Para compreensão da constituição
do sujeito kantiano, a filosofia moral e antropológica de Kant, parte-se da
existência de uma lei objetiva como algo já dado, que Kant a chama de lei
moral. A qual todos os seres racionais sensíveis (SRS) homens chegam ao seu
conhecimento não pela experiência, mas sim pela razão, pois “para derivar as
ações da lei moral é necessário a razão” (FMC, II § 12, p. 123).
Desta
forma, ao analisar a constituição do sujeito parte-se da moral
a priori como algo já dado em uma
perspectiva ontológica do eu penso
de validade universal para
todos os seres racionais. Assim, argumentarei como diz Kant que “todos os
conceitos morais têm a sua sede e origem completamente
a priori na razão” (FMC, II §10, p.122). Uma vez que a moral deste
sujeito kantiano é extraída da razão pura, Kant na
FMC apresenta uma filosofia moral totalmente livre de
estímulos exteriores.
Assim sendo, a ação moral do
sujeito kantiano oriunda da razão a
priori apresentada por Kant na FMC
investiga a idéia da ação moral em total respeito à lei moral, e não nas ações
e condições do querer humano. Pois conforme Kant afirma “a razão por si mesma é
independente de todos os fenômenos e ordena o que deve acontecer” (FMC, II §
10). Uma vez que a razão é independente de todos os fenômenos e ordena o que
deve acontecer, podemos inferir ainda que de forma muito introdutória, que a
razão tem a capacidade de dar leis objetivas aos SRS, dando a estes condições
para realizar ações morais.
Em conformidade com o exposto
acima, a moralidade do sujeito kantiano teria sua origem naquilo que é comum a
todos os seres racionais, a saber: na lei moral, sejam eles SRS ou seres racionais
perfeitos (SRP) Deus. Para os SRP a lei moral é a expressão de seu ser. Para os
SRS esta mesma lei moral se expressa na noção de dever. Os SRS que determinam
suas ações em necessidade da noção do dever são identificados por Kant de
sujeitos autônomos, suas ações estão determinadas pelo imperativo categórico o
qual Kant identifica na FMC de
imperativo da moralidade (FMC, II § 22, p.126).
Assim
sendo, a ação moral do sujeito kantiano proposta por Kant na FMC através do imperativo categórico,
não se constitui meramente de uma conformidade com o dever. A conformidade com o dever
demonstrará apenas a legalidade da ação. Para que a ação seja moral na
perspectiva de Kant, a ação deve ser determinada pelo conceito de dever “que
contém em si o de boa vontade” (FMC, I § 8, p. 112). Desta referida proposição citada,
o que se pode inferir é que o valor moral não pode ser constatado na ação, mas
somente em seu fundamento determinante do querer.
Mas, para que o fundamento
determinante do querer determine uma vontade autônoma, a vontade não deve
provir de uma fonte externa, mas da própria razão a priori. Kant entende por a
priori um “tal conhecimento independe da experiência e mesmo de todas as
impressões dos sentidos” (CRP, 22B/22). As verdades conhecidas pela razão pura
são a priori, e, “Elas incluem as
leis lógicas e algumas outras verdades, acerca do mundo estabelecido na Critica da Razão Pura. Elas incluem
também a lei moral”(WALKER,1999 p.8).
Do aduzido, compreende-se que a
forma com a qual Kant trata a moral na FMC
deduz que uma ação moral não deve ser pressuposta como fundamento da lei
moral, mas deve ser deduzido da lei moral. Em que, o objeto da vontade deve ser
determinado pela vontade em si, antes que a vontade pelo objeto. Portanto
inferimos, ainda que de forma tímida, que a partir dos pressupostos da FMC que a existência de uma lei objetiva
como algo já dado, e a obediência a essa lei pelo dever é o fundamento da
construção do sujeito kantiano.
Uma filosofia deontológica. Ao abordar a
filosofia moral kantiana somos impelidos a concepção moral do “Dever ser”.
Segundo Kant todos os seres racionais estão sujeitos á lei universal, mas só os
seres humanos experimentam essa sujeição na forma de um imperativo. Essa forma
de sujeição é necessária porque os seres humanos possuem não só uma vontade
pura, mas também inclinações que conflitam contra ela. A tensão entre vontade
pura e motivos sensíveis que impregna o querer humano, que a relação da vontade
humana com a lei seja uma relação de dependência sob o nome de obrigação, o que
subentende uma restrição da ação. A essa restrição chama-se dever, cito Kant:
Uma ação
praticada por dever tem o seu valor moral, não no propósito que com ela se quer
atingir, mas na máxima que a determina; não depende, portanto da realidade do
objeto da ação, mas somente do princípio do querer segundo o qual a ação,
abstraindo todos os objetos da faculdade de desejar [...] por puro respeito a
lei prática, e por conseguinte a máxima que manda obedecer a essa lei, mesmo
com prejuízos de todas as minhas inclinações. (FMC, I § 15, p.114).
Nota-se que Kant
ele caminha para uma moral do rigor para discutir as ações humanas. Desta
forma, na perspectiva que abordamos o aborto em Kant é estritamente imoral, onde
o dever é o fim último da ação, destituindo toda a possibilidade de pensar uma
ação como um meio para algo (utilitaristas). Nem mesmo para a felicidade, visto
que para Kant felicidade não é um ideal da razão, mas da imaginação. O homem é
feliz quando se faz moral, mais tal ordem não segue necessariamente, pois o
homem pode ser moral e infeliz, pois o dever me faz agir mesmo com prejuízos
das minhas inclinações, “máxima que manda obedecer a essa lei, mesmo com prejuízos de
todas as minhas inclinações” (FMC, I §
15, p.114). Isso acontece, pois de
acordo com Höffe o “dever é a moralidade na forma de mandamento de um
imperativo, de forma que só faz sentido falar em dever para aqueles em que
junto com a lei moral existam impulsos e desejos concorrentes, como no caso de
seres racionais impuros” (HÖFFE. 2005, p. 193).
