A
partir da assertiva a existência precede a essência; surge a gratuidade da
vida, a leveza, que confere aos viventes a liberdade da escolha e do fazer, e
isso acontece sem sentirem-se pressionados por algum poder ou força estranha.
Portanto, quem elege os limites e as adversidades seria o próprio sujeito o
qual é o autor do seu futuro e de sua história? O binômio liberdade e
responsabilidade estruturado por meio da assertiva a existência precede a
essência pode inferir uma proposta ética onde a divindade, essência, destino ou
determinismo, não determina ação do sujeito?
Diante da presente proposta da pesquisa quero a partir da filosofia de Sartre, analisar e compreender as condições para a existência de um sujeito absolutamente livre. Neste enfoque começarei as minhas investigações de um ponto central da filosofia sartreana que é a questão da proposição de que a existência que precede a essência. Tal afirmação em linhas gerais é contrária à tradição filosófica até então. Com isso, diante de tal proposição o que afinal Sartre estava querendo propor quando fez tal afirmação ?
Diante da presente proposta da pesquisa quero a partir da filosofia de Sartre, analisar e compreender as condições para a existência de um sujeito absolutamente livre. Neste enfoque começarei as minhas investigações de um ponto central da filosofia sartreana que é a questão da proposição de que a existência que precede a essência. Tal afirmação em linhas gerais é contrária à tradição filosófica até então. Com isso, diante de tal proposição o que afinal Sartre estava querendo propor quando fez tal afirmação ?
Verifica
dizer que a proposição da existência procede à essência resume toda a filosofia
existencialista de Sartre, pois para Sartre o sujeito surge no mundo
completamente indefinido. O proposito de Sartre ao usar a proposição que
existência procede à essência é estabelecer que a liberdade do sujeito não
encontra limites, a não ser os que limites colocados por ele mesmo. Com isso, o
sujeito sartreano cuja existência se dá neste mundo, está condenado a ser
livre, e uma vez livre é totalmente responsável por suas escolhas que fizer.
Com isso, o sujeito é que escolhe ser, não há uma essência a determinar como
este sujeito será. Existindo terá que existir sem desculpas, sem subterfugio,
sem apoio.
No ensaio O
Existencialismo é um Humanismo, Sartre oferece uma resposta como
esclarecimento sobre o existencialismo, cuja compreensão estava sendo
vulgarizada e interpretada de acordo com a ideologia do público leitor. O pensamento marxista criticou o
existencialismo, acusando-o de obscurecer o lado luminoso da vida e destacar a
sordidez humana. Uma vez admitida à repugnância humana, o ser humano estaria
descompromissado da solidariedade e a ação social estagnada. Já os cristãos
acusam o existencialismo de deixar o homem em um estado de gratuidade, onde
tudo é permitido, pois se não existe Deus não há como condenarmos uns aos
outros e tudo é permitido.
Sartre procura responder a essas críticas
explicando, primeiramente, que usa o termo humanismo no sentido de que toda a
ação passa pela subjetividade, é uma ação humana seja, repugna-te ou não. Ao
nos depararmos com algo injusto, segundo a concepção existencialista, pensa-se
isto é humano. Mas, isto não significa uma concepção pessimista, ao contrário,
é uma visão otimista: se é humano, posso ou não praticar este ato, não há nada
além de mim mesmo que me compele a isto. Em forma de respostas Sartre cita as
duas escolas existencialistas, a cristã e a ateia, ambas tem pressuposto
teóricos da existência. Para explicar tal significado, Sartre inicialmente
apresenta a ideia oposta, comparando o ser humano com um objeto fabricado. Para
qualquer objeto temos um modelo, que definirá como será o produto. Neste caso a
essência precede a existência.
