LIBERDADE E ORTODOXIA - E A BUSCA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Rubens Alves
Desejo falar referente à teologia dos grupos marginais no protestantismo brasileiro. Esta expressão “grupos marginais no Protestantismo” se refere especificamente, neste contexto, aqueles que foram forçados a deixar as igrejas, em decorrência de seu pensamento desviante. Entretanto ao tentar organizar minhas informações, cheguei à conclusão de que, mais significativo que este pensamento desviante são os mecanismo institucionais eclesiásticos que definem tal pensmanto como desviante.Ou seja, numa linguagem teológica, como pensamento heterodoxo ou herético. Isto é muito significativo em relação ao Protestantismo, porque este sempre proclamou o seu comprometimento com a liberdade de consciência e o livre exame. Que determinismos institucionais escondidos e latentes são este que igrejas protestantes a negar os princípios que elas conscientemente confessam ? Foi em resposta a esta questão que desenvolvi as reflexões que se seguem. E necessário notar que eles nada mais sãos que uma hipótese preliminar de trabalho. Que elas sejam entendidas menos como uma série de conclusões que como um pronto de interrogação. E a minha esperança é que elas possam se contribuir numa pista de investigação que possa ajudar-nos a elucidar uma das imensas contradições do protestantismo.
A reforma protestante, ao nível ideológico, se caracteriza por sua ênfase sobre os temas da liberdade e do livre exame. A justificação pela fé, ponto central da polêmica entre Lutero e a Igreja Católica é, na realidade, a expressão teológica da questão antropológica da liberdade. Não é, portanto, por acidente, que o reformador tenha definido o ponto crucial de sua luta em termos da oposição entre a liberdade do cristão, de um lado e a escravidão uma implícita no sistema institucional e sacramental do Catolicismo, de outro. “Assim, no seu tratado sobre a Escravidão da Vontade, Lutero escrevia a Erasmo:” O louvo e o recomendo... porque você somente, em, contraste como todos os outros, atacou a coisa real, isto é,a questão essencial. Você não me cansou com questões externas sobre Papado, os purgatório, as indulgências e coisa semelhantes – questões insignificantes antes que problemas reais – por cuja causa até o momento, quase todos os outros buscarem o meu sangue...; você somente você, viu o centro em torno do qual tudo o mais gira....”
E qual era a questão crucial? Nada menos que a questão dos pressupostos e condições da liberdade. Não é meu propósito analisar as linhas gerais da polêmica. Interessa-me simplesmente constatar a centralidade do problema da liberdade para a ideologia do protestantismo. É a temática da liberdade que faz com que Hegel veja a Reforma como um dos marcos decisivos na história. Segundo ele, ela significou uma ruptura com a “deferência servil para com a Autoridade” péla qual, “ o Espírito, havendo renunciado sua natureza própria e sua mais essencial qualidade .... perdeu a sua liberdade” . “ “Esta é a essência da Reforma”, ele continua; “o Homem, em sua própria natureza, está destinado a ser livre”. Paul Thilich interpreta “ o espírito do Protestantismo de forma semelhante. “ “O principio protestante”, ele afirma , “ expressão derivada do protesto dos protestantes, contra as decisões de uma maioria católica, contém o protesto divino e humano contra qualquer pretensão absoluta por parte de uma realidade relativa......” o principio protestante “ é o guardião contra as tentativas daquilo que é finito e condicionado, de usurpar o lugar do incondicional no pensar e no agir”. Em resumo : uma negação de todas as formas de totalitarismo e absolutIsmo.
Na medida em que o Protestantismo se definiu, ideologicamente, pela liberdade e, logicamente pelo livre exame da liberdade de consciência, ele se definiu em oposição a uma organização social que lançava mão da violência institucional, representadas pela a Inquisição, com o propósito de eliminar a divergência e fortalecer a sua uniformidade de pensamento e unidade política. A questão é saber se o protestantismo foi bem sucedido na criação de uma organização social alternativa, Istoé, uma organização social correspondente à sua ideologia.O fato histórico, entretanto, é que as práticas inquisitoriais continuariam em operação no Protestantismo. Práticas inquisitoriais são o conjunto de procedimentos institucionais cuja função é identificar e eliminar o pensamento divergente. Quanto a Lutero, é sabida a sua atitude para com os movimentos anabatistas, e o seu conselho que deveriam ser mortos como o mesmo espírito com que mata um cão raivoso. E quanto a Calvino, as fogueiras continuaram a ser cessas em Genebra, não apenas para queimar e Miguel Serveto, como também para a queima de dezenas de bruxas. Podemos nos desfazer desta evidência histórica perturbadora, explicando o comportamento dos reformadores como decorrência da atmosfera caótlico-medieval que à respiravam.
