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JOHN LOCKE

"todos os homens, que, sendo todos iguais e livres, nenhum deve prejudicar o outro, quanto à vida, à saúde, à liberdade, ao próprio bem". E, para que ninguém empreenda ferir os direitos alheios, a natureza autorizou cada um a proteger e conservar o inocente, reprimindo os que fazem o mal, direito natural de punir"

FRIEDRICH HAYEK

“A liberdade individual é inconciliável com a supremacia de um objetivo único ao qual a sociedade inteira tenha de ser subordinada de uma forma completa e permanente”

DEBATES FILOSÓFICOS

"A filosofia nasce do debate, se não existe a liberdade para o pensar, logo impera a ignorância"

A Filosofia é.....

"Viver sem filosofar é o que se chama ter os olhos fechados sem nunca os haver tentado abrir". Descartes

LIBERDADE

"Liberdade, Igualdade , Fraternidade. Sem isso não há filosofia. Sem isso não há existência digna.

"Nós temos um sistema que cobra cada vez mais impostos de quem trabalha e subsidia cada vez mais quem não trabalha"

LUDWING V. MISES

"O socialismo é a Grande Mentira do século XX. Embora prometesse a prosperidade, a igualdade e a segurança, só proporcionou pobreza, penúria e tirania. A igualdade foi alcançada apenas no sentido de que todos eram iguais em sua penúria"

domingo, 5 de novembro de 2023

MILTON FRIEDMAN – QUATRO FORMAS DE GASTAR O DINHEIRO

 



As quatro formas de gastar dinheiro, propostas por Milton Friedman prêmio Nobel 1976, mostram a contradição em confiar o dinheiro ao Estado para sua redistribuição. Quando analisamos a eficácia e a eficiência de uma ação, seja individual ou política, percebemos que as motivações dessa ação são tomadas (ou deveriam) pelo seu custo-benefício. Quando, porém, o benefício não é próprio, mais variáveis são acrescentadas na análise. Milton Friedman, destacado economista da Escola de Chicago e vencedor de um prêmio Nobel, simplifica, entretanto, de forma precisa as quatro formas de gastar um recurso:

1) A primeira é gastamos nosso dinheiro consigo próprio. Nesse caso, possuímos um incentivo para procurar algo de qualidade, porém avaliamos em como gastar o dinheiro de forma eficiente, avaliando o custo. É o modo natural de as empresas do setor privado usarem seus recursos e direcionarem suas operações buscando o lucro.

2) Outra maneira é gastar nosso dinheiro com outra pessoa — por exemplo, quando você compra algo para alguém. Nesse caso, certamente nos preocupamos com a quantidade de dinheiro que gastamos, mas se não temos uma ligação emocional com o beneficiado, estamos inconscientemente menos interessados na qualidade do produto.

3) A terceira maneira é quando gastamos o dinheiro de outra pessoa consigo mesmo, como quando almoçamos à custa de nossa empresa ou quando agentes públicos usam o dinheiro da corrupção para comprar seus automóveis e suas mansões. Nesse caso, teremos pouco incentivo para ser frugal, mas nos esforçaremos para escolher os melhores produtos.

4) Por fim, o quarto modo é quando gastamos o dinheiro de alguém com outras pessoas. Nesse caso, não temos motivos para se importar nem com a qualidade e nem com o custo. E esta é a maneira como, geralmente, o governo gasta o dinheiro dos impostos recolhidos de nossos bolsos e devolvendo (parte) para a sociedade.

E nesse país de lógicas sombrias, ainda existem milhões e milhões de pessoas que, com sua lógica socialista, continuam defendendo o desvio de mais recursos para o Estado.

E pior: defendendo os desvios e mais recursos para programas que criam uma constante dependência que eternizam a permanência desses senhores do poder, como comentei em "A diferença básica entre liberais e estatistas".

A CRÍTICA DE VON MISES AO ESTADO INTERVENCIONISTA

 


Diz uma frase famosa, muito citada: “O melhor governo é o que  menos governa”. Esta não me parece uma caracterização adequada  das funções de um bom governo.   Compete a ele fazer todas as coisas para as quais ele é necessário e para as quais foi instituído.  Tem  o dever de proteger as pessoas dentro do país contra as investidas violentas e fraudulentas de bandidos, bem como de defender o país  contra  inimigos  externos.  São  estas  as  funções  do  governo  num  sistema livre, no sistema da economia de mercado.  No socialismo, obviamente, o governo é totalitário, nada escapando à sua esfera e sua jurisdição.  Mas na economia de mercado, a principal incumbência do governo é proteger o funcionamento harmônico  desta economia contra a fraude ou a violência originada dentro ou fora do país.  Os que discordam desta definição das funções do governo poderão dizer: “Este homem abomina o governo”. Nada poderia estar mais longe da verdade.  Se digo que a gasolina é um líquido de grande serventia, útil para muitos propósitos, mas que, não obstante, eu não a beberia, por não me parecer esse o uso próprio para o produto, não me converto por isso num inimigo da gasolina, nem se poderia dizer que odeio a gasolina.  Digo apenas que ela é muito útil para determinados fins, mas inadequada para outros.  Se digo que é dever do governo prender assassinos e demais criminosos, mas que não é seu dever abrir estradas ou gastar dinheiro em inutilidades, não quer dizer que eu odeie o governo apenas por afirmar que ele está qualificado para fazer determinadas coisas, mas não o está para outras.