Mas,
quando anuncia que a existência precede a essência a de compreender que Sartre
é um filósofo pós-metafisico, e talvez surja daí essa formulação, pois se até
certo tempo era normal o homem pensar que havia um destino traçado, que haviam
valores validados por um ser metafísico, que tudo via e que tudo sabia. Agora
nesta nova tradição, esse tranqüilo mundo de leis e valores eternos é
considerado ultrapassado. Deste modo, o homem, “ao perceber assim como
Nietzsche que Deus está morto[1],
percebe também que os grandes ideais e que as pretensões por um absoluto também
vieram por terra. Nesse sentido, não deixa de enfaixar o homem no próprio homem
e de colocá-lo diante da responsabilidade inteiramente autônoma” (SAYÃO, 2006,
p. 78).
Os filósofos do século XVII, que concebem uma
divindade criadora (Deus) veem o homem como produto da obra divina, assim como
qualquer produto fabricado. Assim, a essência de todos os homens é única, pois
foi concebida por uma única divindade criadora. O existencialismo ateu, ao não
admitir a existência da divindade, permite que a existência humana precede a
essência como afirma Sartre:
A
liberdade humana precede a essência do homem e torna-a possível: a essência do
ser humano acha-se em suspenso na liberdade. Logo, aquilo que chamamos
liberdade não pode se diferençar do ser da “realidade humana”. O homem não é
primeiro para ser livre depois: não há diferença entre o ser do homem e seu
“ser livre”. (SN, 1997, p. 68).
Com
isso, o homem existe no mundo, surge no mundo, para depois se definir. Desta forma, afirmar que a
existência precede a essência é salvaguardar a liberdade humana[2].
Só depois que existiu o homem
pode dizer o que é a humanidade, podendo julgar-se alguma coisa apenas a partir
daquilo que já está feito. Em suma: o homem é aquilo que faz. Assim, o homem
antes de qualquer coisa, é um projeto
que se vive subjetivamente. Ao conceber o homem como projeto, tornamo-nos
responsáveis por aquilo que somos. Não somos aquilo que queremos ser, mas somos
o projeto que estamos vivendo e este projeto é uma escolha, cuja
responsabilidade é apenas do próprio sujeito.
No entanto, ao dizer que o sujeito é
responsável por si mesmo, o existencialismo transcende a ideia do subjetivismo
individualista que os críticos querem imputar-lhe. O sujeito no ato de fazer uma
escolha, não escolhe somente a si mesmo, mas escolhe toda humanidade. Ou seja:
ao escolher o homem que deseja ser, o homem está julgando como todos os homens
devem ser. Em outras palavras o homem está condenado à subjetividade humana.
Somos responsáveis por toda humanidade.
Dito isto, Sartre apresenta a ideia
existencialista de angústia. O homem, ao perceber que sua escolha envolve não
apenas a si mesmo, mas toda humanidade e que a responsabilidade dessa escolha é
inteiramente sua, se sentirá angustiado. Só o homem de má fé consegue disfarçar
a angústia, dissimulando a sua responsabilidade por si e por toda humanidade.
Os próprios atos de dissimular e mentir implicam em uma escolha. Ao atribuir a
responsabilidade a outrem, estamos escolhendo a mentira não só para a própria
existência, como para a de todos os homens. O homem que nega a angústia tem na
angústia a sua própria forma de existir.
A maldade humana e a fraternidade são opostos
que nos ligam à responsabilidade de nossas escolhas: angústia como a consciência
do que somos. Ainda sobre a angústia, Sartre destaca que o homem, quando
responsável e perante qualquer decisão, sente-se angustiado. Mas tal angústia
não o impede de agir, pelo contrário, implica na ação. O homem, responsável
pela humanidade, sentirá angústia ao escolher, pois esta escolha implica no
abandono de todas as outras possibilidades.
Porém, a ideia de que a existência precede a
essência permite outros desdobramentos. O homem não pode responsabilizar a sua
existência à natureza alguma. Não há nada que legitime seu comportamento, não
há nada que o determine. O homem faz-se a si próprio, é livre, tem total
liberdade para escolher o que se torna. Assim, não há nada que justifique seus
atos. O homem está desamparado, condenado à sua própria escolha, condenado a
ser livre[3].