Sobre o termo vida em Kant
ele usa o termo Gumüt do alemão que
tem dois significado. Primeiro Gumüt esta ligado ao termo indole e indole significa
propensão natural, tendencia especial.
Por isso, que Kant no
primeiro § da Crítica
da Faculdade do Juízo diz que a
vida é
“produto da lei da natureza”. Ou
seja; a vida não é ação provocada pelo homem ela segue uma determinação da
natureza, não cabendo interferencia humana. O segundo significado de vida
através do termo Gumüt significa
ânimo que corresponde a energia vital, para toda a realização do sujeito enquanto ser
racional.
1.2.3 O conceito
de vida humana
Sentido psicologico:
Consite em uma complexa relação entre corpo, o mundo exteriror e o Gumüt
(ânimo); onde os sentimentos de vida,
possuindo pelo sujeito o leva a um
estado de prazer ou desprazer.
Sentido biológico: O
que constitui uma vida humana
seria as composições da estrutura
humana que pode ser determinado cientificamente,
mediante um exame da natureza dos cromossomos das células dos organismo vivos.
É complicado
querer falar de ontologia em Kant. Para tentar responder tal questão, é preciso
estabelecer o quê estamos entendendo por ontologia aqui. Na verdade, adoto uma
visão bem tradicional: “ontós” o ser (por definição o ser é aquilo que é) e
“logos” o estudo. Logo, ontologia seria fundamentalmente o estudo do ser, o
estudo daquilo que numa realidade última é absoluta. Desta forma, a ontologia
tradicional procura estabelecer a identificação de qualidade e propriedades do
ser.Torna-se complicado falar de ontologia em Kant, visto que na (CPR) no
capítulo Analítica Transcendental,
Kant refere-se explicitamente a substituição da orgulhosa ontologia da escola
wolffiana, que tinha pretensão de oferecer em forma de doutrina sistemática um
conhecimento sintético a priori das coisas em si. Ou seja, na analítica
transcendental, o que Kant estabelece é a impossibilidade de conhecer as coisas em si, ou seja, a impossibilidade
da ontologia como estudo e demarcação do ser, e da sua incapacidade de orientar
nossas ações.
Assim, Kant
abandona a ontologia tradicional, e na Analítica Transcendental Kant estabelece
a “mera analítica do entendimento”, com isso, Kant quer dizer que os princípios
da analítica transcendental são “meramente regras para exposição de
aparências”, e não se ocupa da compreensão das coisas em si, como é objeto da
ontologia. Mas Kant ocupa-se tão-só dos objetos da experiência, ou seja dos
fenômenos. Na obra (VPM) “Quais são os verdadeiros progressos da metafísica
desde os tempos de Leibniz e Wolff ?” a ontologia é descrita por Kant como “a
ciência que compreende um sistema de todos os conceitos e princípios do
entendimento, mas somente na medida de em que abrangem objetos dados pelos
sentidos e podem ser, portanto, justificados pela experiência (VPM. p. 260,
p53) ou que contêm “os elementos de um conhecimento humano a priori, conceitos e princípios fundamentais” (p.315, p.161).
Desta forma,
muitos estudiosos e especialistas defendem a noção que a ontologia em Kant é
uma ontologia voltada para o “eu penso”, focada na definição de uma realidade
que é necessariamente do conhecimento na medida em que abarca tudo aquilo que
existe para um sujeito, tudo aquilo que é para ele e nada mais.Com isso, Kant
abandona essa busca pela essência e de apreensão e compreensão do ser, e das coisas em si típicos da ontologia;
estabelecendo a revolução copernicana, em que o sujeito agora é o centro, onde
através das categorias e da experiências, o sujeito da sentido ao mundo. Por
isso, Kant enfatiza que o mundo não tem sentido nenhum, a não ser o sentido que
damos a ele.
Não podendo fundamentar em Kant um valor
ontológico do conceito de pessoa, pode-se conceber a idéia de uma espécie de
valor ontológico para a razão, como princípio determinante para a fixação do
conceito de pessoa. Kant enfatiza que o homem é um ser racional por natureza,
desta forma, poderia pensar essa racionalidade numa perspectiva ontológica, que
faz parte intrinsecamente da construção do sujeito kantiano, que possibilita
fixar um valor de pessoa. Por isso, que tanto a ontologia tradicional como a
filosofia kantiana, estabelece o valor para o conceito de pessoa, com uma
diferença: que na ontologia o valor da pessoa é ontológico, é um valor “em si
mesmo”, que independe daquilo que o ser humano realize, ao passo que em Kant, o
valor da pessoa esta no uso da racionalidade.
Desta
forma, o conceito de pessoa em Kant e Peter Singer se assemelha. Kant enfatiza na CRP que uma pessoa é: “o que tem consciência da identidade numérica
de si própria em tempos diferentes” (CRP. 361/B). Piter Singer: “pessoa no sentido de um ser racional e autoconsciente” (SINGER.
2002 pg. 96). Desta forma, acredito ser possível realizar essa contraposição
entre empírico-psicológico em Dworkin,
e perspectiva ontológica do “eu penso” em Kant. Do aduzido, podemos
pensar uma ontologia voltada para o “eu penso” onde Kant através da
racionalidade atribui o valor essencial do ser humano.