 

Que é o intervencionismo? O intervencionismo significa a não restrição, por parte do governo, de sua atividade, em relação à preservação da ordem, ou – como se costumava dizer cem anos atrás – em relação à “produção da segurança”.  O intervencionismo revela um governo desejoso de fazer mais.  Desejoso de interferir nos fenômenos de mercado.  Alguém que discorde, afirmando que o governo não deveria intervir nos negócios, poderá ouvir, com muita freqüência, a seguinte resposta: “Mas o governo sempre interfere, necessariamente.  Se há policiais nas ruas, o governo está interferindo.  Interfere quando um assaltante rouba uma loja ou quando evita que alguém furte um automóvel”.  Mas quando falamos de intervencionismo, e definimos o significado do termo, referimo-nos à interferência governamental no mercado.  (Que o governo e a polícia se encarreguem de proteger os cidadãos, e entre eles os homens de negócio e, evidentemente, seus  empregados, contra ataques de bandidos nacionais ou do exterior, é efetivamente uma expectativa normal e necessária, algo a se esperar de qualquer governo.  Essa proteção não constitui uma intervenção, pois a única função legítima do governo é, precisamente, produzir segurança.) Quando falamos de intervencionismo, referimo-nos ao desejo que experimenta o governo de fazer mais que impedir assaltos e fraudes.  O intervencionismo significa que o governo não somente fracassa em proteger o funcionamento harmonioso da economia de mercado, como também interfere em vários fenômenos de mercado: interfere nos preços, nos padrões salariais, nas taxas de juro e de lucro.

 

O governo quer interferir com a finalidade de obrigar os homens de negócio a conduzir suas atividades de maneira diversa da que escolheriam caso tivessem de obedecer apenas aos consumidores.  Assim, todas as medidas de intervencionismo governamental têm por objetivo restringir a supremacia do consumidor.  O  governo  quer  arrogar  a  si  mesmo  o  poder  –  ou  pelo  menos parte do poder – que, na economia de mercado livre, pertence aos consumidores.  Consideremos um exemplo de intervencionismo bastante  conhecido  em  muitos  países  e  experimentado,  vezes sem conta, por inúmeros governos, especialmente em tempos de inflação.  Refiro-me ao controle de preços.  Em geral, os governos recorrem ao controle de preços depois de terem inflacionado a oferta de moeda e de a população ter começado a se queixar do decorrente aumento dos preços.  Há muitos e famosos exemplos históricos  do  fracasso  de  métodos  de  controle  dos  preços,  mas mencionarei apenas dois, porque em ambos os governos foram, de fato, extremamente enérgicos ao impor, ou tentar impor, seus controles de preço.

 

 MISES, Von Ludwig. As seis lições. Tradução:  Maria Luisa Borges. São Paulo.Instituto Ludwig  Von Mises.7º Edicção. 2009. ( Trecho – Terceira lição: O intervencionismo, pg. 45) 

RESENHA DE A DEMOCRACIA NA AMÉRICA, DE ALEXIS DE TOCQUEVILLE



Livro obrigatório para quem estuda ciência política, A Democracia na América se mantém como uma obra fundamental para a compreensão do poder e da grandeza dos Estados Unidos. Tocqueville escreveu essa sua obra-prima com apenas 30 anos, e ele demonstrou um profundo entendimento das leis e instituições americanas depois de apenas algum tempo vivendo na América. O resultado é um livro que prova que a liberdade, a busca pela igualdade, o respeito pelos magistrados e à lei e o estabelecimento de instituições democráticas, aliadas a uma constituição que é conhecida e respeitada pelo povo, podem produzir uma nação sem paralelo em qualquer época da humanidade. O que percebemos desde o início da história americana é que a Inglaterra não chegou a colonizar o país como fizeram o império português e espanhol nas províncias ao sul. Nunca houve o objetivo de se pilhar o país e de enviar cidadãos que não tivessem o menor interesse em estabelecer e aprimorar às instituições da nova colônia inglesa.

Na verdade, os Estados Unidos contaram um pouco com a sorte porque os peregrinos ( os puritanos expulsos da Inglaterra) não tinham o objetivo de retornarem à metrópole, dessa forma, o que restava a fazer era criar uma nova civilização que fosse original, independente e com leis estáveis. Para quem já leu a Ética protestante e o Espírito do Capitalismo, um resumo da mentalidade puritana é desnecessário, mas creio ser preciso enfatizar a busca dessa seita religiosa pela educação, por um capitalismo ético e pelo respeito à lei. Se nas colônias ibéricas nunca existiu a crença de que a educação fosse para todos por uma influência negativa dos jesuítas, na nova colônia americana a educação e a propagação de escolas e universidades eram quase que artigo de fé. É de impressionar a religiosidade de seus primeiros imigrantes e seu estranho fundamentalismo baseado no antigo testamento, mas que para a sorte da futura nação americana, nunca foi aplicado na prática.

Outro aspecto que devemos estudar é o lugar que os magistrados ocupavam na sociedade. Como percebeu Tocqueville, quando acontecia algum crime como um assassinato ou um leve desvio da lei por algum cidadão, era como se tivesse ocorrido um crime contra toda a nação, de forma que toda a comunidade se unia para capturar o criminoso e julgá-lo. Isso pode ser observado ainda hoje naquele país. Tocqueville acredita que uma importante diferença da jovem nação americana para os países europeus é que os americanos praticavam uma centralização governamental e uma descentralização administrativa, enquanto os Estados europeus como a França, praticavam tanto a centralização governamental quanto a administrativa. Tocqueville defende o modelo americano e faz um longo estudo sobre a comuna nesse país que concedia grande liberdade para as cidades e Estados da federação. Dentro desse excelente livro, o autor ainda destacou algumas crenças que produziram a força da América e também suas fraquezas, como a paixão pela liberdade de imprensa e a livre circulação dos jornais; um clero esclarecido e que tinha como princípio o respeito pela separação da esfera religiosa do poder civil; funcionários públicos respeitados por uma população que os vigiava e cobrava eficiência, de forma que o funcionalismo público na América não buscava vantagens pessoais ou “estabilidade”, mas que tinha consciência dos seus deveres e obrigações.

