Muita gente, nos dias de hoje, já ouviu a expressão
“Estado de Direito”. Só que seu conceito atual perdeu bastante seu significado
original, principalmente se olharmos para o que ele se referia na Grã-Bretanha
e nos EUA nos séculos XVII a XIX. “Estado de Direito”, “Império da Lei”, ou em
inglês “Rule of Law”, era considerado basicamente o ápice da doutrina liberal.
Seus defensores o viam como uma das maiores proteções do indivíduo contra os
poderes do Estado ou de qualquer outro indivíduo da sociedade. Hoje, porém, esse
termo possui um significado bastante diferente, pois foi tomado de assalto por
alguns positivistas jurídicos que não reconhecem qualquer limite à autoridade
legislativa. Não é sem razão que muita gente hoje não consegue ver o Estado de
Direito como fonte da liberdade ou como algo que de fato lhe garante segurança
contra qualquer poder arbitrário. O significado atual é basicamente que o Estado não pode atuar fora do
escopo do legislado, ou, segundo o professor W. Friedmann “o Estado de Direito é qualquer coisa que o Parlamento, como o
supremo legislador, faz ele se tornar”. Hoje em dia, não é muito
difícil que qualquer totalitarismo seja dito como dentro do “Estado de
Direito”, apenas porque foi a “autoridade legislativa” que passou as leis. Esta
concepção, porém, é completamente contrária à concepção mais antiga, ou
liberal. Aqueles que melhor explicam isso são, primeiramente o popularizador do
termo “Estado de Direito”, Albert Venn Dicey, e segundo o economista
austro-britânico Friedrich Hayek. Para o último:
Friedrich Hayek
(1899-1992). “O Estado de Direito, naturalmente, pressupõe completa legalidade, mas
isso não é o bastante: se uma lei desse ao governo poder ilimitado para agir
como bem entendesse, todas as suas ações seriam legais, mas certamente não
estariam dentro dos requisitos de supremacia da lei. O Estado de Direito,
portanto, é algo mais que constitucionalismo: ele exige que todas as leis
estejam em conformidade com certos princípios.” Friedrich Hayek, Os Fundamentos
da Liberdade, cap. XIV James McClellan, autor de uma excelente obra sobre a
Revolução Americana – um dos maiores conhecedores das ideias responsáveis por
essa revolução liberal –, diz basicamente a mesma coisa que Hayek. Ele
também explica quais são os atributos necessários à “lei”, ou seja, à parte
“Direito” da expressão “Estado de Direito”:
“O Estado de
Direito, portanto, não é o governo da lei, mas uma doutrina concernente ao que
a lei deve ser – um conjunto de medidas, em outras palavras, para as quais
as leis deveriam se conformar. Apenas por que um tirano refere a seus comandos
e regras arbitrárias como “leis” não as torna leis. O teste não é o que a regra
é chamada, mas se ela é geral, conhecida e certa; e também se ela é prospectiva
(aplica à conduta futura) e é aplicada igualmente.” James McClellan, Liberty, Order, and Justice: An Introduction to the
Constitutional Principles of American Government [1989]
Até mesmo o que provavelmente foi o maior estudioso desse conceito, A.
