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segunda-feira, 23 de maio de 2016

A ÉTICA DE ARISTÓTELES

A ética aristotélica, em oposição à ética de seu mestre, é imanente, tendo suas bases na realidade empírica do mundo, no questionamento acerca das condutas humanas e na organização social. As exigências com relação à vida na polis e a realidade do homem formam o conteúdo das ideias, e são ambas as responsáveis pela escolha dos valores, pela moralidade e pelas leis, pela definição das condutas dos homens. Sua teoria ética era realista, empirista em contrapartida à visão idealista e racionalista de Platão.
A ética aristotélica inicia-se com o estabelecimento da noção de felicidade. Neste sentido, pode ser considerada eudemonista por buscar o que é o bem agir em escala humana, o agir segundo a virtude – diferentemente de Platão, que buscava a essência das ideias de felicidade e da ideia do Bem sem relacioná-las diretamente à prática. A felicidade é definida como uma certa atividade da alma que vai de acordo com uma perfeita virtude. Partindo dessa definição, faz-se necessário um estudo sobre o que é uma virtude perfeita e, assim, faz-se necessário, também, o estudo da natureza da virtude moral.
A virtude é definida pelo Estagirita como hábito ou disposição racional constante, sendo a virtude o hábito torna o homem bom e o capacita na boa execução de sua função. Esta definição se mostra oposta à de Platão: a virtude é definida como capacidade de realizar uma função determinada, inerente a alguma parte da alma humana ou da cidade ideal.
A virtude moral é consistida por uma medida relativa a nós e o filósofo define-a como disposição – já que não podem ser nem faculdades nem paixões – para agir de forma deliberada, sendo que a disposição está de acordo com a reta razão. Após estabelecer a virtude moral como uma disposição – héxis – ou seja, como se dá o comportamento do homem com relação às emoções, há ainda a necessidade de que a diferença específica entre virtude moral e virtude intelectual seja explicitada. O Estagirita, em contrapartida às visões de Sócrates e Platão, atribui um papel importante dos sentimentos no âmbito ético, pois esta parte emocional da alma também é responsável na formação das virtudes, quando em conformidade com a parte racional.
O que distingue as duas espécies de virtude é a mediania. A virtude intelectual é adquirida através do ensino, e assim, necessita de experiência e tempo. A virtude moral é adquirida, por sua vez, como resultado do hábito. O hábito determina nosso comportamento como bom ou ruim. É devido ao hábito que tomamos a justa-medida com relação à nós. Logo, a mediania é imposta pela razão com relação às emoções e é relativa às circunstâncias nas quais a ação se produz.
Nenhuma das virtudes morais surge nos homens por natureza – ao contrário da visão inatista platônica – porque o que é por natureza não pode ser alterado pelo hábito, a natureza nos capacita em receber tais virtudes e esta capacidade em recebê-las é aperfeiçoada pelo hábito. Virtudes e artes são adquiridas pelo exercício, ou seja, a prática das virtudes é um pré-requisito para que se possa adquiri-las. Sem a prática, não há a possibilidade de o homem ser bom, de ser virtuoso.
Neste ponto da exposição aristotélica, podemos notar outra oposição com relação à ética platônica: conforme esta, o homem só pode ser bom e virtuoso ao contemplar a ideia do Bem – o que aponta para a diferença entre as concepções idealistas/racionalistas apresentadas por Platão e as concepções realistas/empiristas expostas pelo peripatético. Aristóteles critica a identificação feita por seu mestre entre virtude e conhecimento, de modo que conhecer a essência da Justiça implicaria em ser justo, haja vista que são identificados. Assim, o conhecimento da ideia do Bem seria a condição para o bem agir, e a virtude consistiria em somente um tipo de conhecimento teórico, conforme a crítica feita pelo Estagirita. Este afirma que a razão não é a única a atuar na determinação da boa conduta, devendo-se levar em conta os sentimentos por auxiliarem na formação das virtudes, além do fato de que as virtudes implicam uma atividade racional.