Tocqueville acreditava que a jovem nação americana possuía alguns problemas também, como aquela que seria a grande fraqueza da democracia, ou seja, o domínio e a tirania da maioria, e o problema da escravidão. Quanto à questão da tirania da maioria, Tocqueville foi profético da mesma forma que foi quanto à questão da futura guerra civil americana. Alguns podem se perguntar: em relação aos direitos das minorias, não seria o caso que a democracia exerceria uma opressão quanto a esses grupos? A história demonstrou que não. As minorias se organizando em pequenos grupos que no início só aparentemente eram revolucionários, conseguiram alcançar o poder pela conquista da maioria da opinião pública, que nas democracias é o verdadeiro deus a ser adorado. Eu achei o estudo de Tocqueville sobre as populações indígenas e negras nos Estados Unidos como algo bastante original. O indígena, como o autor previu, foi quase exterminado, porque ao contrário do escravo negro, possuía um orgulho de se achar superior aos brancos, de maneira que nunca esteve disposto a se integrar na sociedade americana e a adotar os meios de produção dos homens brancos, como a agricultura, a organização religiosa e a indústria. Os negros fizeram exatamente o oposto dos indígenas, porque desde o início adotaram as práticas das populações europeias, mas sempre sofreram porque mesmo tentando ser como os europeus, nunca foram vistos pelos brancos como seres humanos iguais àqueles.

Na segunda parte do livro escrita cinco anos depois da primeira, Tocqueville faz um estudo mais amplo a respeito da democracia, incluindo suas opiniões sobre o estado das artes e da ciência, como a poesia, o teatro e a filosofia sob um governo democrático em comparação com um governo aristocrático. É preciso dizer que nessa segunda parte de A Democracia na América, Tocqueville é um pouco subjetivo, mas isso não diminui a força e a importância dessa obra. Certas passagens na segunda parte reforçam as observações feitas pelo autor no primeiro livro, como o espírito democrático das várias seitas religiosas do país, a fé que os americanos demonstram pela liberdade de imprensa e a livre circulação dos jornais, e Tocqueville ainda acrescenta algo importante: a liberdade das mulheres que vivem na democracia americana. Essa parte é interessante porque o autor demonstra a educação e a autoconfiança das mulheres americanas como tendo origem na religião protestante. Quase no final do livro existe uma previsão errônea do autor e um grande acerto dele. O erro de Tocqueville foi de achar que a era das revoluções estava chegando ao fim por causa da crescente onda democrática do século XIX. Quem conhece a história sabe que desde 1848, na chamada primavera dos povos, até hoje em dia em 2013, as revoluções sucedem umas às outras. A grande previsão de Tocqueville que se confirmou foi a que se a revolução e a guerra tomassem conta dos Estados Unidos seria pelo fato do norte ser industrial e o sul escravagista. O autor diz claramente que seria a situação dos negros americanos que geraria uma revolta e insurreição naquele país.

DOUTRINA DO LIBERALISMO

 


O liberalismo trata-se de uma doutrina filosófica política muito discutida hoje em dia, em geral colocada em contraposição ao socialismo e que tem origens no movimento conhecido como iluminismo. É uma doutrina político-econômica que surge, em sua essência, da vontade de limitação do Estadopara a consequente ascensão da liberdade individual, dos direitos individuais, da igualdade perante a lei, da proteção à propriedade privada e do livre comércio. Essa vontade era intimamente ligada às lutas da burguesia na Inglaterra do século XIII e é por isso que por muitas vezes o liberalismo foi e ainda é facilmente associado a essa classe social. Para o liberalismo, portanto, o Estado Mínimo é necessário para que se possa garantir as pautas defendidas, que são variadas, conforme indicadas acima, e serão explicadas adiante. O mercado é considerado o grande provedor e regulador da sociedade na percepção dos liberais.O liberalismo pode ser visto por três enfoques diferentes: o binômio liberalismo político e liberalismo econômico (dois em um, que se correlacionam facilmente) e o liberalismo como corrente de pensamento, que pode abranger os dois primeiros ou não. 

Então, para que comecemos com clareza, algumas ponderações: O liberalismo como corrente de pensamento: se contrapõe ao conservadorismo como corrente de pensamento. Adjetiva a pessoa que possui ideias flexíveis e abertas, tendente a ser mais tolerante com a diversidade e com o novo. O liberalismo como corrente político-econômica: ao contrário do liberalismo como corrente de pensamento, tradicionalmente, no Brasil, o liberalismo político-econômico está atrelado a visões com uma linha de pensamento conservadora e à direita na política. Tradicionalmente porque o liberalismo político-econômico não concorda obrigatoriamente com a moral conservadora, mesmo que seja a “regra geral” do liberalismo no nosso país. A ideologia liberalista político-econômica é o nosso enfoque, e será explicada abaixo.
Disso, concluímos: não existe uma só definição de liberalismo que seja aceita por todos. As grandes doutrinas políticas são vistas com muitas particularidades tanto por quem as adota, quanto por quem as critica. Portanto, vamos (eu e você) focar nas questões gerais e importantes, sem a pretensão de esgotar o tema. A exposição pretende ensinar e descomplicar a doutrina através de uma linguagem acessível e de uma análise mais prática. Atrelado à concepção política do liberalismo, o conceito descreve que o Estado (governo) não pode atuar ou intervir em todas as esferas. O liberalismo político afirma que há um aglomerado de direitos inerentes ao ser humano e que, portanto, o Estado não pode intervir. Esses direitos seriam a liberdade individual, os direitos individuais, a igualdade perante a lei, a segurança, a felicidade, a liberdade religiosa, a liberdade de imprensa, entre outros. O Estado seria limitado no plano legal, através das leis, e no plano individual/privado em razão desse conjunto de direitos.

Aqui vale a famosa frase “O Estado é um mal, porém um mal necessário”. O Estado atuaria, então, para fornecer as condições mínimas necessárias para o livre desenvolvimento de cada cidadão. Livre desenvolvimento significa a ausência de assistencialismo. O liberalismo afasta o Estado paternalista, que não poderá atuar interferindo, limitando ou suprindo necessidade na vida de qualquer indivíduo e, sobretudo, não poderá intervir na economia e no mercado.
Ideais Políticos

  • Defesa das liberdades e direitos individuais: Há um conceito chamado de individualismo metodológico. O liberalismo não reconhece direitos coletivos. O indivíduo é o agente das relações jurídico-sociais e detém direitos individuais e não coletivos.
  • Liberdade de imprensa, de associação, de reunião, de religião.
  • Estado Mínimo.
  • Igualdade perante a lei: através da instituição do Estado de Direito. Todos seriam iguais perante a lei, e tratados como iguais pelo Estado. Não existem privilégios.
  • Governos representativos e constitucionais.

