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sábado, 3 de maio de 2014

A NATUREZA DO BEM EM AGOSTINHO HIPONA

                         Aportes para uma teologia da criação e a questão do capitalismo selvagem 


           
Um dos grandes questionamentos do ser humano diante da existência é compreender a si e o cosmo. Desde os pré-socráticos até ao início da modernidade  tal compreensão   se deu  através da “filosofia essencialista ”; que  terá por base a metafísica , que por sua vez buscará as causas primeiras para a compreensão do ser e conseqüentemente do cosmo. Através do método essencialista buscou-se compreender “O Ser ” fazendo a pergunta: “o que é o ser”?  O que é a natureza, qual é a essências das coisas que estão no mundo? Ainda dentro do contexto filosófico essencialista surge à doutrina do “Maniqueísmo ”. O maniqueísmo  desenvolve uma doutrina  simplista de mundo. Em que o mundo é visto numa visão dualista radical. 
           Segundo a qual o mundo está dividido em duas forças: o Bem [luz] e o Mal [trevas] como entidades antagônicas e perpétuas. No sistema maniqueísta o bem e o  mal não são figuras retóricas, são representações  ontológicas e  concretas do Bem e do Mal.  Agostinho de Hipóna contemporâneo da doutrina maniqueísta na obra o “Livre Arbítrio”  desenvolve um tratado de identificação sobre a  causa  do  bem e do mal buscando compreender;  o que é o bem e o que é mal.     Agostinho enfatiza, em que sentido uma coisa se pode  ser  “BOA”;  e  de onde vem o “MAL”?.   O bem é o mal estão impressos nas coisas?  Ou se encontram apenas no intelecto humano, como meros conceitos hermenêuticos da linguagem?.  Hoje há idéia de que o bem e o mal são relativos. Mas, a angustiosa presença do mal no mundo “físico, moral e existencial” nos mostra  que a questão  está longe de ser resolvida.
Agostinho afirma na obra “A Natureza do Bem”: “(...) que  toda a natureza é BOA) . Desta forma  para algo ser bom é necessário antes de tudo existir.  Assim para algo ser bom é necessário antes  de tudo ser; pois do não ser, não há nada que seja bom  . Agostinho traz uma mudança a respeito do conceito de  “BEM e MAL”. Nesta concepção Agostinho desconstrói  o conceito  de  mal ontológico. Para Agostinho  o homem é autor de sua conduta;  e é responsável  por ela. O  “Mal” é  conseqüência  antropológica do mau uso do  livre-arbítrio. [Assim Deus é o criador de todas as coisas boas. Por isso, não pode criar o mal que é  oposto a sua essência].  E o mal  não é nada de positivo, mas a  privação do bem. Por isso;  é pelo livre-arbítrio da vontade que o homem se aproxima do “BEM” [que é Deus] é também pelo livre-arbítrio da vontade que ele se afasta, tendo assim a mal,  como ausência do bem.]
Para Agostinho, o mal não é propriamente uma natureza, mas a corrupção dela. Uma natureza má seria uma natureza corrompida, mas não seria má enquanto  natureza, e sim naquilo que o degenerou; porque o mal é sempre inerente ao sujeito.  Com afirmação    da premissa maior “(...)de que toda a natureza é boa”. Além de apresentar um otimismo [cristão] ontológico,  Agostinho se opõe  definitivamente ao maniqueísmo, que demonizava a matéria  e fazia do homem um ser dualístico em permanente crise; odiando o próprio corpo, como um cárcere privado da alma.  Agostinho resgata a natureza literalmente como algo “BOM”.   Através da premissa de que toda a “Natureza é Boa em si mesma”; Agostinho  atribui  o conceito de “BOM” para esfera da “antropologia”  que representa o homem; e para esfera da “Cosmologia” que representa  o mundo/natureza. 
Na esfera da cosmologia; a astronomia mostrou-se como um elemento fundamental para a premissa de Agostinho; “(...) de que toda a natureza é boa”. Pois a través da astronomia Agostinho observou os movimentos perfeito das estrelas; a ordem do universo, e a perfeita harmonia das suas estruturas matemáticas. Em face disso, não era possível a existência do princípio dualista de “bem e mal” como atribuía a doutrina maniqueísta. Se o universo expressava a estrutura das formas matemáticas regulares, harmoniosas e possíveis de cálculo; onde achar os efeitos do mal na natureza [criação do mundo?].  As estruturas básicas presentes na natureza [criação do mundo] são boas; foi o que Agostinho aprendeu com a Astronomia. Usava-se dessa mesma maneira, a idéia grega pitagórica do cosmos. E os princípios da forma e da harmonia expressos na matemática. A harmonia cósmica da natureza foi elemento determinante na sistematização teológica e filosófica de Agostinho. Segundo Paul Tillich, o abandono do maniqueísmo por Agostinho, foi decorrente da sua visão de natureza, influenciado sobre tudo pela astronomia.  
Desta forma, Agostinho supera o dualismo e a negatividade do Oriente. Assim, a separação de Agostinho da filosofia maniqueísta não foi apenas um evento simbólico. Significava a libertação da ciência natural moderna, da matemática e da tecnologia, do pessimismo dualista e da negação da realidade na Ásia. Esse fato foi muito importante para o futuro da Europa. Os filósofos e teólogos agostinianos, do último período da Idade Média, deram sempre ênfase à matemática e à astronomia. A ciência natural moderna nasceu como o platonismo e o agostinianismo, na base da crença do cosmos harmonioso, determinado por regras matemáticas . 