Kant na (CRP) define uma pessoa como “
o que tem consciência da identidade
numérica de si próprio em tempos diferentes” ( CRP. 361/B). Não o bastante
o conceito da pessoa “ é necessário e suficiente para o uso pratico” ( CRP.
365/B). A tese central da FMC órbita
em torno da liberdade instalada na subjetividade humana. Por entender todo ser
humano como um ser de liberdade, Kant o desenha como um fim em si mesmo e
prende todas as ramificações morais e filosóficas (essencialistas e
existencialistas) em um único argumento, a saber: a pessoa como um ser humano, de racionalidade e dignidade.
Impossível negá-lo, isso seria renunciar à
própria humanidade e dessignificar a própria existência significada enquanto
essencialmente humana. Pode-se afirmar que, no indivíduo o embate entre paixão
e razão, liberdade e natureza, tem como resultado característica de uma pessoa,
de um ser que é capaz de criar e se submeter às regras, que se concentra no
reconhecimento da pertença da consciência.
O feto é um ser humano? É uma pessoa
constitucional ? Tal pergunta é crucial neste tipo de debates. Partindo da
premissa que o feto é um ser humano, logo o aborto seria uma ação imoral. Tal
proposição só é suficiente para a religião, mas para um diálogo mais
aprofundado, a mesma não é suficiente, principalmente para aqueles que são a
favor de descriminar o aborto. Pois, para os tais não cabe saber se o feto é
apenas um ser humano, infere-se o questionamento se o feto é uma pessoa constitucional.
E para tal desenvolvimento reforçamos a
definição já citada de Kant sobre o conceito de pessoas. Na questão se o feto é
uma pessoa, inferimos aqui o conceito de Kant que enfatiza na (CRP) que uma pessoa
é “o que tem consciência da identidade numérica de si próprio em tempos
diferentes” ( CRP. 361/B). Diante da definição kantina reforçamos ainda com
definição de Pitter Singer:
A
palavra “pessoa” tem sua origem no termo latino que remete a uma máscara usada
por um ator no teatro clássico. Ao usarem uma mascara, os atores davam a
entender que estavam representado um papel. Com o passar do tempo, “pessoa”
passou a designar aquele que desempenha um papel na vida, alguém que é um
agente. Segundo o dicionário Oxford, um dos significados correntes do termo
[pessoa] é o de “ser autoconsciente ou racional” ( Ibid, pg 97)
Desta forma, como já citado na filosofia prática kantiana o conceito de
pessoa esta relacionada à autoconsciência e no uso racionalidade. Nesta
perspectiva, concordamos com Kant e conseqüentemente com Dworkin, que o feto não pode constituir-se como uma pessoa
institucional no sentido estrito do direito.
A partir desta
proposição de Kant e de Dworkin, infere-se que o feto não constitui uma pessoa.
Mas tal proposição levanta outra questão: A falta de consciência de si próprio,
fator determinante na constituição de uma pessoas, pode anular o predicado
“Vida” que feto carrega ? Mesmo que feto não se enquadre dentro desta concepção
de pessoa, teria a condição de descriminalizar o aborto sem implicações morais?
Kant quando usa o exemplo do suícida, ele não argumenta que o suícida não pode
se matar porque ele é uma pessoa, mas argumenta que ele não pode se matar,
porque a preservação da vida é um dever, cito Kant:
Destruir a vida [...] cujo objetivo é suscitar a sua
conservação, se contraria a si mesma [e portanto não existiria como natureza].
Por conseguinte, tal máxima não poderia de forma alguma dar-se como lei
universal da natureza, e portanto é absolutamente contrária ao princípio supremo
de todo o dever. ( FMC. II § 35. Pg 130)
Desta forma, em
uma escala de valores, perguntar-se-ia: é o conceito de pessoa que gera a vida ? não
seria ao contrário: em que, primeiro adquire a vida, para que haja na sequência
a possibilidade de constituir uma pessoa ? A vida
humana precede a constituição de pessoa? Para ser pessoa é necessário primeiro
ter vida humana. Nenhum sujeito se constitui como pessoas, sem antes não se
constituir primeiro como vida humana.
Desta forma, embora o feto não se constitua
como uma pessoa no sentido estrito do direito constitucional, isso não poderá
desconstruir a constituição do feto como portador da vida, pois os conceitos
legislativos do direito, não possuem condições de anular a estrutura biológica
do feto. Assim, apesar do feto não ser uma pessoa no sentido filosófico e
legislativo é um ser humnao.
Na questão se o feto é um ser humano, não se
encontra muito dificuldade para inferir veracidade a tal proposição, a nota a
seguir creio ser suficiente para legitimação que o feto é um ser humano. Cito
Piter Singer:
É
possível atribuir um significado preciso a “ser humano”. Podemos usar essas
palavras como sinônimo de “ membro da espécie Homo sapiens”. O fato de um indivíduo
pertencer ou não a uma determinada espécie é algo que pode ser determinado
cientificamente, mediante um exame da natureza dos cromossomos das células do
organismo vivos. Neste sentido, não há dúvida de que, desde os primeiros
momentos de sua existência, um embrião concebido do esperma e dos óvulos humanos
é um ser humano; e o mesmo pode se dizer do ser humano com as mais profundas e
irreparáveis deficiências mentais, até mesmo de um bebê que nasceu anencefálico
literalmente, sem celebro. ( SINGER. 2002, pg. 96).
