Existe uma
profunda ligação entre ética e filosofia[1]: a ética nunca
pode deixar de ter como fundamento uma concepção filosófica do homem que nos dá
uma visão total deste como um ser social e histórico. Dentre os vários
conceitos com os quais a ética trabalha e que pressupõe um prévio
esclarecimento filosófico, como os de liberdade, necessidade, valor,
consciência, vamos dar ênfase ao de sociabilidade, ou seja, como a ética deve
estar inserida nas relações humanas em sociedade.A ação humana é fruto de uma escolha
entre o certo e o errado, e entre o que é bom e o que é mal. O indivíduo
procura se basear em parâmetros socialmente aceitos que lhe permite conviver
com as outras pessoas, em outras palavras, ele busca sempre se guiar pelos
conceitos que norteiam a prática dos valores positivos e das qualidades
humanas. A ética não somente serve de base para as relações humanas, mas, trata
também das relações sociais dos homens na medida em que os filósofos consideram
a ética como base da justiça ou do direito, e até mesmo das leis que regulam a
convivência entre todos que vivem na sociedade.
Primeiramente pra entendermos sobre a
ética devemos pelo conceito filosófico entender que é a área que investiga o
comportamento humano em suas relações entre si, considerando conceitos
utilizados para avaliá-las como: valor, virtude, justiça, moral, bem, normas
morais, dever, liberdade e principalmente responsabilidade; promove também
reflexões sobre a busca humana pelas melhores formas de agir, viver e conviver.
De forma mais específica, segundo Gilberto Cotrim,
A ética é uma disciplina teórica sobre uma prática
humana, que é o comportamento moral... A ética tem também preocupações
práticas. Ela orienta-se pelo desejo de unir o saber ao fazer. Como filosofia
prática, isto é, disciplina teórica com preocupações práticas, a ética busca
aplicar o conhecimento sobre o ser para construir aquilo que deve ser (COTRIM,
2004, p.264).
Como teoria filosófica, a ética se caracteriza
como estudo das ações individuais dos homens, cuja finalidade consiste em
elaborar uma orientação normativa para as ações humanas que seja estabelecido
como bem. Com o filósofo grego Aristóteles a ética passou a ser a
“ciência do moral”, ou seja do caráter e das disposições do espírito.
Enfatizamos que a ética é um conjunto de argumentos que são utilizados pelos
indivíduos para justificar suas ações, solucionando com diferentes problemas em
que há o conflito de interesses com bases em argumentos universais. Ou
salientamos que a ética é uma filosofia responsável por estudar a moral,
contestando e identificando o que podemos chamar de regras morais vigentes, as
quais são alteradas com o tempo. A Ética como teoria filosófica tem por
objetivo estudar o comportamento dos indivíduos frente aos apelos morais da
sociedade em que este vive. Ela se manifesta de diferentes maneiras conforme a
cultura, costumes e hábitos de determinadas populações.As reflexões da ética abrangem aspectos
da vida pública e das leis estabelecidas no plano social para a existência
humana. Envolvem questões ligadas ao direito, ao poder, a cidadania e a
política, e abrange também aspectos da vida privada, analisando algumas
questões morais de foro íntimo ligadas as condutas e escolhas de indivíduos em
nosso cotidiano, e são elas que determinam o modo como cada um convive consigo
próprio e com os outros.
As respostas filosóficas para as questões
éticas variam no tempo e no espaço, e ainda apresentam uma característica
fundamental que envolve a posição dos indivíduos em relação ao valor e as
virtudes que são defendidos em seu meio cultural. Com isso, os filósofos
investigam o que leva diferentes grupos sociais a se enfatizarem sobre questões
e valores semelhantes, sem ignorar que, os significados atribuídos a eles nem
sempre são os mesmos. Há filósofos que concebem o homem como um ser dotado de
um senso moral inato, ou seja, da capacidade natural para avaliar como as
coisas e como elas deveriam ser. Alguns acreditam que as diversas tendências
culturais e individuais atuam sempre sobre a capacidade comum entre os seres
humanos e são determinantes da formação do caráter e da personalidade. E há
filósofos que afirmam a existência da liberdade, ressaltando sempre que, apesar
da pressão de costumes e leis, nós sempre podemos refletir sobre as questões
éticas e sobre a moral aprendida, e que, segundo eles, há uma possibilidade que
nos faz responsáveis por nossas próprias escolhas e que nos permite contribuir
para a renovação com as normas com que nos deparamos no dia a dia.