Já na esfera da antropologia “BOA” Agostinho resgata as origens estabelecidas na tradição judaico-cristã que, desde os primórdios da civilização, havia reservado ao homem um lugar destacado na obra da criação, colocando-o acima dos demais seres vivos. Desse contexto é possível afirmar que a visão harmoniosa do universo e da natureza trazida pelos antigos e preservada pelos medievais evidencia a importância de que a matemática aliada às formas geométricas teve na composição estética do mundo, como algo estritamente bom. Certamente a teologia se beneficiou dessa visão positiva da natureza não apenas para assegurar a sua beleza, mas para sustentar a bondade e a perfeição da natureza [do Criador]. Portanto, a relação homem e natureza no conceito de Agostinho proporcionam uma analise da atualidade para os dilemas ambientais contemporâneos.
 A natureza para Agostinho e conseqüentemente para o homem medieval representava antes de tudo a personificação do bem [a obra do Criador] e a  manifestação estética da beleza [de Deus]. Devendo ser vista primeiramente como objeto de contemplação  do que propriamente algo a ser transformado pela ação humana. A natureza ou cosmos já era desde a antiguidade grega contemplada em sua forma harmoniosa, porém, muito mais pelo olhar das formas geométricas e matemáticas; do que teológica . Nesse contexto, o homem mantinha do ponto de vista utilitário uma postura de indiferença para com a natureza. Ele se sustentava dela, fazendo-se da mesma parte integral .  Mas, a transição da Idade Média para a Idade Moderna alterou significativamente a maneira de o homem relacionar-se com a natureza . Desta forma, a dimensão ecológica já não faz parte integrante do homem e a natureza começa a ser agredia e destruída. O que implica, portanto em um ato contra a natureza [criação]. 
O homem moderno aspira um sentimento de ser superior relação à criação, em que a mesma se tornou apenas objeto do antropocêntrico, que tem  como única finalidade servir apenas os caprichos egoístas do homem. Essa proposição pode ser legitimada quando se analisa o conceito de natureza através da história principalmente depois dos  tempos modernos   com  a  Revolução Industrial.  A qual contribuiu para o advento exacerbado do “Capitalismo Selvagem” do “Consumismo” e da  “Exploração dos Recursos Naturais”  para suprir o desejo consumista. Trouxe conseqüência terrível causadas pela a industrialização  e a tecnologia sobre a natureza. 
O progresso técnico da civilização mecanicista acelerou e intensificou a devastação cada vez maior da natureza. A produção desenfreada; o consumismo compulsivo, e os impactos sobre a natureza [criação] passaram ameaçar o equilíbrio; da vida ; contribuindo assim para os efeitos negativos como chuvas acidam; efeitos estufas, morte dos oceanos, contaminação dos alimentos e poluição, do ar, etc. Segundo  Friedrich Engels: “O homem está como parte da  natureza e não como dono; não pode  dominar a natureza  como um conquistador de  um povo estrangeiro, como alguém  situado fora da natureza; mas sim que  pertence, como nossa carne, nosso sangue, nosso celebro” .
  Segundo Jeam Luand  “O mundo contemporâneo é prodigo em exemplos que parecem corroborar a visão niilista” , pois hoje assistimos  ao formidável  espetáculo tanto no “âmbito privado ou publico”  em que entram em  choque com as  vontades desgovernadas, sem parâmetro de bem e de Mal” .  Mas para G.Reale: os valores de bem e de mal destituídos pelo niilismo; “São  justamente  os grandes  valores  que  nas eras antigas, medieval  e primórdios  da modernidade eram pontos  de referência essenciais;  e, em ampla medida, irrenunciáveis  para a vida social”  .
Segundo Leonardo Boff o sintonia mais doloroso já  constado há décadas por sérios  analista e pensadores contemporâneo, é um difuso mal estar da civilização. Aparece sob o fenômeno de descuido, do descaso e do abandono, numa palavra, a falta de cuidado com o mundo . Disse o filósofo que melhor viu a importância essencial do cuidado, Heidegger (1889-1976) em seu famoso “Ser e Tempo” enfatiza: “Do ponto de vista existencial, o cuidado se acha a priori, antes de toda atitude e situação do ser humano, o que significa dizer que ele se acha em toda a situação de fato”. Quer dizer; o cuidado se encontra na raiz primeira do ser humano, antes que ele faça alguma coisa. E, se fizer, ele sempre vem acompanho de cuidado. Significa reconhecer o cuidado com modo de ser essencial sempre  presente e irredutível á   existência.
Hoje o maior desafio ao tratar de questões ambientais está em assegurar o equilíbrio entre meio ambiente e economia, sem perder o foco da discussão em uma plataforma ética e política. São aparentemente dois universos distintos, porém, com a mesma raiz etimológica derivada do radical grego oikos (casa). Economia significa em termos gerais, organização da casa, do lugar onde se vive. E meio ambiente vem associado ao termo ecologia que significa o estudo da casa enquanto local de existência. 
Tal direito ambiental se vê ligado às outras esferas da sociedade, que dele exige manter vínculos com os diversos ramos do direito e também com o conhecimento produzido pelas ciências em geral, sobretudo, com a filosofia. Desde o seu nascimento na década de 1960, o direito ambiental, com a sua função primordialmente voltada à proteção do meio ambiente, se vê forçosamente ; diante de um descuido e um descaso de cuidar de nossa casa comum, o planeta terra. Pois como afirmou a Agostinho; “toda a natureza é boa”.