Ideais Sociais
  • Reconhecimento do mérito. Ou seja, o lugar de cada um na sociedade dependeria diretamente do mérito individual. Há a pressuposição de igualdade de oportunidades, e alguns indivíduos possuem mais do que os outros em razão da diferença no grau de esforço aplicado para o alcance dos objetivos.
  • Ideais Econômicos
  • Reconhecimento da propriedade privada: o bem pode ser utilizado exclusivamente por quem o adquiriu. Não há espaço para o instituto da função social da propriedade, ou seja, não há utilização ou obrigação de objetivos sociais para a propriedade privada.
  • Livre Mercado: a economia se fundamenta na lei da oferta e da demanda. O Estado não pode intervir em nenhuma esfera da economia, não pode intervir nos preços, nos salários ou nas trocas comerciais, tampouco corrigindo as falhas ou disparidades sociais causadas pela economia. O liberalismo coloca o livre mercado como o grande “regulador” da sociedade e as falhas se corrigiriam naturalmente, através da “mão invisível” referida por Adam Smith em seu livro “ A Riqueza das Nações”.
  • Tributação mínima, principalmente no que concerne à carga tributária das empresas.

Rousseau e Kant – similaridades e diferenças

   

Cassirer descreve a influência que Rousseau teria exercido sobre Kant. Na obra Kant. Vida y Doctrina (1948) Cassirer faz uma análise dessa influência de Rousseau, sobre Kant, entre os anos de 1758 a 1762 (CASSIRER, 1948, p.108). É neste contexto que Rousseau, começa a se apresentar para Kant, como um universo de novas possibilidades […] que já se teria apresentado entusiasmo em Kant, pouco tempo antes (1762), pela leitura do Emílio[1]. Neste contexto, existem oposições e conflitos em volta de Rousseau. De um lado encontra uma crítica ácida como a crítica de Mendelssohn sobre A nova Heloísa (1781)[2], em que o mesmo considera Rousseau, um escritor secundário. Em contrapartida, Rousseau despertará grande admiração na geração de jovens intelectuais, e agitação nos círculos acadêmicos europeus. Kant, de forma não expressiva, buscará uma posição de certa neutralidade entre as duas realidades antagônicas, como afirma Beck: "Embora muito entusiasmado, a princípio com o vigor da escrita de Rousseau[3] Kant, sabe que precisa ler Rousseau, até que não me cative a beleza das expressões, e eu possa  investigá-lo usando apenas a razão (BECK, 1960, p. 28).

É visto que em Kant, a ideia de um método racionalista já era latente; e por meio de tal método, Kant parece estar disposto a ir além de Rousseau, e investigar algo mais profundo, e não revelado pelo mesmo. O intento de Kant, no decorrer do seu pensamento logrou êxito, levando a uma condição de não condicionar seu pensamento a uma forma de pensar generalizada de seu tempo. Uma época em que o espírito roussoriano permeia as mentes europeias sobre a ideia de uma moral do coração; do retorno a condição natural como a essência do homem, como defesa e justificativapara a retomada, retorno e reconquista da liberdade individual.[4] 

Kant, começa a dar indício de uma filosofia moral antes da (FMC), em que apresenta uma relação muito forte com o tema da liberdade e autonomia desenvolvido por Rousseau[5], trabalhado mais tarde na FMC e CRPr. A filosofia moral de Kant, na (FMC),  estará em diferença com  (CRP) na questão de complexidade[6]. Essa complexidade não acontece da FMC, uma vez que é visto em sua estrutura que o conhecimento ético, moral tem condição de serem aprendido, percebido pelos indivíduos até mesmo por meio “[…] de uma razão humana mais vulgar […]” (KANT, 1980, p.122/GMS, AA 04:406). Segundo Cassirer, isso é possível de ver em Kant, devido à influência de Rousseau na questão do “homem simples, natural e comum” ter a capacidade perceptível a assuntos filosóficos da moralidade. Isso teria feito Kant, distanciar-se de comportamento soberbo de inúmeras filosofias dogmáticas. Rousseau, exerceu nestas questões influência a Kant: “Rousseau me colocou no bom caminho. Essa hipotética vantagem desaparece; eu vou aprendendo a honrar os seres humanos, e me consideraria mais inútil que o trabalhador comum se não acreditasse que esse modo de pensar pode infundir em os demais um valor para instaurar os direitos da humanidade” (KANT, I., apud Cassirer, Kant, p.111-2).

No entanto, em outras questões não é assim. Rousseau no Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os homens (1762) traz uma análise em que se contrapõe à filosofia política de Hobbes na questão do homem ser produtor do estado de guerra de todos contra todos por causa da sua antropologia negativa, a qual Hobbes, a definiu como uma condição da natureza humana através da sentença: “O homem é o lobo do próprio homem”. Rousseau apresenta em sua visão de Estado de natureza e perfectibilidade do homem; um homem que ele o denomina de o “bom selvagem”, que seria portador da virtude da piedade, comportamento que segundo Rousseau trata de uma virtude universal[7].

O tratado sobre o Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os homens, apresenta uma satisfação, e defesa de Rousseau da aproximação do homem com os animais[8]. É visto que Rousseau, defende a perfectibilidade do homem; e faz uma relação positiva entre a virtude da piedade como a disposição adequada para seres tão fracos como nós. Sendo tal virtude além de universal, a mais útil entre os homens. Nesta questão Kant, não apresenta concordância. O que existe de influência de Rousseau, sobre Kant, nesta questão é a necessidade da universalidade. A virtude da piedade para Rousseau, é algo natural no homem, sendo alcançada sem a necessidade do exercício racional, ou seja; qualquer sujeito seria capaz de reconhecer em si a presença desse sentimento fundamental de piedade, a qual configura uma moral do sentimento ou do coração, em que as ações são realizadas com o coração, porque são atitudes nobres e bondosas, ou seja; é quando se considera que o que deve fazer nasce no interior.