Como vimos, as virtudes morais são vistas como produto do hábito, consequentemente não são tomadas como inatas – como o fizeram Sócrates e Platão. Ao considerar as virtudes morais como adquiridas, há uma implicação de que o homem é causa de suas próprias ações, responsável por seu caráter – por esse motivo a ação precede e prevalece sobre a disposição – o que refuta a ideia platônica de que o homem que age mal, o faz por ignorância, pois o mal é a ausência do bem. Está na natureza das virtudes a possibilidade de serem destruídas pela carência ou pelo excesso e cabe à mediania preservar as virtudes morais e também diferenciá-las das virtudes naturais. Pode-se notar, pois, que a ideia de justa-medida preconiza que qualquer virtude é destruída pelos extremos: a virtude é o equilíbrio entre o sentir em excesso e a apatia. Portanto, fica evidente que a virtude busca pela harmonia – e esta é dada pela razão entre as emoções extremas. O meio-termo é experimentar as emoções certas no momento certo e em relação às pessoas certas e objetos certos, de maneira certa. Isso é a mediania, é a excelência moral, a qual diverge da noção platônica de excelência moral, que seria cada parte da alma exercer sua tarefa própria da melhor maneira possível, com excelência para exercer sua respectiva virtude.
Ao propor a mediania como gênero de virtude moral, como regra moral, o Estagirita retornou à sabedoria grega clássica, porque esta indicava a mediania como a regra de ouro do agir moral. A mediania tem o aspecto de não silenciar as emoções, mas buscar a proporção e, devido a essa proporção, a ação será adequada sob a perspectiva moral e, concomitantemente, a ação ficará ligada às emoções e paixões – contrariamente à doutrina platônica, na qual a ação moral tem uma relação intrínseca com a contemplação do Bem. De acordo com Aristóteles, a posição de meio é o que tem a mesma distância de cada um dos extremos. Com relação a nós e sempre considerando nesse viés, meio é o que não excede nem falta. Aqui fica evidente que o “meio” se dá em relação ao agente, pois não é válido para todos.
A virtude moral deve possuir a qualidade de visar o meio-termo por se relacionar com as paixões e ações. Nas ações e paixões, por sua vez, existem a carência, o excesso e o meio-termo. As ações e os apetites não tem, em sua natureza, algo que determine sua tendência para a falta ou para o excesso. Por sua vez, a tendência à mediania expressa a virtude moral, expressa a excelência da faculdade desiderativa da alma. O que nos faz tender à mediania é a educação e a repetição de atos bons e nobres. Por conseguinte, o hábito é desenvolvido e visa a mediania. Esta, por sua vez, é determinada segundo um princípio racional. Pode-se notar que, para Aristóteles, a virtude é uma espécie de mediania já que visa o meio-termo e que é vista como disposição de caráter que tem relação com a escolha dos atos e das paixões. A justa-medida é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. Assim, ao buscar pela essência da virtude, por sua definição, Aristóteles define-a como mediania.
O Estagirita afirma que sua investigação acerca da virtude não é de cunho exclusivamente teórico, como a realizada por Platão, mas a investigação se dá com a finalidade de que os homens tornem-se bons – pois cabe à mesma ciência, ou seja, à Ciência Política, tanto o conhecimento das virtudes quanto a função de fazer com que os homens se tornem bons. Logo, busca-se a definição de virtude e sua aplicação nos fatos particulares.
A virtude é um meio-termo entre dois vícios. Um desses vícios envolve o excesso e o outro vício envolve a carência. Logo, cabe à virtude e à sua natureza visar a mediania tanto nas ações – embora algumas ações não permitam um meio-termo por seus próprios nomes já implicarem, em si mesmos, maldade – quanto nas paixões. Um dos extremos – entre os quais a mediania se localiza – é mais equivocado que o outro. Deve-se, portanto, estar atento aos erros para os quais tem-se maior facilidade para ser arrastado. Pode-se saber para qual erro se é arrastado ao se analisar o prazer e o sofrimento acarretado pelo mesmo. Ao descobrir para qual erro se tende mais, deve-se ir em direção oposta, ao outro extremo para que se chegue ao estado intermediário e, consequentemente, afastar-se do erro.

Em todas as coisas, o meio-termo é digno de ser louvado. Contudo, ora deve-se inclinar no sentido do excesso, ora da falta com a finalidade de se chegar mais facilmente ao que é correto e ao meio-termo. Ao longo das exposições acerca das perspectivas éticas de Platão e Aristóteles, podemos perceber convergências e divergências, sendo que estas foram explicitadas de modo geral.