Os lucros da (ir)racionalidade: uma refexão sobre a importância da proteção do consumidor na atual sociedade de consumo
Devo, de em diante, externar algumas reflexões– e notem-se: na condição de estudante a respeito da importância da proteção do consumidor na sociedade globalizada de consumo na qual vivemos. Esse é o foco e meu objetivo único. Considerando que a sociedade de consumo pode ser vista de vários pontos, econômico, filosófico, psicológico, sociológico, político, ético, jurídico, notei que a literatura pertinente trata normalmente das várias faces ao mesmo tempo. Para hoje, além de recolher alguns subsídios nessa literatura, obtive outros – talvez mais relevantes – a partir do diálogo com pessoas do meu convívio, é o caso do genial professor Lucas Saran, aqui presente, do colega Bruno Costa e mesmo do meu querido compadre-irmão Vinícios Cangussu. A partir desses diálogos, quase como que numa maiêutica socrática, extraímos de nós mesmos várias ponderações da sociedade de consumo, porque, afinal, fazemos parte dela.
Gente... pode acontecer de alguém se sentir desconfortável em razão do que vou falar, mas não pensem vocês que eu também não me senti da mesma forma incomodado quando preparei o que hoje vou lhes dizer. Sou também um consumidor tal como qualquer um aqui, aprendi a gostar de sê-lo, e a não saber ser outra coisa, senão um bom consumidor.
2 Que significa dizer que vivemos numa sociedade de consumo?
Pois bem, que significa dizer que vivemos numa sociedade de consumo? Para responder a essa pergunta, precisamos lembrar da noção de INDÚSTRIA CULTURAL. Quem primeiro lançou-lhe as bases foram Adorno e Horkheimer na obra Dialética do Esclarecimento, obra na qual pela primeira vez empregou-se a expressão “indústria cultural”. Grosso modo, se a indústria é a conjugação do trabalho e do capital para transformar a matéria prima em bens de produção e consumo, então a indústria cultural caracteriza-se, por sua vez, pela produção de bens culturais, disseminados através dos meios de comunicação de massa (mídia), que impõem formas homogêneas de comportamento e consumo.
A sociedade de consumo teve seu marco inicial com a Revolução Industrial no final do século XVIII. Adorno e Horkheimer consideram a indústria cultural um estágio da cultura contemporânea que confere a tudo “um ar de semelhança” (ADORNO, p.1). Estamos, pois, que as necessidades passam a ser padronizadas na indústria cultural. Não há espaço para o personalíssimo. Também os produtos – à semelhança das necessidades e dos próprios consumidores – são padronizados. Os sistemas de produção, consumo e publicidade tornaram-se tão homogêneos, que virtualmente toda mercadoria apenas reafirma, com alguma variação, o poder de uns poucos princípios de sua efetividade. Gostaria de lembrar a letra de uma das músicas do grupo Engenheiros do Hawaii, de composição de Humberto Gessinger e Paulinho Galvão, chamada Fusão a Frio: ninguém sabe como serão os filhos desse casamento indústria da informação + indústria do entretenimento promessas de fusão à frio(sic), desvio de comportamento
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promessas de fusão à frio, diversão e conhecimento
a única escolha que temos é a forma de pagamento
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De fato, o capitalismo de consumo impôs: “[...]educar as massas na cultura do consumo, criando nelas o desejo de melhores coisas, mesmo quando elas não queriam ou não podiam mais comprar...”(Marcondes Filho, apud Severiano, 2001). Hoje em dia, diz o sociólogo polonês Bauman: A maneira como a sociedade atual molda seus membros é ditada, primeiro e acima de tudo, pelo dever de desempenhar o papel de consumidor. A norma que nossa sociedade coloca para seus membros é a da capacidade e vontade de desempenhar esse papel (p. 87-88).
Ao não comprar, descumpre-se aquele dever de consumo imposto aos participantes desta sociedade. Lembremos o que reiterou o Presidente Lula na última crise internacional: Lula volta a incentivar população a não parar de consumir .Segundo ele, paralisia do mercado interno pode gerar desemprego. Presidente afirmou que programas sociais não sofrerão cortes. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a incentivar nesta terça-feira (25) as pessoas a continuar consumindo bens e serviços apesar da crise. Segundo ele, se o trabalhador deixar de fazer compras, corre o risco de perder o emprego em razão da diminuição da atividade econômica.
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Segundo ele, o país entrou numa fase de crescimento que não pode ser abandonada e, por isso, a manutenção do consumo interno é fundamental..