Nos tempos áureos da filosofia grega a
justiça e todas as demais virtudes éticas eram políticas e sociais, o que
denota uma certa inseparabilidade entre a ética e política,
ou seja, está relacionado entre a conduta do indivíduo e os valores da
sociedade. No pensamento dos Antigos filósofos a existência humana
só pode ser pensada em sociedade onde os seres humanos aspiram ao bem e a
felicidade, que só pode ser alcançada pela conduta virtuosa. Além disso, existe
uma preocupação constante com a busca dos valores morais inscritos no interior
do próprio homem, como acreditava Sócrates. Dessa forma – para ser ético – o
homem deveria entrar em contato com a sua própria essência, a fim de alcançar a
perfeição. O homem, como qualquer ser, busca a sua perfeição, que acontecerá
quando sua essência estiver plenamente realizada. E como afirma Mondin,
“A ética ou moral... é o estudo da atividade humana com relação a seu fim
último que é a realização plena da humanidade” (1980, p.91)
Sócrates, que se tornou símbolo da
própria filosofia, dedicou atenção especial as questões éticas, sendo que ele
julgava o ser humano que era dotado de uma natureza racional e voltada para o
bem. Ele tentava sempre compreender a essência das virtudes e do bem, tal como
a justiça, a prudência, a coragem, e entre outras. Sócrates de alguma forma
procurava saber dos cidadãos atenienses sobre a virtude, a essência, saber se
uma conduta é boa ou não, e porque o bem é uma virtude e o mal um erro, e com
tudo isso as perguntas ética-socráticas não estão destinadas somente ao indivíduo,
mas também a sociedade.
Pode-se resumir a ética dos antigos em
pelo menos dois aspectos: o agir em conformidade com a razão e a união
permanente entre ética (a conduta do indivíduo) e política (valores da
sociedade). A ética é uma maneira de educar o sujeito moral (seu caráter) no
intuito de propiciar a harmonia entre o mesmo e os valores coletivos.
Na Idade Média a Filosofia sofrerá uma
forte influência da tradição cristã. Uma vez, que todos os Filósofos deste
período são teólogos, bispos, abades e padres. Dessa forma a filosofia
permanecerá, ao longo de todo período medieval, subordinada a teologia, de tal
modo, que é impossível separar o pensamento filosófico da tradição grega, do
pensamento teológico cristão. Neste caso a vida ética era definida por sua
relação espiritual e interior com Deus e pela caridade com o seu próximo, por
meio da revelação divina. A ética cristã se fundamenta no amor, no qual foi
colocado como primeiro e maior mandamento: o amor a Deus acima de todas as
coisas e o amor ao próximo. É no amor que o cristianismo encontra sua
realização espiritual mais profunda e as bases fundamentais para a vida em
sociedade.
Os primeiros filósofos cristãos
procuravam conciliar fé e razão como instrumento de análise e reflexão. A
partir desse pressuposto a filosofia insurge no campo da ética cristã, como
tentativa de justificar seus princípios e normas de comportamento, se
submetendo a lei divina revelada pelas Sagradas Escrituras implicando uma
determinação racional do próprio conteúdo sobrenatural da Revelação, mediante
uma disciplina específica, a teologia dogmática (veja mais em: Filosofia Cristã: Interioridade e Dever).