A influência de Rousseau sobre Kant estava na necessidade da universalidade de um princípio que regula a ação do sujeito. Princípio regulatório este que, para Rousseau, seria a virtude da piedade, e sua origem uma moral do sentimento do coração. Todos estes princípios são bem-vistos por Kant, em seu início de contato com Rousseau, como já bem apresentado por Cassirer[9]. Em uma relação de pensamento com Rousseau, Kant manteria a necessidade de um princípio universal também de origem interior [“Duas coisas me enchem a alma de crescente admiração e respeito: o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim”] porém, não na virtude da piedade, mais no princípio a priori: “[…] todos os princípios morais têm sua sede e origem completamente a priori na  razão, e isto tanto na razão humana mais vulgar como na razão mais  especulativa em mais ala medida […]” (GMS, AA 4: 413).

No processo de evolução e amadurecimento de seu pensamento, Kant se distanciará de qualquer princípio moral ligado a moral do sentimento para uma moral estritamente racional, como bem já disse Beck[10]. Nesta abordagem sobre a influência de Rousseau sobre Kant, e a evolução do pensamento kantiano rumo a Doutrina do Direito, nada melhor do que fazer uso de comparação entre Rousseau, e Kant, sobre questões pertinentes à discussão. No exemplo de Kant, na FMC sobre a figura de um sujeito como o pior vilão[11], que busca realizar ações de honestidade. Neste paralelo com Kant, e Rousseau, deduz inicialmente que Kant, está seguindo a mesma linha de pensamento de Rousseau. De acordo com Kant, o pior vilão não realizaria ações de acordo com a virtude da piedade pelo fato de ser impelido por razões alheias à sua, ou seja; por razões que determinam sua verdadeira vontade.

De acordo com Rousseau, o pior vilão tem a total condição de conhecer a existência da virtude da piedade como a virtude de maior valor interno em si. No entanto, quando Kant, aprofundar a discussão na FMC, será apresentado a real razão pela qual o pior vilão mesmo querendo ser honesto não consegue ter êxito. Tal posição mostrará o afastamento de Kant, de Rousseau, quando constrói o conceito de inclinação, que seria responsável por interferir, e dificultar o modo de agir; e indo contra a virtude da piedade como condição natural. Rousseau, diferente de Kant, apresenta uma espécie de dualidade dos detratores das virtudes que busca justificar a condição de fracasso de não conseguir ser virtuoso. Para Rousseau, a sociedade, o meio em que vive é a principal causa de afastar o homem de sua verdadeira natureza.

Essa discussão à luz da FMC, permite questionar que a partir do posicionamento de Kant, que Rousseau, está equivocado em relação a dualidade da natureza humana do bom selvagem versus a sociedade corrompida. Atribuindo a má conduta do homem não a sua natureza sensível, corrompida, com tendência para o mal, mas a sociedade. Logo para Kant, em sua filosofia moral racionalista, a exigência da razão não é corrigir essa inversão da condição humana, mas sim de estabelecer a relação conflituosa entre a lei moral versus a condição humana. A qual de um lado apresenta um ser racional, e do outro um ser sensível de inclinações. Kant, para explicar essa dualidade entre razão/lei moral versus sensível/inclinação, aborda o mundo sensível e o mundo inteligível, sendo este último a condição do imperativo categórico, da lei moral consequentemente respeitada pelo dever: Dever, é a necessidade de uma ação por respeito à lei" (GMS, 04: 400).

Por meio da dualidade do sujeito racional e sensível, e da dualidade de dois mundos sensível e inteligível, Kant explica a construção da moralidade no sujeito. O dever moral é, portanto, a sua própria vontade necessária enquanto membro de um mundo inteligível, e só é pensado por ele como dever na medida em que se considera no mesmo tempo membro do mundo sensível. A evolução, e distanciamento da moral kantiana da moral rousseriana, é fundamental. Pois, contribuirá para a evolução, e distanciamento da filosofia política de Rousseau. Sendo este um dos pontos importantes nesta discussão sobre a disputa pela herança política de kantiana, e a evolução e distanciamento de Kant, de Rousseau, e consequentemente dos seus ideais de social-democracia, para uma teoria política-jurídica onde Kant, que cruzará as fronteiras da teoria liberal para a teoria libertária em vários princípios de sua filosofia política-jurídica na Doutrina do Direito

Com o advento futuro da Doutrina do direito (1797), a mesma revelará  uma distinção do pensamento de Kant, por explorar uma forma de pensar jurídico-político em  relação a outros aspetos de seus escritos anteriores. O pensamento inicial de Kant, sobre a política como já visto, teve como base as discussões em torno da FMC e a influência de Rousseau. Nas abordagens sobre a gênese do pensamento de Kant, é identificado que havia um projeto de filosofia política com extensão de sua filosofia moral, muito influenciada por Rousseau. Quando Kant traz à luz a Doutrina do Direito, com o objetivo de desenvolver seu projeto político, Kant, apresentará uma filosofia política-jurídica que será bem recebida pela tradição liberal[12] de John Locke e Adam Smith. 

Por essa razão, encontra-se na filosofia política-jurídica de Kant uma tensão entre as tradições já citadas. No entanto, a leitura kantiana voltada para um viés social-democrata, igualitário, comunitarista, toma parte das discussões na atualidade. Essa leitura, afasta de maneira considerável Kant da tradição libertária. Desta forma, a teoria político-jurídica de Kant, caminha nessa linha tênue entre os direitos dos indivíduos e as reivindicações do coletivo. Isso reflete na divisão da Metafísica dos Costumes; (I) Doutrina do direito; (II) Doutrina da virtude. A primeira discutirá as relações externas entre os agentes, que estão sujeitos à autolegislação coletiva conforme determinado pelo contrato social. Enquanto a segunda se preocupa com os fins adotados pelas agentes individuais, que por serem internos não podem estar sujeitos aos decretos legislativos da sociedade civil, muito menos por um republicanismo social representado por uma vontade geral rousseriana.