V. Dicey, já percebia que esses atributos tudo tinham a ver com a liberdade,
notavelmente com a liberdade econômica (1). Ele lamentou as tendências da
legislação de sua época – o caminho que os ingleses e o mundo estavam indo no
final do século XIX –, em direção ao socialismo e ao coletivismo. Isso em
última instância culminou nos totalitarismos nazifascistas, os quais vários
juristas alemães justificavam como completamente dentro da legalidade ou
do Rechtsstaat. Mas isso não estava de forma alguma de acordo com a
doutrina de Dicey. Este mesmo já associava o Rule of Law inclusive à doutrina
do laissez-faire (2). Não é à toa que, segundo Hayek, os primeiros
ataques contra essas características do Estado de Direito foram “diretamente
direcionados pelo reconhecimento de que obedecê-las preveniria um controle
efetivo da vida econômica pelo estado. O planejamento econômico, que seria o
meio socialista para a justiça econômica, se tornaria impossível a não ser que
o estado fosse capaz de direcionar as pessoas e suas posses para qualquer
tarefa que as exigências do momento parecessem requerer.” F. A. Hayek, The
Decline of the Rule of Law Poderes arbitrários para sindicatos, leis que
determinam quantidades produzidas, controle de preços, monopólios coercitivos
pelo Estado, regulações ou restrições que visam apenas a certos grupos,
controle econômico direto pelo Estado, tudo isso viola o Estado de Direito. O
próprio Dicey, ao se referir à legislação de sua época, dizia que esta:
A.V Dicey
(1835-1922). “faz do sindicato um organismo privilegiado, imune à lei ordinária do
país. Nenhum organismo tão privilegiado jamais foi especialmente criado por um
Parlamento inglês (…) Ele alimenta entre os trabalhadores a fatal ilusão de que
devem aspirar não à igualdade mas ao privilégio.” A.V. Dicey, Introdução à
2° edição da sua obra Law and Opinion, p. XLV-XLVI.
Hoje a coisa mais comum é ignorar essas ideias de Dicey e Hayek. Mas
essa era uma das mais importantes bases da própria doutrina liberal dos séculos
XVIII e XIX, que está bem representada nos trabalhos de Adam Smith e John
Locke. O “sistema de liberdade natural” de Smith tem por base o
respeito ao Estado de Direito, o qual necessariamente estabelece a competição e
ausência de controle econômico estatal:
Adam Smith
(1723-1790). “Uma vez eliminados inteiramente todos os sistemas, sejam eles
preferenciais ou de restrições, impõe-se por si mesmo o sistema óbvio e simples
da liberdade natural. Deixa-se a cada qual, enquanto não violar as leis da
justiça, perfeita liberdade de ir em busca de seu próprio interesse,
a seu próprio modo, e faça com que tanto seu trabalho como seu capital
concorram com os de qualquer outra pessoa ou categoria de pessoas.” Adam Smith,
A Riqueza das Nações, Vol. 2. John Locke já dizia que o poder que damos ao
legislativo é o poder para ele agir de uma forma específica,
já que:
“seja qual for a forma
de comunidade civil a que se submetam, o poder que comanda deve governar por
leis declaradas e aceitas, e não por ordens extemporâneas e resoluções
imprecisas. A humanidade estará em uma condição muito pior do que no estado de
natureza se armar um ou vários homens com o poder conjunto de uma multidão para
forçá-los a obedecer os decretos exorbitantes e ilimitados de suas idéias
repentinas, ou a sua vontade desenfreada e manifestada no último momento, sem
que algum critério tenha sido estabelecido para guiá-los em suas ações e
justificá-las.” John Locke, Segundo Tratado sobre o Governo Civil.
John
Locke (1632-1704). De fato, o primeiro limite de Locke ao
poder legislativo é a generalidade e prospectividade da lei: “Eis os limites que impõe ao poder legislativo de toda sociedade civil,
sob todas as formas degoverno, a missão de confiança da qual ele foi
encarregado pela sociedade e pela lei de Deus e da natureza. Primeiro: Ele deve
governar por meio de leis estabelecidas e promulgadas, e se abster de
modificá-las em casos particulares, a fim de que haja uma única regra para
ricos e pobres, para o favorito da corte e o camponês que conduz o arado.” John Locke, Segundo Tratado sobre o Governo
Civil. Não é sem motivos que, na Inglaterra, antes mesmo dos escritos desses
pais do liberalismo, o Estado de Direito era usado na luta contra vários tipos
de privilégios e intervenções econômicas. Reproduzirei aqui um texto maior de
Hayek, de seu essencial artigo chamado The
Decline of the Rule of Law, que explica isso muito bem:
“As pessoas nessa época pareciam entender melhor do que hoje que o
controle da produção significa necessariamente a criação de privilégio, de dar
permissão a Peter para fazer o que Paul é proibido de fazer. A primeira grande
declaração dos princípios do Estado de Direito, de leis certas e iguais para
todos e da limitação do arbítrio administrativo, está contida na Petição de
Queixas de 1610; ela foi feita em razão de novas regulações de construções em
Londres e pela proibição de fazer amido a partir de trigo decretadas pelo rei.