Kant com a FMC preocupou-se em demonstrar como os princípios morais, ditados
pela razão, devem ser de tal modo valorizado que possam assumir o papel de leis
universais. Ao mesmo tempo, Kant valorizou a vida humana e evidenciou que o ser
humano deve ser considerado como fim sem si mesmo, e jamais como instrumento de
submissão a outrem, sob pena de seus princípios morais não servirem como leis
universais. Veja-se, a propósito, o seguinte trecho da aludida obra em que o
imperativo moral do dever também pode exprimir-se da seguinte forma: “Age como se a máxima de tua ação se devesse
tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza” (FMC, II,
130 / BA 52). Com essa proposição Kant reafirma inda mais o conceito de
dignidade, em que extrai os deveres para conosco e deveres para com os outros.
Cito
Kant:
Uma pessoa, por uma série de desgraças, chegou as
desespero e sente tédio da vida, mas está ainda bastante em posse da razão para
poder perguntar a si mesma se não será talvez contrário ao dever para consigo
mesma atentar contra a própria vida. E procura agora saber se máxima de sua
ação se poderia tornar em lei universal. A sua máxima, porém, é a seguinte: Por
amor de mim mesmo, admito como principio que, se a vida, prolongando-se, me
ameaça mais com desgraças do que me promete alegrias, devo encurtá-la. Mas
pergunta-se agora se este principio de amor de si mesmo se pode tornar El lei
universal da natureza. Vê-se então em breve que uma natureza, cuja lei fosse
destruir a vida em virtude do mesmo e, portanto existiria como natureza. Por
conseguinte aquela máxima não poderia de forma alguma dar-se como lei universal
da natureza, e, portanto é absolutamente contaria ao principio supremo de todo
dever. ( FMC, II § 35, p. 130)
Mais adiante, Kant
reafirmou a precedência do ser humano: Admitindo, porém que haja alguma coisa cuja existência em si mesma tenha um
valor absoluto e que, como fim em si mesmo, possa ser a base de leis
determinadas, nessa coisa e só nela é que estará a base de um possível imperativo
categórico, quer dizer, de uma lei prática.Ora, digo eu: - O homem, e, duma
maneira geral, todo o ser racional, existente como fim em si mesmo, não como
meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas
as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como que se dirigem a
outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente com
um fim [...] Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade,
mas da natureza, têm, contudo, se são seres irracionais, apenas um valor
relativo como meios e por isso se chamam coisas,
ao passo que os seres regionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os
distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não pode ser
empregado como simples meio e que, por conseguinte,limita nessa medida todo o
árbitro. (FMC. II § 48-49, p134/135)
Em seguida, como fim
em si mesmo, Kant assim enunciou o imperativo prático, para em seguida buscar
relacionar a idéia de lei moral universal e do ser humano através da terceira
formulação do imperativo categórico: “Age de tal maneira que tu uses a humanidade, tanto na tua pessoa como
na de qualquer outro, sempre e simultaneamente como um fim e nunca simplesmente
como meio” (FMC, II, 135 / BA 66-67). Desta forma a conservação da vida humana é
fundamental, pois o homem deve ser considerado como um fim em si mesmo:
Segundo o conceito do dever necessário para consigo
mesmo, o homem que anda pensando em se suicidar-se perguntará a si mesmo se a
sua ação pode estar de acordo com a idéia da humanidade como fim em si mesma. Se, para escapar a uma situação penosa, se
destrói a si mesmo, serve-se ele de uma pessoa como de um simples meio para conservar até ao fim da vida uma situação
tolerável. Mas o homem não é uma coisa; não é, portanto, um objeto passível de
ser utilizado como simplesmente meio,
mas, pelo contrário, deve ser considerado sempre em todas as suas ações como
fim em si mesmo. Não posso, pois, dispor do homem em minha pessoa para o
mutilar, degradar ou matar.(FMC, II § 54, p.136).
Na seqüência da formulação deste
princípio, Kant insiste na idéia de lei universal que refuta a utilização do
homem como meio para outro fim que não seja ele mesmo: Os seres racionais estão, pois, submetidos a essa lei que ordena que
cada um deles jamais se trate a si mesmo ou aos outros simplesmente
como meios, mas sempre simultaneamente como fins em si.
.(FMC, II § 63, p.139). Mais uma vez segundo Kant: “No reino dos fins, tudo tem ou um preço
ou uma dignidade. Quando uma coisa
tem preço, pode-se ser por em vez dela qualquer outra como equivalente;
mas quando uma coisa esta acima de todo o preço, e, portanto não permite
equivalência, então tem ela dignidade (FMC, II § 68, p.140). Por isso, a moralidade e a humanidade
enquanto capaz de moralidade são as únicas coisas providas de dignidade.
Em síntese na FMC Kant buscou demonstrar que a dignidade da pessoa humana adviria
da soma da autonomia do sujeito racional para a formulação de princípios morais
universais, com o fato de o ser humano não ter preço, eis que deve existir
enquanto fim em si mesmo e jamais como instrumento para a satisfação dos
interesses de outrem. Nesta perspectiva, o feto é um ser humano? É uma pessoa ?
aborto seria uma boa vontade, seria um fim em si mesmo? Seria uma máxima que
poderia ser universalizada? Seria uma ação desinteressada?.
Na filosofia moral kantiana a dignidade do
sujeito encontra-se na autoconsciência e no uso da racionalidade. A
autoconsciência e o uso da racionalidade determinam a vida humana digna do sujeito. Desta forma, infere-se
categoricamente que a dignidade do sujeito kantiano fundamenta-se literalmente
na autoconsciência e no uso de racionalidade.
