Páginas

segunda-feira, 23 de maio de 2016

A ÉTICA DE PLATÃO

Platão propõe uma ética transcendente, dado que o fundamento de sua proposta ética não é a realidade empírica do mundo, nem mesmo as condutas humanas ou as relações humanas, mas sim o mundo inteligível. O filósofo centra suas indagações na Ideia perfeita, boa e justa que organiza a sociedade e dirige a conduta humana. As Ideias formam a realidade platônica e são os modelos segundo os quais os homens tem seus valores, leis, moral. Conforme o conhecimento das ideias, das essências, o homem obtém os princípios éticos que governam o mundo social.
O uso reto da razão é entendido como o meio de alcançar os valores verdadeiros que devem ser seguidos pelos homens. No mito da caverna, o filósofo expõe a condição de ignorância na qual se encontra o homem ao lidar com o conhecimento das aparências. Somente pelo conhecimento racional o homem pode elevar-se até as Ideias, até o Ser e conhecer a verdade das coisas. Isto se dá através do método dialético, o qual elimina as aparências e encontra as essências, a verdade no conhecimento das coisas. Este método filosófico tem por finalidade libertar os homens da ignorância e levá-los ao conhecimento de ideia em ideia, até alcançar o conhecimento da Ideia Suprema: o Bem. As outras ideias participam desta e devem sua existência a esta.
O Bem ilumina o ser com verdade, permitindo que seja conhecido, assim como o Sol ilumina os objetos e permite que sejam vistos – nota-se aqui a analogia entre Bem e Sol apresentada no mito da caverna. Existem diversas ideias e é devido à participação nestas, mesmo que enquanto cópia imperfeita, que se fez possível o mundo sensível. Ao contemplar a ideia do Bem, o homem passa a sofrer as exigências do Ser, isto é, suas ações devem ser pautadas conforme a ideia contemplada.
A alma humana – de suma relevância para a ética platônica- é tripartite, isto é, forma-se pela inteligência, pela irascibilidade e pela concupiscência. Tal como as partes da cidade ideal, cada uma das partes da alma possui suas funções específicas que não podem ser exercidas por nenhuma das outras partes. Cada uma das partes da cidade e, por analogia, cada uma das partes da alma, possui uma função própria a qual pode ser executada com excelência ou não, e, ao executá-la com excelência, sua virtude própria é exercida.
A virtude é definida, pois, como capacidade de realizar a tarefa que lhe é inerente. No caso do governante da cidade e da alma racional, a virtude inerente aos mesmos é a sabedoria; no caso dos guerreiro e da parte irascível da alma, a virtude que lhes é própria é a coragem; por fim, no caso da parte concupiscente da alma e dos produtores de bens da cidade, a virtude própria é temperança. Dada a posição de cada classe, pode-se definir a justiça como cada parte fazendo o que lhe compete, conforme suas aptidões. Portanto, ao estabelecer uma relação de analogia entre a sociedade e indivíduo, Platão define o conceito de justiça – o qual seria também concebido como princípio de equilíbrio do indivíduo e da sociedade – e o liga ao conceito de virtude.
O sentimento de justiça é, pois, a virtude maior cujo valor ético guia as condutas dos homens. Para que esta virtude seja alcançada, o homem deve buscar o bem em si mesmo, porque ele realiza o ideal de justiça, tanto com relação ao bem individual quanto social.
A ética platônica ocupa-se com o correto modo de agir e sua relação com o alcance da felicidade. Contudo, o discurso ético apresentado na República acerca da felicidade relaciona esta com o conceito de justiça. O problema da justiça enquadra-se no âmbito político, o qual tem estreita relação com o campo da ética: é deste modo que surge a tese central de que só o justo é feliz. No diálogo República, buscando a constituição da cidade ideal, surge o problema cerne acerca da definição da justiça para que se pudesse, posteriormente, definir o que é a justiça tanto no indivíduo quanto no Estado. Há, pois, um paralelo entre Estado e indivíduo a fim de que se encontre a definição de justiça.
Para Platão, a sociedade seria como algo orgânico e bem integrado, como uma unidade construída por vários elementos independentes, embora integrados. A cidade forma-se por três classes, como já apontamos, e cada classe possui sua função específica. Deve-se notar que tais funções são determinadas conforme as aptidões naturais de cada membro da cidade. O objetivo desta divisão é mostrar com mais clareza como ocorre o mesmo na alma humana. A finalidade da cidade justa e boa é, então, propiciar a felicidade do indivíduo ao viabilizar a prática de suas virtudes, de suas aptidões específicas.
Devemos ter em mente que a virtude correspondente a cada classe da cidade e a cada parte da alma humana deve ser ensinada visando a realização do ideal da polis. Esta educação embasa-se no método dialético ascendente, o qual liberta o homem dos sentidos e o eleva até o mundo inteligível, até o ponto mais claro do Ser, a ideia do Bem. Após contemplar o Bem diretamente, o filósofo deve retornar à cidade que lhe propiciou educação de modo a guiar os outros cidadãos da ignorância ao conhecimento racional.
As ideias – das quais se originam as cópias sensíveis – são, pois, existentes em si e por si, são realidades universais, eternas, imutáveis. Por tais motivos, são os modelos a serem seguidos, são paradigmas para a construção da cidade ideal e para a educação moral, política e espiritual do homem. Além do mais, são ordenadoras do cosmos.

Fica evidente que a proposta de Platão liga-se, principalmente, às ideias de Justiça e do Bem – este último é o supremo valor que sustenta a justiça com relação à organização política e à conduta individual. O equilíbrio entre as três partes componentes da alma e da cidade gera equilíbrio, harmonia e leva à felicidade. Assim, Platão busca por definições gerais, universais, imutáveis, eternas, existentes por si mesmas: as Ideias. Como veremos adiante, tal busca é oposta à busca aristotélica pela virtude ligada à aplicabilidade desta.