[1] "Não precisaríamos recordar a conhecida anedota que nos conta como, em 1762, cativado pela leitura do Emílio quando esta obra havia acabado de aparecer, Kant quebrou pela primeira vez os seus hábitos de vida e, para grande assombro de seus vizinhos, renunciou à sua caminhada vespertina – para compreender o que a obra de Rousseau significou para Kant desde o primeiro momento. O que a doutrina de Rousseau continha de novo, do ponto de vista histórico, se manifesta com maior clareza no fato de que, a princípio, todos os padrões fixos de que aquela época dispunha eram insuficientes para compreendê-la. O efeito exercido por esse autor sobre os diferentes espíritos era completamente diverso e até oposto, conforme as características específicas de cada qual" (KANT, 2009, p. 377).

[2] Embora Rousseau tenha escrito essa obra como um romance, uma teoria filosófica sobre a autenticidade a permeia, à medida que ele explora a autonomia e a autenticidade como valores morais. Uma interpretação comum é que Rousseau valoriza a ética da autenticidade sobre os princípios morais racionais, pois ilustra o princípio de que se deve fazer o que lhe é imposto pela sociedade apenas na medida em que parece congruente com os seus princípios secretos e sentimentos, sendo constituinte da identidade central de uma pessoa. A Nova Heloísa antecipou para seus leitores alguns de seus princípios pedagógicos, que foram sintetizados sobretudo no Emílio, e provou que estava muito avançada no desenvolvimento de alguns princípios da teoria política no contrato social. 

[3] Numa época que segundo Cassirer: “[…] o próprio Kant começou a se firmar como grande pensador” (CASSIRER, 1948, p.109).

[4] Como cita Cassirer: “Se havia algo em que os contemporâneos de Rousseau concordavam, em seus juízos sobre ele, era no fato de verem nele um grande lutador contra a tirania da regra. Enquanto tal, ele era combatido por alguns com base na ‘razão’ popular e na moral burguesa, enquanto outros o exaltavam como um libertador. O retorno à '‘natureza’' parecia um retorno à liberdade da vida pessoal interior, à ausência de vínculos do sentimento e afeto subjetivos. Para Kant, porém, que vinha de uma influência newtoniana, o conceito de natureza tem, desde o princípio, um outro sentido. Ele vê nele a expressão da mais elevada objetividade - a expressão mesma da ordem e da legalidade. E é também neste sentido que ele interpreta a tendência fundamental do pensamento de Rousseau. Assim como Newton o fez com as regras objetivas dos astros e dos corpos do mundo, Rousseau investigou e estabeleceu a norma moral objetiva das inclinações e ações humanas” (CASSIRER, 1948, p.108).

[5]   Nas obras O contrato social (1755); e Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os homens (1762) Emílio (1762); e a Nova Heloísa (1761).

[6] Obra está que despertou duras críticas a comunidade acadêmica da época, comparada por Heine em sua obra Zur Geschichte der Religion und Philosophie in Deutschlan, (1936): “Kant escreve a CRP em num estilo como um papel embrulhado” (HEINE, 1996, p. 90). O que levou Kant além de escrever a segunda tradução, escrever os (P) Prolegômenos a toda metafísica futura que possa se apresentar como ciência (1783) uma espécie de orientação de como ler certos problemas da CRP.

[7] "Há, além disso, um outro princípio que Hobbes não percebeu é que, tendo sido dado ao homem para abrandar, em certas circunstâncias, a ferocidade de seu amor próprio, ou o desejo de conservar-se antes do nascimento desse amor, tempera o ardor que ele possui por seu bem-estar com uma repugnância inata em ver sofrer o seu semelhante. Não creio ter qualquer contradição a temer se atribui ao homem sua única virtude natural, aquela que mesmo o mais estridente detrator das virtudes humanas seria forçado a reconhecer. Refiro-me à piedade, disposição adequada a seres tão fracos, e sujeitos a tantos males, como somos nós; virtude tão mais universal, e tão mais útil ao homem, que precede nele o uso de qualquer reflexão; e tão natural que os próprios animais dela dão, por vezes, alguns sinais sensíveis" (ROUSSEAU, 2007, p.53).

[8] Posição essa que Voltaire criticou duramente:" Recebi, senhor, vosso novo livro contra o gênero humano; eu vou agradecê-lo. Agradáveis aos homens, a quem dizes suas verdades, mas não os corrigirás. É impossível pintar com cores mais fortes os horrores da sociedade humana, da qual nossa ignorância e fraqueza esperam tantos consolos. Jamais se empregou tanto espírito em querer tornar-nos animais; senti-me vontade de andar de quatro patas, quando se lê vossa obra. Entretanto, como faz mais de sessenta anos que perdi esse hábito, infelizmente sinto que me é impossível retomá-lo, e deixo esse andar natural aos que são mais dignos dele do que vós e eu" (VOLTAIRE, 2005, p. 245).

[9] “É neste contexto que Rousseau parece apresentar a Kant como um universo de novas possibilidades”.  (CASSIRER, 1948, p. 108).4

[10] Kant sabe que precisa ler Rousseau até que não me cative a beleza das expressões, e eu possa investigá-lo usando apenas a razão” (BECK, 1960, p. 28).