Nesta perspectiva, o sujeito kantiano que não
faz uso consciente de sua racionalidade a exemplo como: feto, recém nascido e
doentes metais, não são possuem vida
humana digna. Outra vez parafraseio o que foi dito mais acima, neste caso
tal estado de não dignidade, não implica na possibilidade de retirar a vida em
nome da dignidade. Visto que, embora o sujeito não tenha uma vida humana digna, a ausência de
dignidade, não deverá anular o predicado de vida
humana, ou seja, o estado de indignidade por falta da autoconsciência e o
não uso da racionalidade, necessariamente não anula o estado de vida humana.
Se parto desta inferência de que
o feto não possui vida humana digna, e por isso posso conseqüentemente realizar
o aborto logo, infere-se que o recém nascido e os doentes metais também podem ser
executados, pois qual seria diferença de um feto e um doente metal? Ainda nesta
perspectiva, se o feto não tem dignidade, porque não tem consciência de sua
racionalidade, logo os animais também não são dignos, pois são irracionais.
Mais o feto é os animais tem uma relação e uma
diferença ao mesmo tempo. A relação está na no fato, de que o feto e animal
possuem vida. A diferença se dá em que o animal esta determinado a ser
irracional, ao passo que o feto não é irracional por tempo indeterminado, pois
é racional por natureza, e se der a esse feto condições para seguir o curso da lei natural, e na seqüência proporcionar
educação e disciplina ele [ feto] alcançará uma vida humana digna.
Desta forma, o ser humano mesmo não sendo
portador de uma vida humana digna,
não infere o direto de não viver. Pois a vida humana necessariamente não teria
um valor ontológico? Vida humana não teria um valor independente de fazer ou
deixar de fazer? A vida humana não teria um valor em si mesmo? Desta maneira,
ainda que de forma introdutória diante da proposição, de que á vida tem um
valor “em si mesmo”, infere-se, que através da lei moral que é, um dever
preservar a própria vida e a vida do outro.
Compreende-se, que nem todos os seres humanos
alcançarão autoconsciência e o uso da racionalidade, e conseqüentemente a
autonomia. Contudo possuem vida humana,
e pelo dever, que é “a necessidade de
uma ação por respeito à lei” (FMC. I § 15, pg.114) impele o sujeito agir em
favor da vida, por respeito à lei moral e não contra a vida humana.
Preservar a vida humana é uma lei moral;
porque possui necessidade e
universalidade. Ao passo que tirar a própria vida ou a vida de outro, não
implica na necessidade e muito menos em universalidade.
Do aduzido, pode-se pensar o aborto como a
possibilidade de uma ação imoral. Visto que o aborto, não constitui uma “boa
vontade”; pois a boa vontade tem um valor em si mesmo, (FMC. I § 3, pg.110)
destituída de qualquer finalidade, ao passo que o aborto, parece não ter uma
finalidade em si mesmo, uma vez que o aborto pressupõe sempre ter uma
finalidade estabelecida, seja para evitar a dor o provocar o prazer.
Mas
ambas as finalidades (para evitar a dor o provocar o prazer) busca alcançar a
felicidade, ao passo que para Kant a “felicidade não é um ideal da razão, mas
da imaginação” ( FMC. II § 25, pg.128), uma vez que na filosofia moral kantiana
por ser moral o sujeito é feliz. Mas tal ordem não se segue necessariamente,
visto que o sujeito pode ser moral e infeliz, como o exemplo do suicida
.
Desta forma, conseqüentemente o aborto não
seria uma ação por dever. Por quê?
Primeiro que o dever é uma ação em respeito à lei
moral, que obedece ao mandamento de preservar a vida.
E segundo que o dever contém em si o de
boa vontade, (FMC. I § 8, pg, 112), portanto se o aborto não sendo uma boa
vontade, logo não implica um agir por dever.
Por último, o aborto não seria um imperativo
categórico, uma vez que o imperativo categórico se constitui por: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas
ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (FMC. II § 30, pg.
129). Logo, o aborto não se constituiu um imperativo categórico, porque não
posso universalizar a máxima de uma ação contra a vida humana.
Desta forma, o aborto seria determinado pelo
imperativo hipotético o qual se pauta na heteronomia da vontade devido aos
juízos empíricos. Segundo Kant os “princípios empíricos nunca servem para sobre
eles fundar leis morais” (FMC. III § 82, pg145). Assim, o aborto na filosofia
moral kantiana a principio apresenta uma possibilidade de ser pensada como uma ação
imoral.
Bioética
é uma área que busca combinar o conhecimento biológico com o conhecimento dos
valores humanos, ou seja, é uma ponte entre: conhecimento científico e o
conhecimento humanístico. A bioética tem como objetivo indicar os limites e as
finalidades da intervenção do homem sobre a vida, identificar os valores de
referência racionalmente e denunciar os riscos das possíveis aplicações. Para o
modelo personalista o cenário cultural de nosso tempo é composto por
Individualismo:
típico da ética liberal em que resume tudo na reivindicação da liberdade. Autonomia: [não no sentido kantiano] mas
livre escolha do sujeito que não aceita nem obrigações nem limites à própria
liberdade. Vivendo um autonomia/liberdade de forma irresponsável que fere a
dignidade de si mesmo e a do outro. Hedonismo:
A supressão da dor e a extensão do prazer constituiriam o sentido do agir
moral, numa perspectiva terrena e utópica ao mesmo tempo. Utilitarismo: Faz-se uma correlação entre custos e benefícios, o
respeito e a composição dos interesses constituiriam resumidamente a finalidade
da ética pragmática de decisão. Para harmonizar as liberdades muitas vezes em
litígio entre elas faz-se necessário um pacto ético, um contrato, que se torna
o fundamento da eticidade.