Assim fazendo, conseguimos salvar a ideologia protestante da liberdade e do livre exama, atribuindo as origens da inquisição protestante a um resíduo de espírito católico. Mas neste caso seria necessário demonstrar que o espírito e as práticas inquisitoriais desaparecem gradualmente do Protestantismo. E aparece que isto não é possível. O que se observa é o seu reaparecimento no seio do Prostesatantismo sempre que o pensmanto divergente ameaça a sua unidade política e teológica. Na verdade, seria possível interpretar as tendências protestantes para as divisões denominaionais e sectárias como expressão de práticas inquisitórias. É evidente que fogueiras não podem mais ser acesa. Entretanto, o fato de os grupos com pensmantos divergentes são forçados a deixar certa igreja, isto é uma evidencia da presença de mecanismo de controle de pensmanto extremamente eficazes na igreja de que foram forçados a sair.Poderíamos explicar a presença das práticas inquisitoriais no Protestantismo por meio de suas hipóteses que se excluem mutuamente:
1. As práticas inquisitoriais são desvios acidentais. Trata-se de aberrações transitórias e de deformações patológicas numa organização que essencialmente oposta à inquisição.
2. As práticas inquisitoriais não são aberrações transitórias e nem deformações patológicas de uma organização comprometida coma liberdade. Trata-se de decorrências naturais da própria instituição protestante. Neste caso, teríamos de reconhecer na temática da liberdade e do livre exame uma verdadeira inversão ideológica, que obscurece e falsifica os mecanismos reais em operação na organização em questão.
É necessário constatar, antes de qualquer coisa, que a sociedade não pode sobrevier sem mecanismo de controle e eliminação de desvio de pensamento e de conduta. A partir das escolas. Sua função é reproduzir, no educando, o conhecimento da realidade socialmente aceito, de tal forma que tal conhecimento seja introjetado e o educando venha a reconhecer o conhecimento social da realidade como sendo seu próprio. Quando isto ocorre identificam-se o conhecimento social e ao individual da realidade, e o educando está adequadamente socializado. Mas a socialização nunca é total. Observe-se sempre que certos grupos de indivíduos rejeitam as construções sócias da realidade, e elaboram para si, definições alternativas do que é o real e do que é comportamento próprio. Torna-se indivíduos desviantes da moralidade socialmente definida. E, como tais rompem a unidade cognitiva e comportamental da sociedade. Se o desvio tem conseqüências puramente individuais e domésticas, tais indivíduos são tratados como doentes mentais, e submetidos aos processos terapêuticos que têm por objetivos restaurá-los ao real e ajustá-los ás definições sociais.
Quando o comportamento e desviante tem conseqüências socais mais amplas, tal indivíduo é tratado como criminosos, e propriamente punidos e segregados. Tais são as funções dos manicômios e prisões. O mesmo processo de controle de pensmanto e de comportamento se observa em unidades menores, dentro da sociedade. Partidos políticos, comunidade cientifica e igrejas seriam instâncias do que acabamos de indicar. Os mecanismos para controle e eliminação do desvio das normas socialmente aceitas prevêem controle em dois níveis. O primeiro deles é o nível do comportamento propriamente dito, isto é aquilo que os homens fazem. Encontramo-nos aqui ao nível de moral. O segundo tem a ver com o comportamento intelectual, ou seja , aquilo que os homens afirma acera da realidade . Muito embora, á primeira vista a moral desviante possa parecer o comportamento mais perigoso para a unidade da saciedade, a verdade que o pensamento divergente é aquele que apresenta maior periculosidade abalando ordem social em questão nos seus próprios fundamentos.