REFERÊNCIAS 

AGOSTINHO. Livre Arbítrio. Rio de Janeiro: Ed. Sétimo Selo. Texto extraído da apresentação do livro por Jean Lauand.  Professor Titular Faculdade de Educação Da Universidade de São Paulo, 1998.
AGOSTINHO. Confissões. Tradução: Ângelo Ricci. São Paulo. Ed: Abril Cultura-Coleção os Pensadores 1º Edição, 1973.
AGOSTINHO. A natureza do bem. Rio  de Janeiro. Ed. Sétimo Selo. 2006.
AGOSTINHO. Livre Arbítrio. Rj. Ed Sétimo Selo. 1998.
BOFF. L. Saber cuidar: Ética do humano- compaixão  pela terra. Petrópolis. RJ. 9º Ed. Editoras Vozes, 2003.p. 20.
ENGELS, Friedrich. A Dialética da Natureza. 3º Ed. RJ. Paz e Terra, 1979.
GILSON, Étiene. Introdução ao estudo de Santo Agostinho. Tradução: Cristiane Negreiros Abbuyd Ayoub. São Paulo. Ed. Paulus, 2007.
Moltmann, Jürgen. O  Espírito da vida. Uma pneumatologia Integral Petrópolis: Vozes, 1999.
 MORENTE, M, GARCIA. Fundamentos de filosofia lições preliminares. Tradução de Guillermo da Cruz Coronado Fonte: Ed. Mestre Jou. 1967.
REALE, Gionanni. Historia da filosofia.   São Paulo: Paulus, 1990.
PROENÇA W. Lara.  O sábado da criação. Londrina. Ed. Descoberta 2005.
TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. Tradução de Jaci Maraschin. São Paulo: ASTE, 1988.