Assim como Sócrates e Platão, o bispo, teólogo e filósofo do
início da Idade Média, Santo Agostinho, foi um homem profundamente voltado para
a sua interioridade, uma vez que é nessa interioridade que podemos realizar
nosso encontro com Deus e nossa verdadeira essência. É dentro desta perspectiva
de uma filosofia introspectiva que Agostinho agrega uma série de conceitos
fundamentais. Os filósofos medievais herdaram elementos da tradição filosófica
grega, reconfigurando-se no interior de uma ética cristã e tal como Santo
Agostinho, a filosofia de São Tomás de Aquino representa uma aproximação entre
fé e razão mas, neste caso, usando o pensamento aristotélico como base
fundamental. Inspirado na filosofia aristotélica e amparado na
visão cristã de mundo, Aquino reflete sobre a conduta ética que é aquela na
qual o agente sabe o que está e o que não está em seu poder realizar,
referindo-se, ao que é possível e desejável para um ser humano. A ética tomista
também deve ser trabalhada no âmbito da sociedade. Analisando a natureza
humana, resulta que o homem é um animal social (político) e, portanto, forçado
a viver em sociedade com os outros homens. A primeira forma da sociedade humana
é a família, de que depende a conservação do gênero humano; a segunda forma é o
Estado, de que depende o bem comum dos indivíduos. Sendo que apenas o indivíduo
tem realidade substancial e transcendente, se compreende como o indivíduo não é
um meio para o Estado, mas o Estado um meio para o indivíduo. Segundo Tomás de
Aquino, o Estado não tem apenas função negativa (repressiva) e material
(econômica), mas também positiva (organizadora) e espiritual (moral). Embora o
Estado seja completo em seu gênero, fica, porém, subordinado, em tudo quanto
diz respeito à religião e à moral, à Igreja, que tem como escopo o bem eterno
das almas, ao passo que o Estado tem apenas como escopo o bem temporal dos
indivíduos.
Mas não foi apenas na antiguidade e na
Idade Média que os filósofos tiveram essa preocupação ética e social. Longe de
pretender fazer uma análise sistemática das mais diferentes visões filosóficas
sobre o assunto vamos apenas ressaltar as duas correntes que já mencionamos no
início do texto. A primeira sobre a qual já falamos, corresponde às ideias de
filósofos como Sócrates e Santo Agostinho que acreditam que o ser humano é
dotado de um senso moral inato, ou seja, da capacidade natural para avaliar
como as coisas e como elas deveriam ser e, desta forma, a questão de como
devemos nos comportar e agir em sociedade passa por uma questão de foro íntimo
e espiritual, introspectivo, que pode ser resumida na frase: “conhece-te a ti
mesmo”. Mas essa visão não é a única e filósofos há que acreditam que que as
diversas tendências culturais são determinantes da formação do caráter e da
personalidade e por isso dão uma ênfase maior em como os aspectos sociais e
culturais são determinantes das relações humanas.
Um exemplo desta perspectiva nós
encontramos no século XIX, com o filósofo alemão Friedrich Hegel, que aprofundou de maneira
ímpar a perspectiva Homem – Cultura e História, sendo que a ética deve ser
determinada pelas relações sociais. Como sujeitos históricos culturais, nossas
ações devem ser determinadas pela harmonia entre vontade subjetiva individual e
a vontade objetiva cultural. O homem é visto como sujeito histórico-social, e
como tal sua ação não pode mais ser analisada fora da coletividade, por isso a
ética ganha um dimensionamento político: uma ação eticamente boa é
politicamente boa, e contribui para o aumento da justiça e distribuição
igualitária do poder entre os homens. O ideal ético para Hegel estava numa vida
livre dentro de um Estado livre, um Estado de direito, que preservasse os
direitos dos homens e lhes cobrasse seus deveres, onde a consciência moral e as
leis do direito não estivessem nem separadas e nem em contradição. E os grandes
problemas éticos se encontram em três momentos da eticidade que são a família,
a sociedade civil e o Estado, e uma ética concreta não pode ignorá-los (VALLS,
1994).