O ladrão, que atenta concretamente contra a propriedade privada, é menos perigoso que aquele que, não sendo ladrão, contesta, ao nível intelectual, a legitimidade da propriedade privada. O primeiro deseja apenas resolver um problema prático particular. O segundo nega a validez da ordem social como um todo. De forma idêntica, num país comunista, um cidadão que se comporta concretamente de forma burguesa (talvez desejando enriquece-se operando no mercado negro de dólares) é menos perigoso que o filósofo que, aderindo a uma ética de austeridade proletária, rejeita a legitimidade da ordem política instituída. O primeiro assim como no caso anterior só busca vantagens pessoais. O segundo, ao contrário, sem buscar vantagens pessoais, denuncia todo um sistema e uma filosofia de vida. A prostituta, igualmente, é menos perigosa que o eunuco que afirma uma filosofia de amor livre. O desvio intelectual, em todos estes casos, é subversivo de uma totalidade, enquanto que o desvio comportamental deixa a totalidade como está, não questionando nunca a sua legitimidade, No caso especifico das instituições eclesiásticas, este fato se torna evidente quando notamos que é fácil reassimilar. Aqueles que cometeram deslizem morais, enquanto que é praticamente impossível fazer o mesmo com os hereges. O herege sim. O que comete os deslizes moral sabe que a verdade está com instituição. Esta é a razão porque comete o seu ato em segredo. Sua vergonha é indicio de que, ao nível cognitivo, ele reconhece o erro do seu comportamento. O herege, ao contrário, sabe que ele está certo e a instituição erra. Por isto não se envergonha, e pregam as suas idéias. O imoral religioso fundamentalista só deseja permissão para realizar os seus atos interesseiros. O herege deseja abolir um mundo e criar outro.
É necessário notar que o “herege” não se chama a si mesmo de herege. Sob o seu ponto de vista, ele proclama a verdade a uma instituição que se desviou da verdade. A heresia, portanto, na medida em que ela implica uma contestação de verdades cristalizadas por uma instituição, pressupõe os exercícios do livre exame. O herege é aquele que crê na voz de sua consciência, assumindo o risco da liberdade. Este risco se exprime na coragem de se desviar da normalidade e da alienação cognitiva eclesiástica. Ora, se assim é, qualquer instituição que tenha mecanismos para identificar e eliminar o desvio está contribuindo negativamente para a eliminação do livre exame e, portanto da liberdade. “ Herege” é um estigma criado pelas instituições eclesiásticas a fim de preservar a sua unidade cognitiva, e por este mesmo ato elas declaram não haver lugar, no seu interior, para repensar o que pela a instituição já esta pensado, e assim assassinando o que surge inevitavelmente do livre exame e da liberdade. A ortodoxia pressupõe existir uma identidade entre as Escritura Sagrados e as definições doutrinárias já cristalizadas. Aquele que é definido como herege é aquele que afirma existir uma contradição entre as Sagras Escrituras e a forma da instituição pensar. Em outras palavras: ele declara que aquilo que a instituição aceita como verdade não é verdade”.
Por que mecanismo se conclui que os ortodoxos são ortodoxos e os hereges são hereges? A história nos dá uma pista muito interessante para responder a esta pergunta: os hereges são sempre os vencidos e os ortodoxos os vencedores. Em última análise, a decisão é feita por um processo político. Os hereges são os fracos; os ortodoxos são os fortes. Aquilo que uma instituição eclesiástica reconhece como verdade, e exatamente aquilo que usa como critério para estigmatizar o herege, foi formulado e imposto, um dia por aqueles que detinham o monopólio do poder político eclesiástico, nesta mesma instituição. Se a situação tivesse sido a oposta, isto é, se os perdedores tivessem sido vitoriosos, seu pensamento teria sido imposto como verdade e ortodoxia e heresias pouco ou nada nos revelam sobre o problema da verdade. Tais conceitos simplesmente apontam para os vencedores e os perdedores. Os procedimentos inquisitoriais, para identificar e eliminação do pensamento desviante, só são possíveis se.
a) Um grupo pretender ser, o detentor da verdade absoluta. A verdade absoluta é aquela que é completa, fixa e final. Não pode, portanto, ser contestada ou mudada.
b) Este grupo detiver os instrumentos políticos de coerção e violência para a eliminação efetiva dos desviantes.