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Segundo o presidente, isso afeta o mercado. "O trabalhador pensa assim: 'Eu não vou fazer a compra da minha televisão, da minha geladeira, do meu carro(...)porque eu tenho medo de perder o emprego'. Ele corre o risco de perder o emprego se não comprar, porque daí o comércio não encomenda para a indústria que não produz e aí não tem emprego”, argumentou o presidente.
(G1, Notícia 25/11/08 - 17h26 - Atualizado em 25/11/08 - 17h34 Disponível em http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MRP875484-9356,00.html)
A crescente globalização das sociedades contemporâneas acelera a proliferação de todos os tipos de produtos no mercado, advindos de todas as partes do mundo. E, pois, vivemos hoje, portanto, em uma forma social na qual o consumo tornou-se o ato social por excelência. É a “sociedade do goza”, que leva cada um ao prazer de um consumo ilimitado, conforme nos diz um interessante artigo cujo título é “O TRABALHO DA ILUSÃO: PRODUÇÃO CONSUMO E SUBJETIVIDADE NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA”, da psicóloga Dra. Isleide Arruda Fontenelle da USP.
O consumo não é um ato como outro qualquer, mas princípio organizador de toda a vida social atual. Trata-se, portanto, de pensar a cultura contemporânea como uma cultura orientada para o consumo. A Jurisprudência não olvidou da importância do crédito numa sociedade de consumo:
(...)Em uma sociedade de consumo massificada como a nossa [UMA DAS PREMISSAS!], a inscrição em órgãos restritivos de crédito, tornada pública, é suficiente para gerar uma série de transtornos e constrangimentos, fato perceptível pela experiência comum. (AC 200372050001846, VÂNIA HACK DE ALMEIDA, TRF4 - TERCEIRA TURMA, 29/03/2006)
O consumo, segundo a lógica capitalista, deveria responder sempre a uma necessidade, gerando procura (demanda) e determinando a partir daí o valor as coisas. Não é o que ocorre hoje em dia. Hoje compramos por dever e por compulsão. A compulsão está presente sempre que uma ação, pensamento ou uma seqüência complexa de comportamentos, quando não realizados, acarreta um aumento da angústia.
Essa ação, pensamento ou seqüência complexa de comportamentos na sociedade de consumo é o desejo socialmente expandido da aquisição “do supérfluo”, do excedente, do luxo. Esse desejo é constante e insaciável, uma necessidade preliminarmente satisfeita gera quase automaticamente outra necessidade, num ciclo que não se esgota, num continuum onde o final do ato consumista é o próprio desejo de consumo, como bem averbou o sociólogo Professor da Universidade Federal de Campina Grande Anderson Moebus Retondar em excelente artigo denominado “A (re)construção do indivíduo: a sociedade de consumo como ‘contexto social’ de produção de subjetividades”.
No consumo é que se busca a resolução (ou melhor a fuga) de nossos rotineiros problemas: o tédio, a inveja, a competição, a depressão, a solidão e outros tantos. O “remédio” do nosso século tem sido o consumo. O consumo não mais está ligado propriamente a uma necessidade, hoje em dia está ligado a emoções. Porém, o consumo, quando associado ao prazer, deixa um vazio sentimental, uma sensação de insatisfação. Liga-se, ainda, à imagem que fazemos de nós mesmos. Quanto maior for a posse de bens de um indivíduo, maior será seu prestígio social. O indivíduo, inclusive, expressa a si mesmo através de suas posses (BAUMAN et al., 2001).
Certa vez, determinado amigo reclamava das dificuldades financeiras a que passava. Conversa vai, conversa vem, reclama daqui, reclama dali, percebi que ele havia comprado uma moto nova. Perguntei o valor que havia “pago”, disse-me então o valor, o qual não me lembro bem, mas girava em torno de R$65.000,00, creio que é um valor razoável para a moto que vi. Dito o valor, logo ele me justificou: “Financiei 100%. É a única forma de ajuntar algum patrimônio. Eu pago as prestações e, se não agüentar, vendo depois e fico com o dinheiro”. Vejam vocês: não sei se ficou claro, mas, nos primórdios do capitalismo, a forma mais racional de acumular patrimônio era economizando, isto é, não gastando; agora, na sociedade de consumo, você gasta para economizar! A racionalidade se subverteu (daí parte do título: “Os lucros da (ir)racionalidade”).
Uma das mais conhecidas compulsões é a compulsividade alimentar.