Para
o método personalista todas estas posições faltam uma perspectiva metafísica
sobre o ser, falta à confiança na verdade sobre o significado profundo da
realidade e, sobretudo sobre a realidade do homem (SGRECCIA: 2000). O
Personalismo ontologicamente considera a pessoa humana em sua essência, em sua
natureza, em sua verdade, a fundamentação ética do personalismo é a pessoa
humana. A pessoa humana é unidade de espírito e corpo. A pessoa é, antes de
tudo, um corpo espiritualizado, um espírito encarnado, que vale por aquilo que
é e não somente pelas escolhas que faz. (SGRECCIA: 1988)
No
método personalista diante da vida humana assume a seguinte posição biológica.
No exato momento da fecundação (união dos gametas: óvulo + espermatozóide)
surge uma nova vida humana (embrião humano), uma que geneticamente é única
(identidade genética). A partir do momento em que o óvulo é fecundado,
inaugura-se uma nova vida que não é a do pai nem a da mãe, mas sim a de um novo
ser humano que se desenvolve por conta própria. Nunca mais se tornaria humana,
se não o fosse já desde então. Nesta perspectiva a dimensão moral implica que
cada ser humano tem uma responsabilidade a respeito da própria vida. Essa
concepção do modelo personalista permite inferir com a perspectiva kantiana.
Pois para o modelo personalista cada ser humano tem uma responsabilidade a
respeito da própria vida. Na FMC Kant
enfatiza que “Conservar cada uma a sua vida é um dever” (FMC. I § 10 pg.112).
Diante de tal questão, retomamos
alguns conceitos e definições já citados no corpo deste trabalho para a
construção de argumentos. Como já visto existe uma diferença e uma relação
entre o animal e o ser humano. A diferença é que o animal é irracional e jamais
deixara de ser, pois faz parte de sua natureza. O feto por outro lado tem vida
humana, mas não tem vida humana digna por não ser irracional. Mas o feto, ele é
um ser irracional, em uma linguagem aristotélica ele [Feto] é uma “potência” que
tem a capacidade de assumir outra forma. Para Kant, o ser humano é racional por
natureza, ou seja; a racionalidade faz parte da sua natureza.
Desta forma, diferente do animal
que nunca será racional, o ser humano tem a razão como algo que faz parte de sua
estrutura. Desta forma, se não houver intervenção pelo aborto no curso da lei
da natureza deste feto e o possibilitando nascer e oferecendo a educação e
disciplina, logo ele alcançara a vida humana digna.
Em relação ao feto anencéfalo, o
mesmo não terá condição de ter vida humana digna, e muito menos vida humana,
pois morrerá devido o feto anencéfalo vir a óbito logo depois de nascer. Sendo
assim, poderia inferi que na perspectiva kantiana a possibilidade de uma ação
abortiva do feto anencéfalo, não porque o feto não pode alcançar a vida humana
digna, mas porque o feto anencéfalo ele não tem condição de ampliar a vida.
Quando olhamos para um feto anencéfalo devemos olhar não para a vida humana e a
vida humana digna. Mas sim para a questão de que o feto não terá a condição de
desenvolver a vida. Uma vez que está comprovado cientificamente que o feto é
anencéfalo, e morrerá logo após seu nascimento, a decisão de não abortar mesmo
assim, trará implicações para dignidade da mulher.
A filosofia moral kantiana, a moralidade tem sua origem naquilo que é
comum a todos os seres racionais, sejam eles perfeitos (Deus) ou imperfeitos
(homens), a saber: a lei moral. Está posição fica clara no prefácio da obra FMC, onde Kant (FMC. I § 7, p.111)
afirma existir, “a evidência de uma idéia comum de dever e leis morais a
todos os seres racionais”, ou seja, afirma a universalidade da lei moral.
Enquanto para os seres racionais perfeitos SRP a lei moral é a expressão de seu
ser, como no caso de Deus, para seres racionais imperfeitos SRS esta
mesma lei se expressa na noção de dever-ser.
De acordo com Kant, a lei moral e tudo que se relaciona com moralidade,
nada têm haver com o empírico (experiência), pois desta forma a moralidade
ficaria restringida ao particular e com certas limitações. Kant chega a
afirmar, que uma ação moral deve ser realizada por dever “necessidade de uma
ação por respeito à lei moral” (FMC.
I §15, p.114) eliminando totalmente a influência das inclinações na
instância decisória. Para Kant, o moralmente bom é ilimitado e universal, ou
seja, independente do contexto a moralidade de uma ação, está na conformidade
do agir com a lei moral.
Segundo Delamar Dutra a lei moral é estabelecida independentemente de
todo desejo (inclinações), e, de toda matéria, ou seja, é estabelecida a partir
de sua forma, a universalidade. Sendo que para SRS, a mesma se expressa pelo
imperativo categórico: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao
mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal” (FMC. II §31,
p.129). Portanto para o SRS, o
imperativo categórico, interpretado desta forma, é o dever-ser em conformidade
a uma lei universal. Entretanto, o fundamento último da filosofia moral
kantiana encontra-se em seu princípio de autonomia, pois é na autolegislação,
na condição da possibilidade de agir moralmente, e na capacidade de
determinar-se a si mesmo, que se encontra a moralidade em sua forma pura e
universal (HOFFE. 2005,p. 216).