Mas se nossa análise é correta, a pretensão de verdade absoluta nada mais é que a face ideológica das realidades do poder político nos limites institucionais. Os ortodoxos, na medida em que são umas expressões do grupo dominante na instituição eclesiástica, estão condenados a ser intolerante. Não podem optar por perseguir ou não hereges. “Por que razão a verdade seria convencidas a fazer concessões ao erro? Por que tolerar o pensamento divergente se a instituição se diz possuidora da verdade?. Por que entrar num diálogo, se nada há para aprender ? Diálogo só e possível a partir do momento que se pressupõe que a verdade ainda não foi alcançadas,tem a teologia como algo inacabado, e se admite que o, pensamento divergente pode ser o verdadeiro. Somente sobre tais pressupostos faz sentido escutar. Mas aos detentores da verdade cumpre apenas anunciar “ sem vacilações em sem concessões “, a verdade que já e posse sua.
Para onde nos levam tais reflexões?É um fato histórico que o Protestantismo, em oposição ao Catolicismo que invoca a sua continuidade histórica como marca de ser ele a verdadeira igreja, foi levado a eleger a confissão da reta doutrina como sinal de autencidade apostólica. Ora, se a confissão da reta doutrina se erige como a essência da verdadeira igreja, segue-se como uma decorrência lógica e institucional que os comportamentos institucionais e o comportamento inquisitorial necessariamente se devem faz presente a fim de preservar a integridade da verdade. Se nossa análise é correta podemos então concluir pela segunda hipótese: Os comportamentos inquisitoriais não são aberrações transitórias numa organização comprometida com a liberdade a e o livre exame.
“A pretensão de posse da verdade torna impossível a tolerância, sem a qual a liberdade e o livre exame não se podem sobrevier. E mais do isto, a sobrevivência do espírito profético. Porque o profeta pé sempre um desviante, que denuncia a verdade socialmente aceita como falsidade e idolatria e anunciada a sua verdade”. Estas reflexões foram elaboradas em torno de uma questão relativa ao protestantismo. Mas talvez as conclusões extrapolem de muito os seus limites. E há plenas evidencias sociológicas para substanciar i nosso ponto. Talvez que a ordem social, qualquer que seja ela, seja uma oposição radical entre a ordem social, com, suas exigências de integração e controle de pensmanto e integração e controle de comportamento, e a liberdade. “Talvez que a liberdade possa subsistir somente nas margens do mundo socialmente construído e por, isso aqueles que ouvem o chamado da liberdade, e pensam livre das amarras instrucionais estejam condenados à marginalidades e à inquisição. Tal como aconteceu com os profetas e com Jesus.”
A reforma protestante, ao nível ideológico, se caracteriza por sua ênfase sobre os temas da liberdade e do livre exame. A justificação pela fé, ponto central da polêmica entre Lutero e a Igreja Católica é, na realidade, a expressão teológica da questão antropológica da liberdade. Não é, portanto, por acidente, que o reformador tenha definido o ponto crucial de sua luta em termos da oposição entre a liberdade do cristão, de um lado e a escravidão uma implícita no sistema institucional e sacramental do Catolicismo, de outro. “Assim, no seu tratado sobre a Escravidão da Vontade, Lutero escrevia a Erasmo:” O louvo e o recomendo... porque você somente, em, contraste como todos os outros, atacou a coisa real, isto é,a questão essencial. Você não me cansou com questões externas sobre Papado, os purgatório, as indulgências e coisa semelhantes – questões insignificantes antes que problemas reais – por cuja causa até o momento, quase todos os outros buscarem o meu sangue...; você somente você, viu o centro em torno do qual tudo o mais gira....”