Nessa ocasião, a Câmara dos Comuns alegou: Entre muitos outros
pontos de felicidade e liberdade que os cidadãos de Vossa Majestade desse reino
têm desfrutado sob seus progenitores reais, Reis e Rainhas desse reino, não há
qualquer um que eles julgaram mais querido e precioso do que esse, de ser
guiado e governado pela certeza do governo da lei, que dá tanto ao chefe e aos
membros aquilo que de direito pertence a eles, e não por qualquer forma
arbitrária e incerta de governo. (…) Dessa raiz cresceu o direito indisputável
das pessoas desse reino de não serem sujeitas a qualquer punição que deva
abranger suas vidas, terras, corpos ou bens, que não seja ordenada pela common
law dessa terra, ou por estatutos feitos por consentimento comum no parlamento. Os
novos desenvolvimentos do que os juízes socialistas contemporâneos têm
desdenhosamente rejeitado como a doutrina Whig do Estado de Direito estavam
intimamente conectados com a luta contra a concessão de monopólios pelo governo
e, particularmente, com a discussão sobre o Statute of Monopolies de 1624. Foi
principalmente em vista disso que a grande fonte da doutrina Whig, Sir Edward
Coke, desenvolveu sua interpretação da Magna Carta, a qual o levou a declarar
(em seu segundo Institutes):
Se uma concessão for feita a qualquer homem, para ter a fabricação
exclusiva de cartões ou ser o único que lida com qualquer outro comércio, essa
concessão está contra a liberdade do cidadão (…) e consequentemente contra essa
importante carta.” Na Inglaterra, esses princípios muitas vezes andavam de mãos
dadas com duas outras concepções: o direito natural (divino) e a common law.
Todos esses dois são formas de aplicar os princípios liberais do Estado de
Direito. A própria ideia de “justiça distributiva” (que é restringida tanto
pelo direito natural quanto pela common law) não cabe no Estado de Direito,
pois, como Hayek coloca muito bem em seu segundo volume de Direito, Legislação e Liberdade, não há qualquer regra
geral que fará com que as pessoas, agindo com base nela, gerem um padrão
específico de distribuição de riqueza; e, se quisermos igualdade econômica,
devemos tratar as pessoas desigualmente, enquanto que, tratando-as igualmente,
elas, por serem diferentes, se tornarão desiguais.
Edward
Coke (1552-1634) via a common law e certos princípios da moral como formas de
restrição ao poder. Amplamente considerado como o maior jurista da era
elisabetana, Coke combatia quaisquer ideias de soberania absoluta do parlamento
ou do rei (esta que seria posteriormente defendida por Hobbes), que estavam,
naturalmente, em oposição ao Estado de Direito. Defendendo esses princípios,
ele citou Henry de Bracton, considerado o “pai do direito inglês”, que, já em
1260, dizia que “o rei não deve estar sob nenhuma pessoa, mas
sob Deus e a Lei.” Coke prosseguiu:
“E parece em nossos livros que, em muitos
casos, a common law controlará os Atos do Parlamento, e algumas vezes pode
julgá-los como completamente vazios; já que quando um Ato do Parlamento está
contra a razão e o direito comum, ou é repugnante, ou impossível de ser
realizado, a common law irá controlá-lo e julgá-lo como vazio.”
Não precisamos necessariamente de uma teoria divina ou racionalista de
“direito natural”, nem mesmo de um sistema de common law. O que precisamos
urgente e necessariamente é retornarmos aos princípios do Estado de Direito, ou
seja, de que não pode haver qualquer coerção arbitrária, nenhum privilégio mantido
pela força. Temos que entender que o legislativo possui limites; sua autoridade
foi confiada para agir de uma forma específica, e
não para fazer o que quiser. Que suas leis devem respeitar certos atributos.
