“Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria mais tolo ainda do que tenho sido; na verdade, bem poucas pessoas levariam a sério. Seria menos higiênico. Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios. Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos imaginários. Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da vida. Claro que tive momentos de alegria. Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos. Porque, se não sabem, disso é feito a vida: só de momentos – não percas o agora. Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas; se voltasse a viver, viajaria mais leve. Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono. Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente. Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo”.
Este é um poema da escritora americana Nadine Stair, falsamente atribuído a Jorge Luiz Borges, escritor Argentino. Mas isso não é um problema, o mais importante é que ele é uma promessa de felicidade, nos faz refletir sobre nossas vidas. O poema retrata os arrependimentos de quem está à beira da morte. Trata do mesmo assunto do livro, “The top five regrets of the dying” (Os cinco maiores arrependimentos de pacientes terminais). A autora Bronnie Ware é uma enfermeira australiana que, depois de muitos anos de trabalho com doentes terminais, relatou em seu livro quais são os cinco maiores arrependimentos que os seres humanos têm antes de morrer. Gostaria de fazer uma breve reflexão sobre esses arrependimentos, procurando entender as razões que levam os homens a se autoenganarem em busca da felicidade.
O primeiro arrependimento dos doentes terminais é “não terem tido a coragem de viver a vida que quiseram, mas sim a vida que os outros esperavam deles”. Na grande parte de suas vidas os homens vivem de forma irrefletida, são incapazes de viver uma vida autêntica, segundo suas escolhas. Aceitam sua existência como uma imposição do destino. Não vislumbram uma vida diferente dá que levaram. Vivem conforme os preceitos e os valores de sua sociedade. Ter uma profissão, casar, ter filhos, vencer na vida e na profissão, ganhar dinheiro e prestígio são as ilusões que os motivam. Quando se dão conta que perderam as energias e estão próximos da morte, começam a refletir sobre suas escolhas. Percebem que grande parte de seus sonhos e desejos não foram realizados, e culpam a si mesmos por causa das decisões que tomaram ou deixaram de tomar. Schopenhauer compreendeu muito bem esse estado de inconsciência. Segundo o filósofo, “assim como um regato corre sem ímpetos, enquanto não encontra obstáculos, do mesmo modo na natureza humana (…) a vida corre inconsciente e descuidosa, quando coisa alguma se lhe opõe à vontade. (…) Tudo o que se ergue em frente da nossa vontade, tudo o que a contraria ou lhe resiste, isto é, tudo que há de desagradável e de doloroso, sentimo-lo ato contínuo e muito nitidamente. Não atentamos na saúde geral do nosso corpo, mas notamos o ponto ligeiro onde o sapato nos molesta” (Schopenhauer, D.M.). É somente na doença que os indivíduos prestam atenção à vida. Quando tudo vai bem não percebem a existência passar. Quando estão ativos e com saúde não refletem sobre as suas vidas, sobre o sentido e significado que ela tem para eles. Só a percebem quando estão gravemente doentes ou correm risco de vida. “Enquanto possuímos saúde, juventude e liberdade não temos consciência deles, e só os apreciamos depois de havermos perdido” (idem, Ibidem).
Além de perceberem que viveram de forma inconsciente, ao refletirem sobre suas vidas, os doentes terminais também perceberam que sempre estiveram preocupados com a opinião alheia, sendo guiados por toda forma de preconceito. Viveram conforme os outros desejavam e não como deveriam viver. Foram autosugestionados. Foram incapazes de refletirem sobre suas ações e seus verdadeiros desejos. Ficaram com medo de magoar ou medo de expor seus sentimentos. Por causa disso, tiveram sua interioridade dividida, uma vez que desejavam levar uma vida diferente dá que levaram, mas foram covardes em não realizarem seus desejos mais íntimos. Viveram num eterno dilema interior, numa eterna angústia. O que lhes faltava era reflexão e coragem. Foram incapazes de se autoexaminarem e se decidirem com autodeterminação. A falta de sentido de suas vidas provém da incapacidade de se autoconhecerem e de agirem como seres pensantes e autônomos. Ao não perscrutarem e analisarem sua existência e seu mundo interior tornaram-se incapazes de dirigirem suas próprias vidas.
O segundo arrependimento descrito pelos doentes é “terem trabalhado muito durante a vida”. Gostariam de ter curtido mais os filhos e o casamento. A grande parte da existência dos homens é vivida no trabalho. Parece um destino inexorável. Hoje com progresso técnico e científico já não é mais necessário que se trabalhe tanto, mas isso não é levado a sério. O que podemos observar é que os homens trabalham tanto como na época da revolução industrial. A busca desenfreada pelo dinheiro, o consumismo exacerbado, a busca da diferenciação simbólica têm incentivado os indivíduos trabalharem cada vez mais. No trabalho os homens perdem uma grande parte de sua existência, se alienam de suas vidas e de si mesmos, assim como perdem a noção da representação do tempo. O trabalho ocupa a maior parte da vida dos indivíduos. Os antigos gregos se referiam ao tempo de duas formas: o tempo cronológico, quantitativo, sequencial, existencial, eles chamavam Khronos (o tempo dos homens). Já o tempo eterno, qualitativo, de algo especial, do momento oportuno, do instante singular, eles denominavam Kairós (o tempo dos deuses). O tempo cronológico, do trabalho, da labuta, tornou-se parte do ser humano. Isso significa que o tempo do Khronos foi interiorizado de tal modo que se tornou uma dimensão da natureza humana. O tempo de trabalho foi supervalorizado, já o tempo dos momentos especiais perdeu valor. O homem moderno praticamente abandonou o tempo de Kairos. O tempo de Kairós são os momentos que brincamos com nossos filhos, que estamos com os amigos, que lemos, refletimos, contemplamos a natureza ou que fazemos algo que gostamos. São esses momentos especiais que ficam eternizados em nossa memória. São esses momentos que desvalorizamos por causa do trabalho.