Sendo o homem livre para suas escolhas, qual
o lugar da moral na doutrina existencialista? Sartre, exemplificando, diz que
há dois tipos de moral. A moral cristã prega que devemos seguir o caminho mais
duro. Mas Sartre questiona-se: “qual o caminho mais duro?”. Já a moral kantina
afirma que devemos tratar as pessoas como fim, e não como meio. Porém, ao
escolher algo como fim, as outras opções serão tratadas como meio. Então, seria
o sentimento que determina nossa escolha pela moral a ser seguida? Sartre refuta
essa idéia.
Só podemos dizer que fizemos algo por amor,
depois que já tivermos realizado. Justificar uma ação pelo sentimento terá seu
valor apenas depois que o ato se concretizar, o sentimento se constituiu pelos
atos praticados. Portanto, não podemos consultar nossos sentimentos como guia
de nossas ações e não há também nenhuma moral que me guie, o homem é livre para
escolher e tem a constante possibilidade de se inventar.
Neste ponto, Sartre retoma as críticas
iniciais e as rebate a partir da argumentação descrita acima. Para o
existencialismo, significa que não só atingimos a nós próprios, atingimos a nós
através do outro. O outro é a condição para nossa existência, não somos nada
sem o reconhecimento do outro. Para o homem conhecer-se é necessário,
primeiramente, que o outro o reconheça. Este é o mundo intersubjetivo, de
âmbito da consciência, e é através dele que julgamos a nós mesmos e os outros.
Sobre o tema da moral Sartre rebate as
críticas que acusam o existencialismo de pregar uma escolha gratuita. Enfatiza
que uma escolha implica um compromisso com toda a humanidade, já que toda
escolha é um compromisso. E, ao escolher um projeto, estamos necessariamente
optando por uma moral. Não há como fugir da escolha e, portanto, não há como
fugir da moral. A moral só poderá ser julgada no momento em que ela estiver se
realizando através das ações e de deliberação subjetivas.
Com isso, inicia uma compreensão da teoria
sartreana denominada Existencialismo é um
humanismo. Humanista por ser o homem o único responsável por suas ações. E
existencialista porque, na medida em que o homem projeta-se para fora de si
mesmo, ele se faz no mundo. Para o sujeito é sempre possível transcender e
superar a si mesmo, na medida em que o sujeito é aquilo que faz de si mesmo,
tendo a permanente liberdade de se reinventar com afirma Zilles:
O
homem é determinado por seus atos. Só a ação permite ao homem viver. O ponto de
partida é, pois, a subjetividade. Na verdade, as coisas serão como o homem
tiver decidido que devem ser, pois
realidade só há na ação do homem. Desta maneira, a filosofia de Sartre é uma filosofia da ação, do engajamento
decidido. O que conta é o engajamento, o compromisso total. (ZILLES, 1995, p.
61).
Com
isso, o que pretendo fazer é analisar as condutas livres, pois a partir delas
poderei me aproximar do significado da liberdade e, mais especificamente,
poderei entender o que significa dizer que o homem é livre para Sartre. Assim,
uma das primeiras características que identifico como sendo característica
deste sujeito livre sartreano é o seu poder de eleição como afirma Mateo:
“Encontramos que a primeira significação da liberdade sartreana é: poder eleger
ser tal pessoa. Para realizar esta eleição, o homem não conta com valores
objetivos, com mandatos nem leis, com modelos nem guias, porque o que elege ser
é configurado a partir da liberdade” (MATEO, 1975, p. 31).
Portanto,
se faz mister dizer que ao afirmarmos que a existência precede a essência estamos refutando qualquer tipo de
determinismo em relação à conduta humana e estamos afirmando que o ser humano é
absolutamente livre. “Com efeito, se a existência
precede a essência, nada poderá jamais ser explicado por referência a uma
natureza humana dada e
definitiva; ou seja, não existe determinismo, o homem é livre, o homem é
liberdade” (EH, 1987, p. 9).