Em relação à sociedade civil os problemas
atuais continuam os mais urgentes: referem-se ao trabalho e à propriedade. Não
é um problema ético a falta de trabalho, o desemprego, as formas escravizadoras
do trabalho, quando a maioria não recebe as condições mínimas nem de salário
nem de infra estrutura para sobreviver? Em relação ao Estado, os problemas, éticos
são muito ricos e complexos. A liberdade do indivíduo só se completa como
liberdade do cidadão de um Estado livre e de direito. As leis, a Constituição, as declarações de direitos,
a definição dos poderes, a divisão destes poderes para evitar abusos, e a
própria prática das eleições periódicas aparecem hoje como questões éticas
fundamentais.
Uma outra perspectiva de uma moral
social encontramos no sociólogo Émile Durkheim. A comparação que
Durkheim faz da sociedade com um organismo biológico traz ricas analogias. A
sociedade é um imenso corpo social, como um “organismo biológico” (o conjunto
das instituições sociais formam este corpo), possuindo vários órgãos (entre
eles: a família, o Estado, a escola, a Igreja), cada qual com suas funções
específicas de modo que a “anatomia social” será saudável se todos os órgãos
funcionarem bem. Durkheim leva essa analogia ainda mais além quando afirma que
a partir do momento em que um desses órgãos deixa de funcionar
convenientemente, todo corpo social se ressente e adoece. E o que torna
saudável uma sociedade, fazendo com que ela funcione harmoniosamente, é a
existência de uma moral social. Cabe aos indivíduos desenvolver
planos de ação que possam influir na transformação dos aspectos deficientes da
sociedade a partir de valores que possam orientar, efetivamente, a conduta
social dos indivíduos. Vale destacar aqui, a importância que a ideia de solidariedade representa
no pensamento do sociólogo francês. A solidariedade, dentro do contexto das
regras morais e sociais, pode e deve contribuir para a harmonia da sociedade.
Enfim, qual a contribuição que a
Filosofia e, por sua vez, a Ética, podem oferecer para nós, homens e mulheres
do século XXI? No momento histórico em que vivemos existe um problema
ético-político grave. O Brasil sempre quis ser visto o país dos justos, da
democracia, da ética acima de tudo, porém não é bem essa a realidade vivida por
todos (veja mais em: Ética na democracia brasileira).
Verifica-se uma realidade conflitante fundamentada em uma crise de sentido e de
valores que se apresenta na vida pessoal e nas relações sociais das pessoas. A
partir desse contexto percebe-se uma inquietação acerca do sentido da vida e do
papel do “ser no mundo”, vindo assim a reaparecer com mais força o interesse
pelo tema da ética, enquanto coluna vertebral da reflexão sobre a conduta do
ser humano e seus valores. Não é suficiente para o homem comum e contemporâneo
superar a crise da ética atual conhecendo o outro e suas necessidades para se
chegar a sua convivência harmônica. Não há como superar esta crise sem um
modelo de ética voltada para uma comunidade, como na polis grega.
Hoje se aposta no individualismo, na competição, na sociedade do espetáculo e
do consumo.
Acerca das reflexões sobre o ponto de
vista dos filósofos, fica claro o entendimento sobre a ética, sendo um elemento
imprescindível na sociedade. Somos formados por princípios e valores que estão relacionados
a nossa cultura e esses fatores são essenciais, para a formação do nosso
caráter no que diz respeito a nossa conduta ética e moral de modo que,
irremediavelmente, o que se entende por Filosofia e Ética está relacionado ao
conhecimento e comportamento do indivíduo na sociedade.
Referências Bibliográficas
COTRIM, Gilberto. Fundamentos
de Filosofia. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva 2004.
MONDIN, B. Introdução
à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. Tradução de J. Renard.
São Paulo: Paulus, 1980.
VALLS, Álvaro L.
M. O que é ética. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1994. (Coleção Primeiros Passos, 177). Em nosso website você
encontra uma resenha da obra de Álvaro Valls: acesse o link: O que é Ética (resenha).