E qual era a questão crucial? Nada menos que a questão dos pressupostos e condições da liberdade. Não é meu propósito analisar as linhas gerais da polêmica. Interessa-me simplesmente constatar a centralidade do problema da liberdade para a ideologia do protestantismo. É a temática da liberdade que faz com que Hegel veja a Reforma como um dos marcos decisivos na história. Segundo ele, ela significou uma ruptura com a “deferência servil para com a Autoridade” péla qual, “ o Espírito, havendo renunciado sua natureza própria e sua mais essencial qualidade .... perdeu a sua liberdade” . “ “Esta é a essência da Reforma”, ele continua; “o Homem, em sua própria natureza, está destinado a ser livre”. Paul Thilich interpreta “ o espírito do Protestantismo de forma semelhante. “ “O principio protestante”, ele afirma , “ expressão derivada do protesto dos protestantes, contra as decisões de uma maioria católica, contém o protesto divino e humano contra qualquer pretensão absoluta por parte de uma realidade relativa......” o principio protestante “ é o guardião contra as tentativas daquilo que é finito e condicionado, de usurpar o lugar do incondicional no pensar e no agir”. Em resumo : uma negação de todas as formas de totalitarismo e absolutIsmo.
Na medida em que o Protestantismo se definiu, ideologicamente, pela liberdade e, logicamente pelo livre exame da liberdade de consciência, ele se definiu em oposição a uma organização social que lançava mão da violência institucional, representadas pela a Inquisição, com o propósito de eliminar a divergência e fortalecer a sua uniformidade de pensamento e unidade política. A questão é saber se o protestantismo foi bem sucedido na criação de uma organização social alternativa, Istoé, uma organização social correspondente à sua ideologia.O fato histórico, entretanto, é que as práticas inquisitoriais continuariam em operação no Protestantismo. Práticas inquisitoriais são o conjunto de procedimentos institucionais cuja função é identificar e eliminar o pensamento divergente. Quanto a Lutero, é sabida a sua atitude para com os movimentos anabatistas, e o seu conselho que deveriam ser mortos como o mesmo espírito com que mata um cão raivoso. E quanto a Calvino, as fogueiras continuaram a ser cessas em Genebra, não apenas para queimar e Miguel Serveto, como também para a queima de dezenas de bruxas. Podemos nos desfazer desta evidência histórica perturbadora, explicando o comportamento dos reformadores como decorrência da atmosfera caótlico-medieval que à respiravam.
Assim fazendo, conseguimos salvar a ideologia protestante da liberdade e do livre exama, atribuindo as origens da inquisição protestante a um resíduo de espírito católico. Mas neste caso seria necessário demonstrar que o espírito e as práticas inquisitoriais desaparecem gradualmente do Protestantismo. E aparece que isto não é possível. O que se observa é o seu reaparecimento no seio do Prostesatantismo sempre que o pensmanto divergente ameaça a sua unidade política e teológica. Na verdade, seria possível interpretar as tendências protestantes para as divisões denominaionais e sectárias como expressão de práticas inquisitórias. É evidente que fogueiras não podem mais ser acesa. Entretanto, o fato de os grupos com pensmantos divergentes são forçados a deixar certa igreja, isto é uma evidencia da presença de mecanismo de controle de pensmanto extremamente eficazes na igreja de que foram forçados a sair.Poderíamos explicar a presença das práticas inquisitoriais no Protestantismo por meio de suas hipóteses que se excluem mutuamente:
1. As práticas inquisitoriais são desvios acidentais. Trata-se de aberrações transitórias e de deformações patológicas numa organização que essencialmente oposta à inquisição.
2. As práticas inquisitoriais não são aberrações transitórias e nem deformações patológicas de uma organização comprometida coma liberdade. Trata-se de decorrências naturais da própria instituição protestante. Neste caso, teríamos de reconhecer na temática da liberdade e do livre exame uma verdadeira inversão ideológica, que obscurece e falsifica os mecanismos reais em operação na organização em questão.
É necessário constatar, antes de qualquer coisa, que a sociedade não pode sobrevier sem mecanismo de controle e eliminação de desvio de pensamento e de conduta. A partir das escolas. Sua função é reproduzir, no educando, o conhecimento da realidade socialmente aceito, de tal forma que tal conhecimento seja introjetado e o educando venha a reconhecer o conhecimento social da realidade como sendo seu próprio. Quando isto ocorre identificam-se o conhecimento social e ao individual da realidade, e o educando está adequadamente socializado. Mas a socialização nunca é total. Observe-se sempre que certos grupos de indivíduos rejeitam as construções sócias da realidade, e elaboram para si, definições alternativas do que é o real e do que é comportamento próprio. Torna-se indivíduos desviantes da moralidade socialmente definida. E, como tais rompem a unidade cognitiva e comportamental da sociedade. Se o desvio tem conseqüências puramente individuais e domésticas, tais indivíduos são tratados como doentes mentais, e submetidos aos processos terapêuticos que têm por objetivos restaurá-los ao real e ajustá-los ás definições sociais.