Esses atributos são melhor resumidos por Hayek no seguinte trecho. Segundo ele,
o principal ponto do Estado de Direito é que:
“no uso de
seus poderes coercitivos, o arbítrio das autoridades deva
ser tão estritamente limitado pelas leis anteriormente estabelecidas que o
indivíduo possa prever com alta certeza como esses poderes serão usados em
situações particulares; e que as próprias leis sejam verdadeiramente gerais e
não criem qualquer privilégio para as classes ou pessoas, já que elas são
feitas em vista dos efeitos de longo prazo e, portanto, em necessária
ignorância de quem serão os indivíduos particulares que irão ser beneficiados
ou prejudicados por ela. Que a lei deve ser um instrumento a ser usado pelos
indivíduos para seus próprios fins, e não um instrumento usado sobre as pessoas
pelos legisladores, é o significado último do Estado de Direito.” F. A.
Hayek, The Decline of the Rule of Law
Isso, segundo Hayek e Adam Smith (4), não significa que o Estado deva
estar necessariamente restrito a um “mínimo”, e que não
possa fornecer alguns serviços (infraestrutura, por exemplo) com os recursos
bem definidos e já à sua
disposição, conseguidos por meio de taxação (preferencialmente
proporcional e não arbitrária). Os atributos aqui definidos dizem respeito
apenas às medidas coercitivas do Estado (uso da
força, taxação, regulação, restrição, punição, etc.), que são de fato o que a
lei diz respeito. O que o liberalismo prega é que, ao fornecer esses serviços,
o Estado esteja sempre limitado pelo Rule of Law e compita no mercado como
qualquer outra empresa ou pessoa, e que, de preferência, esses serviços sejam
fornecidos a nível local (federalismo pleno).
Muito provavelmente o respeito a esses princípios do Estado de Direito
foi o responsável pelo sucesso econômico dos países ingleses. O Estado de
Direito cria uma ordem espontânea na sociedade, capaz de aproveitar do conhecimento amplamente disperso dos
vários indivíduos que a compõem e, em razão disso, gera riqueza e prosperidade.
Como diz Hayek, a razão pela qual se aplica leis gerais com os atributos do
Estado de Direito, era, segundo os antigos liberais, “baseada na percepção de
que elas são a condição essencial para a manutenção de uma ordem espontânea ou
auto-geradora das ações de diferentes indivíduos e grupos, cada qual buscando
seus próprios fins com base em seu próprio conhecimento.” F. A. Hayek,
Liberalism. Seu principal objetivo era:
“fazer o melhor uso
do conhecimento das pessoas, especialmente de seu conhecimento concreto, e
muitas vezes exclusivo, das circunstâncias específicas de tempo e lugar. A lei
dá ao indivíduo os elementos com que ele pode contar e desse modo amplia o
âmbito no qual ele pode prever as consequências de suas ações.” F. A. Hayek, Os
Fundamentos da Liberdade. Além disso, e não menos importante, é que as leis do
Estado de Direito geram liberdade em sociedade. A própria ideia liberal de
liberdade baseava-se nesses atributos da lei – algo que já vinha também desde
Cícero (3). Segundo Burke, um liberal Whig em sua época, a liberdade é
assegurada pela “igualdade de restrição”; ou
melhor, liberdade é “apenas outro nome para justiça;
determinada por leis sábias e assegurada por instituições bem-construídas.”
(Letter to François Depont in November 1789).
Mas Locke é quem melhor mostra essa concepção de liberdade, baseada no “Império das Leis, e não dos Homens“:
“A finalidade da
lei não é abolir ou restringir, mas preservar e ampliar a liberdade. Porque
onde não há lei não há liberdade, como se vê nas sociedades em que existem
seres humanos capazes de fazer leis. Pois liberdade significa estar livre de
coerção e da violência dos outros, o que não pode ocorrer onde não há lei; e
não significa, como dizem alguns, liberdade de cada um fazer o que lhe apraz (pois quem poderia ser livre se estivesse sujeito aos humores de
algum outro?), mas liberdade de dispor a seu bel-prazer de sua
pessoa, suas ações, bens e todas as suas propriedades, com a limitação apenas das leis às quais está sujeito.