O princípio de autonomia kantiano, aplicado à questão do aborto, nos
conduz a um paradigma de reflexão que Segre, chama de “ética da reflexão
autônoma”. Por reflexão autônoma em Kant, entende-se uma atitude na qual um
indivíduo representa leis para si, e as obedece. Sendo que está autonomia do
sujeito, é o fundamento da filosofia moral kantiana. O tratamento filosófico
que Kant dá a questão da moralidade é relevante para o problema do aborto
essencialmente por dois motivos: Primeiro porque, com o advento da tecnologia saber
que representa poder, e modifica o que é dado, alterando o sentido da vida. Surge,
por conseguinte, uma crise (relativização) de valores sócio-religiosos, que até
então eram tidos como absolutos.
Tratar o problema do aborto a partir da filosofia moral kantiana
consiste, basicamente em ponderar se a prática aborto pode ser pensada como uma
máxima sem contradição com uma lei universal (moral), pois Kant, não é pelas
ações propriamente dita que se imputa moralmente, mais sim pelas máximas, que
levam às ações (FMC. I § 11, p.113). De acordo com Kant, o modo de testar a
possibilidade de universalização de uma máxima, é através do imperativo
categórico. Na presente reflexão, se usará o imperativo categórico na sua
primeira formulação: “Age como se a
máxima de tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da
natureza” (FMC. II § 34 p.130).
O mesmo raciocínio, também se aplica ao profissional de saúde que é
procurado para tal finalidade. A única diferença é que enquanto o indivíduo que
deseja o aborto a partir de uma máxima que não pode ser universalizada, o
profissional de saúde que aceita auxiliá-lo, a pessoa e a sociedade nesta
prática a toma na pessoa do outro, tornando também a sua máxima de ação imoral.
Está interpretação expressa acima está de acordo, com uma passagem da FMC. Cito Kant:
Segundo
o conceito de dever necessário para consigo mesmo, o homem que anda pensando em
suicidar-se perguntará a si mesmo se a sua situação pode estar de acordo com a
idéia da humanidade como fim em si mesma. Se, para escapar a uma
situação penosa, se destrói a si mesmo, serve-se ele de uma pessoa como de um simples
meio para conservar até o fim da vida situação suportável. Mas o homem não
é uma coisa; não é um objeto que pode ser utilizado simplesmente como um
meio, mas pelo contrário deve ser considerado sempre e em todas as suas ações
como um fim em si mesmo. Portanto não
posso dispor do homem na minha pessoa para o mutilar, o degradar ou o matar (FMC.
I § 9, p.112)
Portanto, quando um indivíduo obedece à lei moral que por sua vez se
expressa para os seres racionais imperfeitos através da noção de dever, decidindo
por conservar sua vida, ou a do outro ainda que esta decisão contrarie suas
inclinações (desejo), estará agindo moralmente. Destarte que somente a decisão
da vontade, que não leva em conta nenhuma inclinação (empírica), cujo móbil é
unicamente o respeito à lei moral, pode ser chamada de ação moral e autônoma,
ou seja, para Kant um indivíduo autônomo, sempre buscará a conformidade com a
lei moral. Autonomia da vontade é aquela sua propriedade graças à qual ela é
para si mesma a sua lei (independentemente da natureza dos objetos do
querer). O princípio da autonomia
é, portanto: não escolher senão de modo a que as máximas da escolha estejam
incluídas simultaneamente, no querer mesmo, como lei universal (FMC.
II § 30,p.129).
Uma vez que para Kant o princípio de autonomia é o fundamento da
moralidade, a atitude de se decidir pelo aborto, aponta para uma ação imoral,
pelo fato da mesma se constituir em uma ação heterônoma. Ao comentar, o
princípio de autonomia kantiano, Otfried Höffe (2005: 217) afirma, que “todo o
agir que é dirigido pela expectativa de prazer ou desprazer (satisfação ou
insatisfação) acede à vontade desde fora, dos sentidos, e não dá razão
(prática); é sempre empírico”, ou seja, uma ação heterônoma. De modo, que a
prática do aborto analisada a partir da perspectiva kantiana, tanto para o
indivíduo que deseja, como o profissional que auxilia e para a sociedade que
assim quer, pode ser analisada em uma perspectiva de uma prática imoral.
O primeiro direito natural de um ser é o direito viver.
Direito este que é fundamental, de caráter inviolável. Quando fala-se em
aborto, muitas vezes questiona-se se há ou não vida humana no embrião. Até hoje
nada é certo, pairando-se uma dúvida jurídico-científica. Sendo assim não pode
o Direito Penal deixar de dar tutela à vida de determinado embrião, pelo
simples fato da incerteza do mesmo possuir vida ou não. Se há certa ameaça de
violação desse direito, já que é admissível a existência da vida, visto que,
nada é certo, o Direito Penal tem que dar proteção pela simples ameaça. Logo, sendo a vida um direito
inviolável, não pode a mesma estar ameaçada de violação.
O direito à vida não permite exceções, nem privilégios,
todos são iguais, não havendo vida menos ou mais importante que outras. Tirar a
vida de um ser, pelo aborto, aponta para uma ação imoral e violação dos
direitos humanos, especialmente a vida. Bem este que é visto como cláusula
constitucional pétrea. No Código
Penal brasileiro, o crime de aborto está previsto no capítulo “Dos Crimes
contra a Vida”, sendo o foco de tutela, a vida do feto. Tem ele a objetividade
jurídica de dar proteção a dignidade relativa do feto, protegendo também a
integridade física e psicológica da gestante e conseqüentemente sua vida, no
aborto provocado por terceiros. Neste
caso o aborto é um crime que pode ser cometido de forma livre, isto é,
podendo ser realizado com qualquer comportamento ou ato, chegando a um fim, um
determinado resultado.