Quando o comportamento e desviante tem conseqüências socais mais amplas, tal indivíduo é tratado como criminosos, e propriamente punidos e segregados. Tais são as funções dos manicômios e prisões. O mesmo processo de controle de pensmanto e de comportamento se observa em unidades menores, dentro da sociedade. Partidos políticos, comunidade cientifica e igrejas seriam instâncias do que acabamos de indicar. Os mecanismos para controle e eliminação do desvio das normas socialmente aceitas prevêem controle em dois níveis. O primeiro deles é o nível do comportamento propriamente dito, isto é aquilo que os homens fazem. Encontramo-nos aqui ao nível de moral. O segundo tem a ver com o comportamento intelectual, ou seja , aquilo que os homens afirma acera da realidade . Muito embora, á primeira vista a moral desviante possa parecer o comportamento mais perigoso para a unidade da saciedade, a verdade que o pensamento divergente é aquele que apresenta maior periculosidade abalando ordem social em questão nos seus próprios fundamentos.
O ladrão, que atenta concretamente contra a propriedade privada, é menos perigoso que aquele que, não sendo ladrão, contesta, ao nível intelectual, a legitimidade da propriedade privada. O primeiro deseja apenas resolver um problema prático particular. O segundo nega a validez da ordem social como um todo. De forma idêntica, num país comunista, um cidadão que se comporta concretamente de forma burguesa (talvez desejando enriquece-se operando no mercado negro de dólares) é menos perigoso que o filósofo que, aderindo a uma ética de austeridade proletária, rejeita a legitimidade da ordem política instituída. O primeiro assim como no caso anterior só busca vantagens pessoais. O segundo, ao contrário, sem buscar vantagens pessoais, denuncia todo um sistema e uma filosofia de vida. A prostituta, igualmente, é menos perigosa que o eunuco que afirma uma filosofia de amor livre. O desvio intelectual, em todos estes casos, é subversivo de uma totalidade, enquanto que o desvio comportamental deixa a totalidade como está, não questionando nunca a sua legitimidade, No caso especifico das instituições eclesiásticas, este fato se torna evidente quando notamos que é fácil reassimilar. Aqueles que cometeram deslizem morais, enquanto que é praticamente impossível fazer o mesmo com os hereges. O herege sim. O que comete os deslizes moral sabe que a verdade está com instituição. Esta é a razão porque comete o seu ato em segredo. Sua vergonha é indicio de que, ao nível cognitivo, ele reconhece o erro do seu comportamento. O herege, ao contrário, sabe que ele está certo e a instituição erra. Por isto não se envergonha, e pregam as suas idéias. O imoral religioso fundamentalista só deseja permissão para realizar os seus atos interesseiros. O herege deseja abolir um mundo e criar outro.
É necessário notar que o “herege” não se chama a si mesmo de herege. Sob o seu ponto de vista, ele proclama a verdade a uma instituição que se desviou da verdade. A heresia, portanto, na medida em que ela implica uma contestação de verdades cristalizadas por uma instituição, pressupõe os exercícios do livre exame. O herege é aquele que crê na voz de sua consciência, assumindo o risco da liberdade. Este risco se exprime na coragem de se desviar da normalidade e da alienação cognitiva eclesiástica. Ora, se assim é, qualquer instituição que tenha mecanismos para identificar e eliminar o desvio está contribuindo negativamente para a eliminação do livre exame e, portanto da liberdade. “ Herege” é um estigma criado pelas instituições eclesiásticas a fim de preservar a sua unidade cognitiva, e por este mesmo ato elas declaram não haver lugar, no seu interior, para repensar o que pela a instituição já esta pensado, e assim assassinando o que surge inevitavelmente do livre exame e da liberdade. A ortodoxia pressupõe existir uma identidade entre as Escritura Sagrados e as definições doutrinárias já cristalizadas. Aquele que é definido como herege é aquele que afirma existir uma contradição entre as Sagras Escrituras e a forma da instituição pensar. Em outras palavras: ele declara que aquilo que a instituição aceita como verdade não é verdade”.