Cabe aqui relembrar o filme documentário do diretor americano Morgan Spurlock, divulgado em 2004, “Super size me”. Nesse filme, em linhas gerais, Spurlock propõe-se a fazer uma dieta a base de três refeições diárias dos produtos da rede McDonald´s durante um mês. Ao final, a conclusão é óbvia: AS GRANDES CORPORAÇÕES NÃO SÃO FIÉIS AO CONSUMIDOR, MAS AOS SEUS ACIONISTAS. CLARO! Sobre o problema da compulsão alimentícia o filme chama atenção para um paradoxo. Se socialmente é tolerável uma dura crítica a um fumante, como “Você não vê como é ridículo acabar com sua saúde fumando esse cigarro?”, então por que não é uma crítica análoga contra compulsivos alimentares: “Você não vê como é ridículo acabar com sua saúde comendo esse big-mac?”. Poderíamos ainda estender o paradoxo para, vendo alguém no Catuaí fazendo compulsivamente compras, dizer-lhe: “Você não vê como é ridículo acabar com sua saúde financeira comprando tanta coisa que nem será usada?”
O ponto comum entre a indústria de cigarros, bebidas, alimentos ou de qualquer outra coisa é que eles podem contar com a indústria cultural para imprimir comportamentos, gostos, hábitos e até valores sociais para estimular o quanto mais possível o consumo desses produtos, independente da saúde física, psíquica ou financeira do consumidor. Mas não é só. Ainda há mais: O CONSUMISMO INFANTIL Numa sociedade de consumo, crianças e adolescentes são vistos como potenciais consumidores, transformando-se numa fatia de mercado que envolve bilhões de reais. Algumas estratégias de marketing são comumente utilizadas:
a)associar o consumo ao divertimento.
O McDonalds, por exemplo, oferece, no consumo do Mc lanche feliz brindes colecionáveis. Outro exemplo Kinder Ovo. No filme “Super size me” são expostos os “Playground” para as crianças exatamente como há no nosso McDonald’s de Londrina na Av. Tiradentes.
b) estratégias com as embalagens e suas cores:
A maior parte dos produtos destinados às crianças estampa personagens da indústria do entretenimento, sejam produtos de higiene, como pasta de dente ou xampu, sejam peças do vestuário, seja o material escolar, sejam estampas de alimentos (ou mesmo um desenho da Disney impresso em um biscoito). Contando com a imaginação das crianças e o mundo de fantasias, próprio da idade, as propagandas associam certas marcas de produtos a determinadas qualidades: coragem, força, poder e status social.
3 A necessária proteção do consumidor
Daí porque a proteção do consumidor foi erigida como direito fundamental do homem. A despeito de ninguém acreditar hoje em dia ser o consumidor totalmente livre para decidir soberanamente sobre o que comprar ou não comprar em virtude dos influxos do marketing, da publicidade, da moda, dos métodos agressivos e sentimentais à disposição dos fornecedores numa sociedade de consumo, é preciso que o Estado garanta ao cidadão a idéia de que ele não é um ser passivo, mas sim suficientemente ativo para determinar na medida do possível aquilo que ele realmente quer. Eis porque contamos com a proteção do consumidor desde o altiplano das normas constitucionais.
Nossa belíssima Constituição, a conhecida Constituição Cidadã de 1988, garante proteção ao homem indivíduo – direitos individuais – 5º; ao homem social – direitos sociais – 6º - 193 e ss; ao homem nacional – direito à nacionalidade – 12 e ao homem cidadão –direitos políticos –14, reservando ao homem enquanto participante de uma coletividade, os direitos coletivos – 5º, a proteção dos direitos do homem enquanto consumidor 5º, XXXII e 170, V. Diz o Texto Maior:
Art.5º: XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V - defesa do consumidor.
A proteção do consumidor, a partir do reconhecimento de sua vulnerabilidade frente o fornecedor, é uma necessidade dado o poderio da sociedade de consumo em que vivemos. Na visão dos autores do anteprojeto do CDC, “Almeja-se uma proteção integral, sistemática e dinâmica. E tal requer o regramento de todos os aspectos da relação de consumo, sejam aqueles pertinentes aos próprios produtos e serviços, sejam outros que se manifestam como verdadeiros instrumentos fundamentais para a produção e circulação destes mesmos bens: o crédito e o marketing” (Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelo autores do anteprojeto. 8ªed. São Paulo: Forense, 2005, p.7).
3.1 EXECUTIVO: PODER DE POLÍCIA – IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO DO PROCON
Não sei se consegui atingi-lo, mas o objetivo final da minha fala foi modesto e um só: apenas e tão somente deixar dentro de vocês, bem marcada, a razão pela qual é, hoje em dia, tão importante e imprescindível uma eficaz proteção do consumidor, mais nada além disso. Vamos sair hoje daqui e continuar consumindo como fazemos diuturnamente todos os dias da nossa existência. E viva o consumo! Obrigado!
Autor: Comunicação realizada por Rogério na Unifil.