Os processos utilizados podem ser químicos, orgânicos,
físicos ou psíquicos. São substancias que provocam a intoxicação do organismo
da gestante e o conseqüente aborto o fósforo, o chumbo, o mercúrio, o arsênico
(químicos), e a quinina, a estricnina, o ópio a beladona etc. (orgânicos). Os
meios físicos são os mecânicos (traumatismo do ovo com punção, dilatação do
colo do útero, curetagem do útero, microcesária), térmicos (bolsas de água
quente, escalda-pés etc.) ou elétricos (choque elétrico por maquina estática).
Os meios psíquicos ou morais são que agem sobre o psiquismo da mulher
(sugestões, susto, terror, choque moral etc.).
É lícito verberar que, conforme dito antes, as condutas
tomadas devem ser eficazes de chegar a um resultado, ou seja, o meio tem que
ser eficaz de produzir um resultado Dúvida
há quanto ao sujeito passivo do crime de aborto. Parte da doutrina, como
Damásio de Jesus, considera o sujeito o feto, porém caso haja aborto sem o
consentimento da genitora, haverá sim dupla objetividade jurídica, protegendo
tanto a vida da mãe quanto a vida do feto. Para outros autores como Mirabete, o
sujeito passivo seria o Estado, pois este teria interesse na vida do nascituro,
e não o feto, produto da concepção, já que este não é titular de bens
jurídicos, embora a lei civil resguarde os direitos do nascituro. O primeiro
pensamento deve ser analisado cautelosamente, visto que ao analisar a
Constituição Federal, esta garante ao brasileiro o direito a vida a partir do
nascimento e não da concepção. Além do mais, a proteção dos direitos do
nascituro está fixados no âmbito do Direito Civil, referindo-se apenas às
questões patrimoniais.
O Direito Penal brasileiro pune de forma severa aqueles que
praticam o delito do aborto. Não podia ser diferente, já que este trata do bem
maior, que é a vida, inviolável conforme visto anteriormente. Não importa se é
intra-uterina ou extra-uterina, se durará 10 dias ou 10 anos, o importante é
que há uma vida, que deve ser seguida dignamente, enquanto dure nos ditames
naturais.
Com já enfatizado, preservar a vida humana é uma lei
moral; porque possui necessidade e
universalidade. Ao passo que tirar a própria vida ou a vida de outro, não
implica na necessidade e muito menos em universalidade. Do aduzido, vimos que
pode-se pensar o aborto como a possibilidade de uma ação imoral. Desta forma
também poderia pensá-lo como um crime em uma perspectiva kantiana ?
Para tal questionamento farei uso de duas citações da obra
Metafísica dos Costumes. A primeira
sobre o conceito de pessoas e a segunda sobre o conceito de transgressão
intencional.
O conceito de pessoas:
Uma
pessoa é um sujeito cujas ações lhe podem ser imputadas. A personalidade moral
não é, portanto, mais do que a liberdade de um ser racional submetido a leis
morais ( enquanto a personalidade psicológica é meramente a faculdade de estar
consciente da própria identidade em distintas condições da própria existência).
(MC.2003, pg.66)
O conceito de transgressão intencional.
Um
transgressão não intencional que ainda é imputável ao agente é chamada de uma
mera culpa ( culpa). Uma transgressão intencional isto é, uma transgressão
acompanhada da consciência de ser uma transgressão) é chamada de crime (
dolus). O que de acordo com leis externas é chamado de justo (iustum); o que não é, injusto (iniustum). (MC.2003, pg.67)
A transgressão intencional só pode ser
realizada por uma pessoa a qual tem consciência de sua racionalidade e cujas
ações lhe podem ser imputadas. Neste caso, partindo do aborto como uma ação
imoral contra a vida, visto que conservara a vida é um dever. Nesta
perspectiva, poderíamos inferir que o aborto aponta para uma transgressão intencional
contra a vida, tendo a possibilidade de ser classificada como crime.
1ª conclusão:
Preservar
a vida humana é uma lei moral; porque possui necessidade e universalidade.
2ª conclusão:
Conseqüentemente o aborto não seria uma ação
por dever. Por que o dever é uma ação em respeito à lei moral, que obedece ao
mandamento de preservar a vida. O dever contém em si o de boa vontade, portanto
se o aborto não sendo uma boa vontade, logo não implica um agir por dever.
3ª conclusão:
O aborto não seria uma ação determinada pelo
imperativo categórico, uma vez que o imperativo categórico se constitui por: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas
ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (FMC. II § 30, p.
129). Logo, o aborto não se constituiu um imperativo categórico, porque não se
pode universalizar a máxima de uma ação contra a vida humana.
4ª conclusão:
Uma transgressão intencional isto é, uma
transgressão acompanhada da consciência de ser uma transgressão é chamada de
crime.
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Uma pessoa, por uma série de
desgraças, chegou as desespero e sente tédio da vida, mas está ainda bastante
em posse da razão para poder perguntar a si mesma se não será talvez contrário
ao dever para consigo mesma atentar contra a própria vida. E procura agora
saber se máxima de sua ação se poderia tornar em lei universal. A sua máxima,
porém, é a seguinte: Por amor de mim mesmo, admito como principio que, se a
vida, prolongando-se, me ameaça mais com desgraças do que me promete alegrias,
devo encurtá-la. Mas pergunta-se agora se este principio de amor de si mesmo se
pode tornar El lei universal da natureza. Vê-se então em breve que uma
natureza, cuja lei fosse destruir a vida em virtude do mesmo e, portanto
existiria como natureza. Por conseguinte aquela máxima não poderia de forma
alguma dar-se como lei universal da natureza, e, portanto é absolutamente
contaria ao principio supremo de todo dever. ( FMC, II § 35, p. 130)