[11] “Não há ninguém, nem mesmo o pior facínora, contanto que de resto esteja habituado a usar da razão, que não deseje, quando se lhe apresentam exemplos de lealdade nas intenções, de perseverança na obediência a boas máximas, de compaixão e universal benevolência (e ainda por cima ligados a grandes sacrifícios de interesses e comodidades), que não deseje, digo, ter também esses bons sentimentos. Mas não pode realizar esse desejo apenas por causa das suas inclinações e impulsos, desejando, todavia, ao mesmo tempo libertar-se de tais tendências que a ele mesmo o oprimem. Por este meio prova ele, pois, que em pensamentos se transpõe, por uma vontade livre de impulsos da sensibilidade, a uma ordem de coisas totalmente diferente da dos seus apetites no campo da sensibilidade, pois daquele desejo não pode ele esperar nenhum prazer dos apetites e, portanto, nenhum estado satisfatório para qualquer das suas inclinações reais ou imaginárias (porque então a ideia, que lhe arranca esse desejo, perderia a sua excelência), mas tão-somente um maior valor íntimo da sua pessoa” (GMS, 04: 455).

[12] O conceito de liberal aqui está relacionado com a seguinte descrição: “O liberalismo clássico, também referido como liberalismo tradicional, liberalismo laissez-faire ou liberalismo de mercado, em que filosofia política e uma doutrina econômica cuja principal característica é a defesa da liberdade individual, com limitação do poder do Estado pelo império da lei [ou pela rule of law anglo-saxã], a igualdade de todos perante a lei, o direito de propriedade, e, em política econômica, prega a livre iniciativa. Como filosofia, emerge no século XIX, na Europa e nos Estados Unidos, no contexto da Revolução Industrial. Tem como fontes algumas ideias correntes no final do século XVIII sobretudo de Adam Smith, John Locke, Jean-Baptiste Say, Thomas Malthus, David Ricardo, Voltaire e Montesquieu, destacando-se a crença no livre mercado, no jusnaturalismo, no utilitarismo. Assim sendo, é a fusão do liberalismo econômico com liberalismo político do final do século XVIII e início do século XIX. O núcleo normativo do liberalismo clássico é a ideia de que a livre iniciativa conseguiria criar uma ordem espontânea, ou seja, apesar da inexistência de uma entidade coordenadora do interesse comum (como formas de governos ou estados), a interação dos indivíduos obedeceria a uma determinada ordem, espontânea orientando o indivíduo, a economia e beneficiando a sociedade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO I CAPÍTULO

 KANT, I. (FMC): Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. São Paulo, Abril Cultural, 1980.

___________Metafísica dos Costumes. Trad. Célia Aparecida Martins/ Bruno Nadai; Diego Kosbiau e Monique Hulshof; Petrópolis: Vozes, 2013.

___________A Paz Perpétua. Trad: Artur Mourão. Texto Clássicos de filosofia.

CASSIRER, E. Kant. Vida y Doctrina. México: Fondo de Cultura Economica, 1948.

VELKLEY. R, L.  Freedom and the end of reason:on the moral foundation of kant’s critical philosophy. Chicago. Ed. University of Chicago Press; First edição.  1989.

ROUSSEAU, J,J. Discourse on the Origins and Foundations of Inequality. Trans. Maurice Cornforth. Harmondsworth: Penguin, 1984.

__________The Social Contract. Trans. Maurice Cranston. Harmondworth: Penguin, 1983.

__________The Social Contract and Discourses . Ed. G. D. H. Cole. London: ,1973.

___________The Discourse on the Arts and Sciences; The Social Contract and Discourses.  London, 1973.

___________Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. São Paulo: Escala, 2007.

___________Ensaio sobre a origem da desigualdade. Trad: Lurdes S. Machado. São Paulo. Ed. Abrisl, 1978.

____________Da Economia Política. In: OBRAS de Jean Jacques Rousseau (Obras Políticas), vol. I., Rio de Janeiro; Porto Alegre; São Paulo: Editora Globo, 1958.

Kant, e um fundamento chamado liberdade



              O pensamento de Kant em sua teoria ética é orientado por meio do conceito basilar da autonomia da vontade como o princípio supremo da moralidade: “Autonomia da vontade é aquela sua propriedade graças à qual é para si mesma a sua lei (Independentemente da natureza dos objetos do querer). O princípio da autonomia é portanto: não escolher senão de modo a que as máximas da escolha estejam incluídas simuladamente, no querer mesmo, como a lei universal” (KANT, 1980, p.144).  De acordo com Kant o sujeito se torna autônomo quando o mesmo compreende a necessidade de suas ações estarem em consonância com o imperativo categórico. Princípio que se coloca como um crivo que testa as ações, ou seja; um tribunal que julga se as ações realizadas são consistentes com a lei moral universal: “O imperativo categórico não se relaciona com a matéria da ação, isto é, com seu conteúdo, mas com a forma, com o princípio que fundamenta a vontade, e, por isso, este imperativo também pode ser denominado de o verdadeiro mandamento da moralidade” (KANT, 1980, p.126).

                Se a lei da moralidade existe de modo a priori, e se o mandamento nada mais é que a lei, podemos concluir que se um tal imperativo categórico de fato existe, sua forma não pode ser outra senão a seguinte: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (KANT, 1980, p.124). Em sentido kantiano, o indivíduo que faz uso de máximas que são contrárias a lei universal não é livre.  Em sua fundamentação Kant   apresenta a diferença entre dois tipos de liberdade em relação à vontade. Kant apresenta os conceitos de Willkür e Wille.  No entanto, segundo Allison, as utilizações de dois termos distintos são para caracterizar as funções de uma única faculdade:

 

Kant usa os termos Wille e Willkür para caracterizar respectivamente as funções legislativas e executivas de uma unificada faculdade de desejar, à qual ele, do mesmo modo, se refere como Wille. Portanto, Wille tem um significado amplo, no qual conota a faculdade de desejar ou a vontade como um todo, e um sentido restrito, em que há a conotação de uma função dessa faculdade[1]. (ALLISON, 1995, p.129)

 