9.
REFERÊNCIAS
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condição humana. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
BORNHEIM, Gerd
Alberto. Sartre, metafísica e
existencialismo. São Paulo: Perspectiva, 2005.
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Maurício de (Org.). Problemas e teorias
da ética contemporânea. Porto Alegre: Edipucrs, 2004.
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Caprio Leite de. Consequências morais de
conceito de má-fé em Jean- Paul Sartre. Porto Alegre, 2005. Dissertação
(Mestrado em Filosofia). Pós-graduação em Filosofia da PUCRS, 2005. 243 p.
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O conceito Sartreano de liberdade:
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Maringá, ISSN 1519.6178, ano I, n. 04 maio de 2002.
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Fundo de Cultura, 1964.
JOLIVET, Régis. Sartre ou a teologia do absurdo. São
Paulo: Herder, 1968.
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liberdade. São Paulo: Moderna,1995.
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NOVAES, Adauto. O avesso da liberdade. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.
PERDIGÃO, Paulo.
Existência e liberdade. Uma introdução à
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diálogo com Heidegger, Sartre e Levinas. Porto Alegre, 2006. Tese
(Doutorado em Filosofia). Pós-graduação em Filosofia da PUCRS, 2006. 265 p.
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______. O problema da moral. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2003.
ZILLES, Urbano. Grabriel Marcel e o existencialismo.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995.
[1] Portanto, com a
morte de Deus, o senhor que detinha a história e os destinos em suas mãos, os
homens assumem estes destinos e o fazem existindo. Portanto, as categorias do
sentido, do bem, do justo, são assumidas pelo próprio homem que no uso de sua
racionalidade vai afirmá-las ou negá-las. Desta maneira, nada mais é
definitivo; tudo é transitório. Por isso a existência precede a essência; e a
essência, só vai ser conhecida no final da história narrada pelo historiador.
Muitas vezes nem o próprio sujeito conhece sua essência, sabe apenas de sua
existência. Conforme nos diz Hannah Arendt: A história real, em que nos
engajamos durante toda a vida, não tem criador visível nem invisível porque não
é criada. O único alguém que ela revela é o seu herói, e ela é o único meio
pelo qual a manifestação originalmente intangível de um quem singularmente
diferente torna-se ex post facto através da ação e do discurso. Só podemos
saber quem um homem foi se conhecermos a história da qual ele é o herói - em
outras palavras, sua biografia; [...] (ARENDT, 2005, p. 129).
[2] Mas, por ser livre, o
Para-Si, ao surgir, apenas existe, descobre-se no mundo, vazio, uma total
indeterminação de si mesmo. No começo, não é nada - apenas uma “possibilidade
de ser”. A partir dessa pura existência, o homem se faz a si mesmo e cria a sua
essência. Isso explica o princípio sartreano de que “a existência precede a
essência” (PERDIGÃO, 1995, p. 90).
[3] [...] a
realidade-humana é seu próprio nada. Ser, para o Para-si, é nadificar o Em-si
que ele é. Nessas condições, a liberdade não pode ser senão esta nadificação. É
através dela que o Para-si escapa de seu ser, como de sua essência; é através
dela que constitui sempre algo diverso daquilo que pode-se dizer dele, pois ao
menos é aquele que escapa a esta denominação mesmo, aquele que já está além do
nome que se lhe dá ou da propriedade que se lhe reconhece. Dizer que o Para-si
tem de ser o que é, dizer que é o que não é não sendo o que é, dizer que, nele,
a existência precede e condiciona a essência, ou inversamente, segundo a
fórmula de Hegel, para quem “Wesen ist was gewesen ist” - tudo isso é dizer uma
só e mesma coisa, a saber: que o homem é livre. (SN, 1997, p. 543).