Significa, portanto, não ser o escravo da vontade arbitrária de outro, mas
seguir livremente sua própria.” John Locke, Segundo Tratado sobre o
Governo Civil
Por conseguinte, eu considero dever do liberal, ou de qualquer outra
pessoa que luta pela liberdade, enfatizar sempre a questão de que o Estado de
Direito não é simplesmente “tudo que é passado pelo legislativo”, mas sim que
ele é um limite ao próprio Estado; que ele é uma doutrina metalegal ou um ideal
político que diz que apenas certos tipos de leis
legisladas são de fato leis. O verdadeiro Estado de Direito só
irá existir quando seu real significado se tornar constituinte importante da
opinião pública, como em grande parte o foi nos países ingleses dos séculos
XVII a XIX.
Notas:
2 – Segundo Dicey:
“O efeito benéfico da intervenção estatal, especialmente na forma
de legislação, é direto, imediato e, por assim dizer, visível, enquanto os
efeitos maléficos são graduais e indiretos, e estão fora do escopo de nossa
percepção. (…) Dessa maneira, a maioria das pessoas deve quase que por
necessidade olhar com suspeita para a intervenção governamental. Esse viés
natural só pode ser contrabalanceado pela existência, numa dada sociedade (…)
de uma presunção ou preconceito em favor da liberdade individual, ou seja, do
laissez-faire. (…) Essa consideração consegue também explicar o desenvolvimento
peculiar do direito inglês durante as últimas partes do século XIX.” A.
V. Dicey, Lectures on the Relation between Law and Public Opinion during the
Nineteenth Century
3 – Hayek diz:
“Cícero tornou-se a maior autoridade para o liberalismo moderno; a
ele devemos muitas das formulações mais precisas de liberdade dentro da lei. A
ele devemos ainda a concepção de normas gerais ou leges legum, que regem a
legislação, a concepção segundo a qual obedecemos à lei para sermos livres e,
também, a concepção de que o juiz deve ser um mero porta-voz da lei. Nenhum
outro autor mostrou tão claramente que, no período clássico do direito romano,
se entendia perfeitamente que não há conflito entre lei e liberdade e que esta
depende de certos atributos da lei, de sua generalidade, imutabilidade e
clareza e das restrições que ela impõe ao poder discricionário da autoridade.”
Friedrich Hayek, Os Fundamentos da Liberdade.
4 – Esse meu artigo mostra a visão de Hayek sobre o
Estado de Direito a as funções do Estado.
Adam Smith tem basicamente a mesma posição, que é mostrada
sucintamente aqui:
“Segundo
o sistema da liberdade natural, ao soberano cabem apenas três deveres;
três deveres, por certo, de grande relevância, mas simples e inteligíveis ao
entendimento comum: primeiro, o dever de proteger a sociedade contra a
violência e a invasão de outros países independentes; segundo, o dever de
proteger, na medida do possível, cada membro da sociedade contra a injustiça
e a opressão de qualquer outro membro da mesma, ou seja, o dever de
implantar uma administração judicial exata; e, terceiro, o dever de criar
e manter certas obras e instituições públicas que jamais algum indivíduo
ou um pequeno contingente de indivíduos poderão ter interesse em criar e
manter, já que o lucro jamais poderia compensar o gasto de um indivíduo ou de
um pequeno contingente de indivíduos, embora muitas vezes ele possa até
compensar em maior grau o gasto de uma grande sociedade.” Adam Smith, A
Riqueza das Nações, Vol. 2
De fato existiram alguns liberais defensores do Estado de Direito que
alegaram que a única função legítima do Estado fosse apenas a aplicação da lei.
Esse, porém, não precisa necessariamente ser o caso. Humboldt era um desses
liberais, que, segundo Hayek, tornou-se
“um protótipo de uma posição extrema; a saber, ele não apenas
limitou toda ação coercitiva do estado à execução de leis gerais previamente
anunciadas, mas colocou a aplicação da lei como a única função legítima do
estado. Isso não está necessariamente implicado na concepção da liberdade
individual, que deixa aberta a questão de quais outras funções,
não-coercitivas, o estado pode realizar. Foi principalmente em razão da
influência de Humboldt que essas diferentes concepções foram frequentemente
confundidas por posteriores defensores do Rechtsstaat.” F. A.
Hayek, The Constitution of Liberty, cap. XIII