O terceiro arrependimento dos doentes terminais foi “não terem tido a coragem de expressarem seus sentimentos” A enfermeira Bronnie Ware relatou em seu livro que muitas pessoas suprimiram seus sentimentos para ficar em paz com os outros. Como resultado, se acomodaram em uma existência medíocre e nunca se tornaram quem eles realmente eram capazes de ser. Muitos desenvolveram doenças relacionadas à amargura e ressentimento que carregavam. Segundo o filósofo alemão Nietzsche, o ressentimento é característico de homens sem forças para reagir diante dos problemas e dos imprevistos da vida e que não conseguem digerir sentimentos nocivos produzidos por sua incapacidade de reação. São homens incapazes de vingança das ofensas recebidas, que remoem dentro de si impressões negativas. O grande conselho do filósofo é não calar. Responder as ofensas, expressar os sentimentos, afirmar a vontade, encarar a vida com toda sua fealdade é um grande sinal de saúde. “Aos que silenciam falta-lhes quase sempre finura e cortesia do coração; silenciar é uma objeção, engolir as coisas produz necessariamente mau caráter – estraga inclusive o estômago. Todos os calados são dispépticos” (Nietzsche, 2008, p.27).
O quarto maior arrependimento é “não terem ficado mais em contato com os amigos como gostariam”. Segundo a enfermeira Bronnie Ware, muitas vezes os pacientes não compreendem verdadeiramente os benefícios dos velhos amigos até estarem no leito de morte. Eles estavam tão envolvidos com suas vidas que deixaram para trás muitas amizades valiosas. Arrependeram-se de não terem dedicado tempo e esforços aos amigos. É somente no final da vida que percebem que tudo o que resta é o amor e os relacionamentos, diz ela. Todos sentem falta dos amigos na hora da morte. É natural esse sentimento, uma vez que a amizade surge de uma grande afeição, afinidade e conhecimento mútuos. A amizade produz a cumplicidade, a lealdade, o altruísmo e a benevolência. Ela deixa marcas indeléveis no espírito humano. Contudo, nos dias de hoje, os homens não se encontram mais rodeados por outros homens, mas por objetos. Afinal, vivemos na sociedade do consumo. As relações sociais já não são tanto com seus semelhantes, mas com as coisas. Os homens se dedicam com muito mais afinco ao consumo e a busca da riqueza do que com a amizade. Sócrates no século V a.C. já havia notado que a grande preocupação que motivava os homens de sua época era o corpo, a beleza e a riqueza. Isso não mudou de lá para cá. Os homens vivem em permanente catarse, estão permanentemente iludidos, sempre em busca de satisfazer algum desses desejos. Esse é um dos maiores erros na busca da felicidade.
O quinto e último arrependimento se refere propriamente à felicidade, os pacientes no leito de morte “gostariam de terem se permitido serem mais felizes”. Segundo a enfermeira Bronnie, esse arrependimento é muito comum. Muitos só percebem que a felicidade é uma escolha no final da vida. Eles ficaram presos a antigos hábitos e padrões. O conforto familiar transbordou em suas emoções, como em suas vidas. O medo de mudança fez com que fingissem para os outros e para si mesmos que estavam contentes. Mas no fundo, diz ela, queriam rir de verdade e fazer novamente coisas bobas na vida. Por isso não foram plenamente felizes. A felicidade é a satisfação de uma falta, uma carência, um desejo. Mas ela só se realiza na ação. Essa ação muitas vezes deve se fundar na superação de um conflito, de um dilema, de uma frustração, de um sofrimento. O importante é que esses obstáculos sejam superados, mesmo que seja na dor. É nessa busca reflexiva onde a ação é norteadora que renascemos e podemos nos fundar como seres plenos de alegria. “Fundar-se é escolher e construir por si próprio os princípios de sua própria existência; o ato de fundação é o ato da autonomia e vale porque é um gozo, o gozo criador da liberdade. Essa liberdade, nova e segunda em relação à liberdade confusa da espontaneidade, é a um só tempo criação e ruptura. Ela inaugura um novo desejo e regozija-se por isso mesmo de uma nova existência, em que o sujeito renasce e dá início a si mesmo” (Misahi, 1999, 46). Devemos ser, portanto, plenamente sujeitos de nossa felicidade. Não sujeitos abstratos, mas sujeitos conscientes de nossa busca rumo à satisfação plena de nossos desejos. Devemos seguir o conselho da enfermeira Bronnie, “a vida é uma escolha. É a sua vida. Escolha conscientemente, escolha sabiamente, escolha honestamente. Escolha a felicidade”.
Bibliografia
MISHAHI, Robert. A felicidade é nosso único objetivo. In: Le Nouvel Observateur, Café Philo. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p.43-47.
NIETZSCHE, Friedrich. W. Ecce Homo. Trad. Paulo César Souza. São Paulo: Companhia da Letras, 2008.