Por que mecanismo se conclui que os ortodoxos são ortodoxos e os hereges são hereges? A história nos dá uma pista muito interessante para responder a esta pergunta: os hereges são sempre os vencidos e os ortodoxos os vencedores. Em última análise, a decisão é feita por um processo político. Os hereges são os fracos; os ortodoxos são os fortes. Aquilo que uma instituição eclesiástica reconhece como verdade, e exatamente aquilo que usa como critério para estigmatizar o herege, foi formulado e imposto, um dia por aqueles que detinham o monopólio do poder político eclesiástico, nesta mesma instituição. Se a situação tivesse sido a oposta, isto é, se os perdedores tivessem sido vitoriosos, seu pensamento teria sido imposto como verdade e ortodoxia e heresias pouco ou nada nos revelam sobre o problema da verdade. Tais conceitos simplesmente apontam para os vencedores e os perdedores. Os procedimentos inquisitoriais, para identificar e eliminação do pensamento desviante, só são possíveis se.
a) Um grupo pretender ser, o detentor da verdade absoluta. A verdade absoluta é aquela que é completa, fixa e final. Não pode, portanto, ser contestada ou mudada.
b) Este grupo detiver os instrumentos políticos de coerção e violência para a eliminação efetiva dos desviantes.
Mas se nossa análise é correta, a pretensão de verdade absoluta nada mais é que a face ideológica das realidades do poder político nos limites institucionais. Os ortodoxos, na medida em que são umas expressões do grupo dominante na instituição eclesiástica, estão condenados a ser intolerante. Não podem optar por perseguir ou não hereges. “Por que razão a verdade seria convencidas a fazer concessões ao erro? Por que tolerar o pensamento divergente se a instituição se diz possuidora da verdade?. Por que entrar num diálogo, se nada há para aprender ? Diálogo só e possível a partir do momento que se pressupõe que a verdade ainda não foi alcançadas,tem a teologia como algo inacabado, e se admite que o, pensamento divergente pode ser o verdadeiro. Somente sobre tais pressupostos faz sentido escutar. Mas aos detentores da verdade cumpre apenas anunciar “ sem vacilações em sem concessões “, a verdade que já e posse sua.
Para onde nos levam tais reflexões?É um fato histórico que o Protestantismo, em oposição ao Catolicismo que invoca a sua continuidade histórica como marca de ser ele a verdadeira igreja, foi levado a eleger a confissão da reta doutrina como sinal de autencidade apostólica. Ora, se a confissão da reta doutrina se erige como a essência da verdadeira igreja, segue-se como uma decorrência lógica e institucional que os comportamentos institucionais e o comportamento inquisitorial necessariamente se devem faz presente a fim de preservar a integridade da verdade. Se nossa análise é correta podemos então concluir pela segunda hipótese: Os comportamentos inquisitoriais não são aberrações transitórias numa organização comprometida com a liberdade a e o livre exame.
“A pretensão de posse da verdade torna impossível a tolerância, sem a qual a liberdade e o livre exame não se podem sobrevier. E mais do isto, a sobrevivência do espírito profético. Porque o profeta pé sempre um desviante, que denuncia a verdade socialmente aceita como falsidade e idolatria e anunciada a sua verdade”. Estas reflexões foram elaboradas em torno de uma questão relativa ao protestantismo. Mas talvez as conclusões extrapolem de muito os seus limites. E há plenas evidencias sociológicas para substanciar i nosso ponto. Talvez que a ordem social, qualquer que seja ela, seja uma oposição radical entre a ordem social, com, suas exigências de integração e controle de pensmanto e integração e controle de comportamento, e a liberdade. “Talvez que a liberdade possa subsistir somente nas margens do mundo socialmente construído e por, isso aqueles que ouvem o chamado da liberdade, e pensam livre das amarras instrucionais estejam condenados à marginalidades e à inquisição. Tal como aconteceu com os profetas e com Jesus.”
Texto transcrito por Sergio A. Ribeiro da palestra de Rubens Alves na (EST) Escola Superior de Teologia em 1977.