               O conceito de Willkür é usado para descrever um indivíduo cuja ação é pautada na liberdade de escolha que se refere a um indivíduo que é portador de uma independência de ser determinado por uns impulsos sensíveis. Enquanto o conceito Wille é o conceito positivo de liberdade, ou seja; a capacidade pura da razão de ser por si só prática” (KANT, 2013, p. 174)[2]. Usemos o exemplo de Kant sobre ação de mentir, uma ação a qual tudo indica que Kant sempre a considera errada como exposto na obra Sobre um suposto Direito de Mentir por amor à Humanidade (1797). Com isso, a mentira quando testada pelo imperativo categórico viola a lei moral universal, pois contém uma contradição. Neste caso, o indivíduo ao mentir abre uma brecha subjetiva na lei moral. O que determina que a ação de mentir é errado, não é por que indivíduo não possa conceber um mundo em que esse princípio possa ser universalizado; é errado por que a universalização da ação de mentir além de ser autodestrutivo, é um comportamento inconsistente com a razão. E se o indivíduo agir dessa maneira, sua ação implica em um desprezo para com sua dignidade como um ser racional. Podemos colocar a mentira no contexto de Willkür, embora aquele que mente possa ter a liberdade de agir como achar melhor, e com isso age a partir de um princípio que não é racional.

             Partindo deste pensamento, podemos dizer que aquele que tem o livre arbítrio Willkür, pode agir por máximas. Mas ele não tem total liberdade no sentido de Wille, pelo fato de não ter a “capacidade pura da razão de ser por si só prática”.  O que podemos ver até aqui, é que a autonomia está relacionada com a capacidade que o indivíduo tem de participar do processo de deliberação, e assim agir de acordo com as máximas as quais não são contraditórias com a lei universal. Muitas vezes existem circunstâncias que estão fora do controle, e desempenham um papel significativo na determinação se é possível agir de forma autônoma na prática. Pensemos em um indivíduo, o qual vive em uma situação em que constantemente teme a morte súbita e violenta. Parece improvável que um indivíduo cuja sobrevivência seja ameaçada constantemente, seja capaz de agir pela razão, e não por instintos básicos em resposta a pressões externas.

             Sobre essa questão citada acima de uma situação de sobrevivência e ameaça constantemente, pensemos em uma seguinte situação para indivíduos que estão dentro do estado de natureza. Imaginemos que um indivíduo como diz Rousseau, cercou um pedaço de terra, e disse, isto é, meu, e começou a cultivar, plantar e colher. Um outro indivíduo viola este espaço, e subtrai parte da colheita do trabalho alheio. Como resolver tal questão? Sem a existência de um tribunal, a restituição dos bens pode entrar pelo caminho do poder, ou da força do mais forte, e impor uma posição que inibe e inviabiliza a parte mais fraca, e sujeitando ao indivíduo mais fraco ao mais forte. E essa forma de resolver os conflitos através do princípio do poder, pode fazer o certo ser errado”. (KANT, 2008, p. 36). A forma de resolver isso, é entrar em uma condição de autoridade que dá leis publicamente, e assegura o que é de cada um. (KANT, 2008, p. 07). Ou seja; a saída do Estado de natureza para a sociedade civil é a solução do conflito. No entanto, esta sociedade civil não cria direito, mas apenas cria leis que garante estes direitos. Pois, o direito já existe, o que não existe é o direito de fazer valer estes direitos, desta forma constitui o estado civil, em que simplesmente existem leis “para determinar para cada um o que é terra minha ou sua” (KANT, 2008, p. 07).

                Diante disso, temos algumas considerações. Primeiramente os indivíduos têm obrigações moral de agir autonomamente; segundo essa ação autônoma só é possível na pratica se a vida, saúde, segurança, liberdade e os bens do indivíduo forem garantidos; em terceiro o único mecanismo pelo qual se pode realizar essa segurança é a sociedade civil. De acordo com Kant a passagem para a sociedade civil é uma obrigação moral, e distingue sua posição de Thomas Hobbes, que argumenta que a razão pela qual um indivíduo deve deixar o estado de natureza e entrar na sociedade civil, é apenas o desejo do indivíduo de preservar sua vida.


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ALLISON, Henry. Kant’s Theory of Freedom. New York: Cambridge University Press, 1990.

FRIEDMAN, Milton. Capitalism and Freedom. Chicago: University of Chicago Press.1962.

KANT, I. (FMC): Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. São Paulo, Abril Cultural, 1980.

KANT, I. Metafísica dos Costumes. Trad. Célia Aparecida Martins/ Bruno Nadai; Diego Kosbiau e Monique Hulshof. Petrópolis: Vozes, 2013.

KANT, I.  Doutrina do direito. Tradução Edson Bini, 3. Ed. Edipro. São Paulo. 2005.

KANT, Immanuel. A Paz Perpetua. Trad: Artur Mourão. Covilhã. Texto Clássicos de filosofia. Universidade da Beira Interior. 2008.

KANT, Immanuel. The Metaphysics of Morals. In The Cambridge Edition of the Works of Immanuel Kant. Cambridge University,1999.

ROUSSEAU, J.J. Do contrato Social. Trad: Lourdes dos Santos Machado. São Paulo.Abaril Cultura. 1978.


 

 



[1] “Kant uses the terms Wille and Willkür to characterize respectively the legislative and executive functions of a unified faculty of volition, which he likewise refers to as Wille. Accordingly, Wille has both a broad sense in which it connotes the faculty of volition or will as a whole and a narrow sense in which it connotes one function of that faculty”. (Tradução nossa).

[2] “Pode-se também muito bem dizer: o ser humano está obrigado à virtude (como uma firmeza moral). Pois, embora a faculdade (facultas) da superação de todos os impulsos sensíveis contrapostos possa e tenha, graças à sua liberdade, de ser absolutamente pressuposta, essa faculdade, como firmeza (robur), é então algo que tem de ser adquirido, ao se elevar o móbil moral (a representação da lei) por meio da consideração (contemplatione) da dignidade da lei pura da razão em nós, ao mesmo tempo, porém, também por meio do exercício (exercitio)” (KANT, 2013, p. 174).