.

9.         Descartes R. O Mundo ou Tratado da Luz. São Paulo: Hedra; 2008.

10.      Butterfield H. The origins of Modern Science. New York: The Macmillan Company; 1959.

11.      Santos WS. Refração, as Velocidades da Luz e Metamateriais, 2010. (Dissertação de Mestrado em Ensino de Física) – Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro; 2010.

12.      Rodis-Lewis G. A vida de Descartes e o desenvolvimento de sua filosofia. In: Cottingham J (org).
Descartes. Aparecida, São Paulo: ideias e letras; 2009.

13.      Brown TM. Fisiologia. In: Dicionário de Biografias Científicas. Rio de Janeiro: Contraponto; 2007.
14.      Desné R. A Filosofia Francesa no Século XVIII. IN: Chatelet F. O iluminismo: o século XVIII. Rio
de Janeiro: Zahar editores; 1974.
15.      Japiassu H. Como nasceu a ciência moderna. Rio de Janeiro: Imago; 2007.
16.      Descartes R. Dos princípios da filosofia. Revista Analytica, Porto Alegre. 1998; 3 (2).
17.      Cottingham J (org). Descartes. Aparecida, São Paulo: ideias e letras; 2009.

18.      Garber D. Descartes and the Scientific Revolution: Some Kuhnian Reflections, Perspectives on
Science,                  EUA.                   2001;                  9                  (4).   
               Disponível                   em:http://muse.edu/journals/posc/summary/v009/9.4garber.html. Acesso em: 25 jun. 2013.

19.      Domingues I. Grau Zero do Conhecimento, o Problema da Fundamentacao das Ciências. São Paulo: Loyola; 1991.

20.      Descartes R. Dos princípios da filosofia. Revista Analytica, Porto Alegre. 1997; 2 (1).

21.      Mursell J. The function of intuition in Descartes´ Philosophy of Science, The Philosophical Review, EUA. 1919; 28 (4). Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2178199. Acesso em: 25 jun. 2013.

22.      Koyré A. Considerações sobre Descartes. Lisboa: Ed. Presença; 1992.
23.      Gillispie C (org.). Dicionário de Biografias Científicas. Rio de Janeiro: Contraponto; 2007.
24.      Santos BS. Um discurso sobre as ciências. Porto, Portugal: Edições Afrontamento; 1995.


25.      Einstein A. Como vejo o mundo. São Paulo: Nova Fronteira; 1981.